Capítulo 4
— Did you hide here while your friends were being brutally murdered? Is that what you did?
Confuso e em choque, o menino franziu as sobrancelhas e fez que não com um movimento inseguro de cabeça.
— Eu não falo inglês.
Piratas britânicos! Ele quis rir. E, então, amaldiçoar sua sorte — ou Deus, embora soubesse que era infantil pôr a culpa em qualquer outro ser que não a si mesmo quando algo ruim acontecia. Ele sabia que ele mesmo havia se colocado naquela situação. Por que trabalhar a bordo de um navio, afinal? Para que seguir carreira na marinha? Para se tornar melhor do que o pai? Um homem que ele nunca nem ao menos conhecia de fato, cuja figura era enevoada por lembranças infantis de outros tempos. Só o que sabia com verdade absoluta era seu nome. Sentia-se um idiota.
Um dos soldados disse alguma coisa em inglês e uma breve conversa se deu entre os piratas. Até que um homem deu uns passos a frente e disse:
— Ele perguntou se você estava se escondendo enquanto todos morriam do lado de fora — o português sorriu e pareceu o próprio demônio.
João Miguel respirou fundo, baixando os olhos em submissão.
— Eu não sabia o que fazer, estava com medo. Tudo o que eu faço é limpar o navio e ajudar o cozinheiro.
Os piratas começaram a rir baixinho e um burburinho em forma de conversa desordenada e ininteligível para João Miguel foi iniciada entre eles. Depois de alguns minutos naquela empreitada, o homem que parecia o capitão silenciou a todos e olhou para o menino.
— Você pode ficar — o português traduziu as palavras do homem. — Fazendo as mesmas tarefas que fazia neste navio. Mas não receberá nada. Seu pagamento será manter sua vida.
E assim foi. No primeiro mês, ninguém ousou falar com ele. De fato, dois terços da tripulação eram de origem britânica, por isso, nem mesmo se quisessem seria possível manter uma comunicação decente. Na maior parte das vezes, o jovem era muito importunado, vítima de zombarias e pilhérias em virtude da maneira como havia se comportado diante do ataque ao navio da Marinha Portuguesa. Esconder-se não era uma atitude que agradava marinheiros, especialmente quando estavam sob ameaça explícita. Por isso, os homens, todos mais velhos do que ele, tornavam-se seres pueris, fazendo dancinhas infantis em uma alusão à sua covardia, chutando os baldes de água suja que o garoto usava para lavar o chão, sujando o assoalho recém-asseado. Colocavam baratas silvestres mortas em seu prato de almoço e molhavam sua cama com a urina amarelada dos seus penicos. No segundo mês, no entanto, mesmo que este também tenha sido um mês difícil, ele fez uma amizade.
O nome do rapaz era Teobaldo. Theobald, para os britânicos. João Miguel veio a saber naquela primeira semana de camaradagem, que o rapaz, quatro anos mais velho do que ele, era filho de espanhóis. Seu pai era um diplomata que foi assassinado em casa, juntamente com sua mãe, numa noite relativamente quente do verão inglês. Estavam em Londres. Seu pai estava a serviço de seu país e por isso o mataram a sangue frio, com um corte simples e preciso no pescoço. Sua mãe, que era fraca do coração, morreu ao seu lado, vítima de um infarto fulminante.
Teobaldo, então, morou nas ruas por alguns anos, engraxando sapatos e furtando carteiras até que foi pego em seus atos ilícitos, indo parar em um reformatório. Após uma rebelião, conseguiu fugir. Foi quando conseguiu emprego entre os piratas com os quais estava desde então. Era um garoto educado, apesar da vida difícil desde a tenra idade. Falava três idiomas além do espanhol. Eram elas português, inglês e francês. Tinha noções de matemática, história e geografia. Com os anos de pirataria, aprendeu a manejar o timão e a administrar um navio de grande porte, embora seu cargo na tripulação fosse baixo e sem importância. Talvez a ausência de ascensão profissional entre seus colegas bandidos do mar residia no fato de que adorava escrever crônicas sobre suas aventuras com os homens no navio. Sonhava em ser escritor, o que não metia medo em ninguém e nem lhe conferia respeito entre os seus.
