Capítulo 5
Rio de Janeiro, baile de véspera de ano novo de 1850
Há algo de muito especial nas noites de baile. Os convidados vestiam-se com seus melhores trajes, as damas desfilavam com graciosidade pelo salão e os cavalheiros ficavam ora parados, encostados nas paredes, ora circulando lentamente para admirá-las em toda a sua formosura. E o que deixava tudo ainda mais especial era o fato de aquele ser um baile de réveillon.
O fim de um ano para o começo de outro. Um recomeço, de fato. A energia do local exalava jovialidade e planos prontos a serem tirados do papel. As pessoas riam com vontade, fazendo alarde de sua alegria, entusiasmados com a noite fresca, de céu estrelado. Todos estavam sendo muito bem agraciados com serviçais impecáveis, comida saborosa e champanhe excelente. E foi nessa atmosfera que Estela chegou, de braço dado com Rebeca, atrás de Honório e Cristina.
— Está tudo tão perfeito! Exatamente como eu imaginei — comentou a amiga burguesa.
— Realmente — concordou Estela. — Superaram-se no quesito decoração.
A jovem viu, enquanto caminhava pelo peristilo, que a mansão tinha detalhes dourados na frente bem visíveis logo na entrada. Adentrando o salão, deu-se de súbito com a comoção dos transeuntes, o salão abarrotado de pessoas das mais variadas idades em trajes de gala: mulheres de vestidos longos e homens trajando sobrecasacas grossas, como verdadeiros dândis. Um garçom costurou por entre as pessoas e passou por ela, que agarrou uma taça de champanhe, sorrindo-lhe com afabilidade.
— Não acha que está um pouco cedo para beber sua única taça permitida da noite? — O tom de voz de Rebeca estava repleto de troça.
— Se fosse tão cedo, não estariam oferecendo a essa hora. Além do mais, minha amiga, você sabe muito bem que sempre dou um jeito de burlar essas regrinhas bobas.
— Seus pais têm essa regra há tanto tempo, mas você já tem 20 anos, acho que eles continuam insistindo com isso por hábito.
— Hábitos são difíceis de largar — observou Estela, com ironia.
Rebeca sorriu, dando-lhe um tapinha no antebraço antes de puxar a amiga pela mão. Ela queria circular pelo salão, conversar com os conhecidos, ser apresentada a pessoas novas. Respirou fundo o ar meio abafado, porém, ainda agradável do recinto bem iluminado e, ao dar o primeiro passo rumo ao início de suas atividades sociais, surpreendeu-se ao ver sua mãe.
— Finalmente, te achei!
Maristela se aproximou rechonchuda e envelopada em um vestido de tule de algodão verde musgo, com detalhes em amarelo dourado, e jogou seus braços fortes ao redor da filha, deixando derramar no chão um pouquinho de champanhe da taça com a qual vinha perambulando pelo salão desde que chegou. Odiava champanhe. Pegava e tomava pequenos goles a intervalos intercalados muito bem cronometrados, para não dar na vista. Gostava de parecer chique — ou o que achava ser chique em sua opinião —, por isso, bebia champanhe, comia caviar e "deleitava-se" com um delicioso escargot de boa procedência.
Rebeca sentiu-se sufocada pelos braços da mulher, que mais pareciam duas boias infláveis pesadas e com vida própria. O oposto do que deveriam ser, portanto. Quando finalmente sua mãe a soltou, ela levou as mãos à cabeça, numa tentativa meio desesperada de conferir se seu penteado não tinha sido desfeito pelo abraço bruto da matriarca de sua família.
— Fiquei muito triste quando Geraldo apareceu lá em casa e disse que você passaria o resto da tarde com Estela! Você acha justo deixar uma senhora como eu sozinha o dia todo?
— Mamãe…
— Eu não tinha absolutamente nada para fazer! — Continuou a mulher, sem prestar atenção na filha, nem mesmo preocupando-se em conferir se a menina ouvia ou não. — Eu tive uma filha tão linda e inteligente… Fico muito feliz por isso! Mas eu quis ter filhos, Rebeca, para não morrer sozinha. Você sabe, meu amor, que o dever dos filhos é cuidar dos pais. Ah… Leôncio!
Ao ouvir seu nome, o pai de Rebeca aproximou-se das mulheres e Rebeca suspirou, completamente derrotada.
— Marido, diga à sua filha ingrata — pediu a mulher, aumentando o tom de voz de propósito para que as pessoas ao redor pudessem escutar — como passei a tarde sozinha e triste, porque ela achou que seria uma boa ideia esquecer de mim pelo resto do dia!
— Sabe quem ficou ouvindo sua mãe reclamar e me proibiu de jogar pôquer com os rapazes no sábado? — Seu olhar era frio e ele ergueu as pontas iniciais das duas sobrancelhas retas em um olhar inquisitivo quando Rebeca não respondeu. — Seja mais responsável, sim? — E afastou-se.
