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ANGELINA
Você não é mais uma menininha pequena, Angelina! Então aja como a moça grande que você é e arrume a sua própria bagunça! Deixe de ser preguiçosa, garota. Varra a casa, lave a louça, coloque a roupa no varal...
-Te peguei, Angelina!
Meus pensamentos são interrompidos com as lembranças das coisas que mamãe havia me dito aos gritos hoje mais cedo, quando pulei da cama as cinco horas da manhã para poder vir para a escola, no momento em que sinto uma mão batendo em meu ombro e me pegando na brincadeira de esconde e esconde que estou participando. Que droga, eu fui encontrada porque estava distraída demais com as coisas na minha cabeça e por isso não prestei a atenção quando alguém estava se aproximando do esconderijo que tinha escolhido com cuidado, achando que ninguém iria me encontrar ali.
-Assim não vale, Laura!
Eu reclamo desanimada ao sair de detrás da árvore e corro com todas as forças das minhas pernas para alcançar ela ainda no meio do caminho. O suor começa a molhar ainda mais as minhas costas e enxarcar meu uniforme de modo que gruda em minha pele, enquanto eu a persigo pelo caminho de pedras, cimento quebrado e algumas latinhas de metal descartadas no chão do pátio da escola, e grito para que ela pare.
-Laura, você estava me espiando antes e viu onde eu me escondi quando estava contando! Eu sei disso, eu te vi olhando por debaixo do braço, sua trapaceira!
Eu berro bem alto indo atrás dela, mas Laura não para de correr e ainda por cima começa a rir da minha cara de boba e de desesperada por saber que eu jamais irei conseguir pegar ela de novo. Laura, minha melhor amiga é igual a uma girafa, tem as pernas mais longas que eu já vi na vida e a menina que consegue correr mais rápido de toda a nossa escola, e talvez até do morro Paraíso.
É verdade que as vezes eu sinto um pouco de inveja de suas habilidades, pois todo mundo sempre a escolhe para os seus times durante os jogos e também nas outras atividades que os professores mandam a gente fazer. Porém eu nunca disse isso a ela, é claro, pois tenho medo de perder sua amizade e eu não quero isso, e muito menos que ela pense que sou uma pessoa invejosa e se afaste de mim por causa disso.
Apesar de ser uns três anos mais velha, Laura ainda está estudando na mesma turma que eu, mas nós já nos conhecemos há muito tempo, desde os meus dez anos de idade quando começamos a estudar juntas, e continuamos sendo melhores amigas até o dia de hoje. Agora ela já tem quinze anos e eu doze, e ela é a melhor pessoa que já conheci em toda a minha vida. Laura é uma garota muito bonita, a mais inteligente e que conversa com todos os moradores do nosso morro. Ela é a pessoa mais popular que conheço e a mais esperta também, por isso, tudo o que eu preciso saber ou todas as dúvidas que as vezes tenho dentro da minha cabeça, mas que sinto medo ou vergonha de perguntar para minha mãe, eu pergunto diretamente para ela.
Laura é a minha inspiração, a garota em que eu mais confio e sabe todos os meus segredos. Ela é a garota que eu quero ser igual quando crescer e que me ensina tudo sobre essas coisas de ser menina, que eu não entendo muito bem, e que mamãe não tem a mínima paciência ou tempo para me explicar. Então, minha melhor amiga é tudo para mim, e eu faria qualquer coisa por ela e iria aonde quer que ela fosse também.
-Deixa de ser uma bebê chorona, Angelina! Você sabe que eu não trapaceei nada! Então apenas aceite a derrota dessa vez, sua bobona!
Laura comemora com uma dancinha da vitória quando consegue chegar ao ponto de contagem inicial e bater rapidamente a mão sobre o local, o que lhe garante a vitória na disputa. Alguns segundos depois eu também chego no mesmo lugar, e paro ao seu lado com a respiração pesada limpando o suor que escorre da minha testa com as costas do braço esquerdo.
-Eu não acredito nisso, Laura! Você...
Minha fala é interrompida na mesma hora quando o alarme anunciando o fim do recreio começa a tocar muito alto perto das nossas orelhas, como se fosse um alarme de incêndio.
-Mas que droga, Angelina! Acabou o horário do recreio e a gente tem que voltar para aquela porcaria de sala de aula que nem ventilador tem direito!
Laura reclama bufando o ar com força, super revoltada, e chuta com a ponta do pé uma pedrinha que está a sua frente para bem longe da gente em protesto.
-Nossa, e eu tô morrendo de calor. Nem sei como vou conseguir ficar com essa camisa molhada de suor até o final da aula de hoje. Acho que a professora vai querer me expulsar da sala de novo...
Eu comento divertida e nós duas rimos feito duas palhaças loucas enquanto nos arrastamos cheias de preguiça pelos corredores com poucas lâmpadas, mas que graças a claridade do sol, deixa o ambiente bastante iluminado a essa hora do dia.
-Se ela fizer isso mais uma vez, por favor me leva junto com você amiga. Pois vai estar me fazendo um grande favor, porque eu não aguento mais olhar para aquela cara de mocréia dela dando lição de moral para cima da gente por várias horas seguidas, pelo amor de Deus.
Ela diz batendo o seu ombro no meu e pisca um olho de forma cúmplice para que eu a ajude a matar aula novamente. Essa é a minha melhor amiga, nunca toma jeito na vida.
-Ai ai, Laura. Só você mesmo...
Eu rio ao que ela revira os olhos com tédio ao avistar de longe nossa professora bem na porta da sala de aula, nos olhando com um semblante feio e mal humorado no rosto, antes mesmo de nós duas chegarmos a sua frente. Seu olhar escuro é de pura reprovação e bronca quando paramos diante dela, que bloqueia a entrada com o corpo, e nos impede de entrar na sala de aula.
Pronto, vai começar a confusão outra vez... é o que eu penso ao ver Laura já se armando toda para encrencar com a mulher mais velha e rabugenta.