Numa noite, quando todos já tinham ido dormir, João Miguel e Teobaldo estavam deitados no pequeno cômodo que faziam de quarto, cada um em seu colchão duro e fino do beliche que compartilhavam.
— Isso foi a sua barriga? — Inquiriu Teobaldo, deitado na parte debaixo, ao escutar um pequeno lamento que mais parecia uma trovoada ouvida ao longe.
— Não jantei hoje. Encontrei baratas no meu prato — respondeu o outro como se o acontecimento tivesse sido fruto do acaso. — E agora não consigo dormir. Meu cérebro se revira e faz barulho tanto quanto o meu estômago.
— No que está pensando?
— Em meu pai.
— Edward Brighton.
— Sim. Que homem larga uma mulher que engravidou dele e volta para sua vida? Sem remorsos, sem dúvidas.
— Você deve ter parentes. Irmãos, tios. Primos.
— Não são nada meu — retrucou, peremptório. — Nem o próprio Edward é.
— Toma — o espanhol disse, erguendo o braço até o beliche de cima. — Sabia que depredariam a sua refeição, guardei uma barra para você. — João Miguel pegou com rapidez, agradecendo.
— Não se sinta grato, tem gosto de merda.
O garoto do beliche de cima deu uma risadinha e Teobaldo ficou em silêncio por um tempo, tentando visualizar através da escuridão os detalhes da parte debaixo da cama de João Miguel. Finalmente disse, voltando ao assunto "Edward Brighton":
— Se ele não é nada seu, assim como gosta tanto de dizer, não deveria se importar tanto em superá-lo como ser humano. Deveria apenas preocupar-se em viver a sua vida e proteger-se para não ser morto qualquer dia desses.
O outro não respondeu de imediato.
— É só que… se há uma coisa que eu odeio nesta vida são homens sem integridade que abusam das mulheres.
Pegou no sono em algum momento depois dessa frase.
No terceiro mês, os piratas pararam de importuná-lo. Havia perdido a graça. Teobaldo decidiu ensinar-lhe o inglês — a língua do seu daddy, como o amigo costumava brincar, irritando-o. Praticavam todos os dias, e a cada noite que chegava, João Miguel deitava-se na cama tentando lembrar de todas as palavras e estruturas de frases que havia aprendido durante o dia enquanto limpava dejetos humanos. Teobaldo geralmente apontava para um objeto e lhe dizia o nome. Pássaro. Bird. Balde. Bucket.
— Diga em inglês o que é isso — pediu ele certa vez, segurando um balde com urina e fezes. Já estavam estudando há cinco meses.
— Bucket — respondeu João Miguel sem esforço.
— Errado. Bucket filled with shit.
João Miguel soltou uma breve risada pelo nariz, jogando um esfregão recém lavado no amigo que desviou prontamente. Balde cheio de merda, de fato.
Também havia pedido a Teobaldo para ensiná-lo tudo o que sabia sobre embarcações. O amigo brincou, perguntando se ele queria ser um pirata de verdade. Brincou e riu, mas lhe ensinou aquilo também de bom grado.
Em um ano, já tinham conversas inteiras na língua estrangeira e sem pausas, sobre os mais variados assuntos. Teobaldo lhe fez um diploma, após roubar um papel de carta grosso e caro na sala do tesoureiro.
— És louco — João Miguel tinha dito, mas riu, feliz com a homenagem preparada, logo enrolando com cuidado o papel chique com as letras cursivas e elegantes até ficar no formato de um cano. Amarrou com uma fita vermelha e colocou dentro de sua maleta, para que não amassasse.
Nunca tinha tido um amigo, e depois de todos aqueles meses, considerava Teobaldo um irmão. Estava feliz pela primeira vez na vida desde que sua mãe faleceu. Com o amigo, não se sentia sozinho no mundo. Mas sua felicidade durou pouco. Findou no mesmo dia em que o navio britânico no qual estava, fazia quase 18 meses, foi atacado por um navio português, matando todos os tripulantes que pudesse encontrar.
João Miguel não podia acreditar que aquilo estava acontecendo de novo.