— Foi um prazer, dona Maristela, mas precisamos contin…
— Pode ir, criança — ela inclinou a cabeça em direção ao caminho para o qual as duas seguiam antes de abordá-las. — Mas deixe Rebeca aqui. Já passou tempo demais com ela hoje.
Estela abriu a boca, querendo contra-argumentar de alguma maneira, mas foi impedida pelo toque suave da amiga no seu braço. Virou-se para Rebeca que, embora aparentasse estar suportando a situação com cabeça erguida, era visível para Estela que a situação era outra. Seus lábios estavam com uma pequena protuberância, que deixava ver que Rebeca os pressionava firmemente. A cada piscada que seus olhos davam, seus cílios tremelicavam, num esforço contínuo de não deixar-se debulhar em lágrimas, e o aperto delicado em seu braço deixava Estela sentir a palma de sua mão pegajosa de suor.
Tendo desistido de tentar convencer Maristela, Estela aquietou-se, cumprimentou com um aceno de cabeça a ambas e saiu.
A festa seguia seu rumo, ninguém parecendo impressionado ou avivado pelo pequeno escândalo que se sucedeu havia pouco. Estela pegou alguns petiscos, puxou conversa com outras moças e recebeu flertes de rapazes abastados. Apanhou mais uma taça de champanhe de uma bandeja qualquer carregada por um criado e bebeu tudo de um gole só. Continuou a conversar, deu risadas, flertou de volta com alguns cavalheiros, de maneira muito delicada, porém, cansou-se logo dos joguinhos de palavras e dos olhares trocados com falso pudor. Após um tempo ficou de canto no grande salão, com os braços cruzados, olhando o movimento dos convidados.
— Faria a gentileza de me conceder a próxima dança? — Uma voz firme e extrovertida tirou-a de seus pensamentos.
— Peter! — Ela lançou um sorriso largo e genuíno na direção do rapaz, encantada por vê-lo. — Que coincidência nos encontrarmos aqui. É uma mansão ridiculamente enorme!
Ele riu.
— Concordo. Tenho certeza que amanhã estarei recebendo bilhetes de remetentes descontentes por não terem tido a oportunidade de me encontrar. "Peter, você deveria ter me procurado com mais afinco." — Falseou uma voz cheia de ofensa e descaso, fazendo Estela rir.
— Você não existe.
— É claro que não devemos maldizer a casa do nosso anfitrião — continuou ele, sem perder o fio da meada. — Afinal, o barão sempre dá seus bailes de máscara em fevereiro. Meu Deus, como eu os amo, são sua marca registrada!
A moça sorriu com o tom de entusiasmo do rapaz que, ela sabia, também estava exagerando para propósitos cômicos. Porém, não deixava de ser verdade. Os bailes de máscara do Barão Douglas eram os melhores, o ponto alto da temporada, palco de acontecimentos que deixavam as pessoas tendo o que comentar por meses, durante o almoço de domingo ou no decorrer do chá da tarde. Era sempre motivo de grande excitação.
— Isso é verdade — concordou. — Você ainda estará aqui?
— Ah, com certeza. Pode confiar nisso! Além do mais… não tenho motivos urgentes e emergenciais para voltar para a Inglaterra. My country can wait.
Estela adorava seu sotaque britânico anasalado e a forma como sua boca se abria ao pronunciar as vogais abertas acompanhada da ausência de consoantes.
— Não é possível que não esteja com saudades — comentou ela.
— Sinto. Apesar de não ter uma tradução para isso em minha própria língua, eu sinto, sim. Não vejo meu pai há quase cinco anos. Viajo muito pelo Brasil a trabalho, mas… você sabe, por mais ocupado que um homem possa ser, ele sempre tem tempo para pensar na família.
— E como vão os negócios do seu pai? Você havia me dito que ele tinha uma pousada.
— Sim, sim. Tudo está indo de vento em popa. Ele é aposentado, mas o homem não consegue ficar em casa, curtindo a varanda com um jornal. Aquele lá vai morrer trabalhando!
Estela sorriu.
— São os melhores tipos de homem.
Peter sorriu de volta, encarando seus olhos antes de descer com lentidão para os lábios rosados. Ele adorava tudo na jovem. Sua pele de textura macia e aveludada, o tom dourado do bronzeado fácil que pegava ao se expôr ao sol com a frequência que ela o fazia. Seus cabelos escuros muito cheios, donos de cachos bem feitos e rebeldes, as mechas claras. A testa alva em cima das sobrancelhas curvadas que lembravam as asas abertas de um pássaro, o nariz fino de ponta levemente arrebitada, os lábios carnudos meio redondos e os dentes brancos, bem cuidados. Deus, ela era…
— Estonteante — sussurrou Peter sem quebrar o contato visual.
— Como disse?
— Você.
— Ah.
— Está estonteante esta noite. Para o caso de eu não ter dito antes, digo agora. E já peço perdão por não ter dito antes.
Ela deu uma risadinha, mordendo o lábio inferior em sinal de nervosismo.
— Muito obrigada.
— Não tem de quê — e aproximando-se mais dela, acrescentou — você nunca respondeu à minha pergunta. Quer dançar?