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Capítulo 8

As seis badaladas do relógio da escada indicam que é hora do café da manhã. Malú já está de pé terminando de se arrumar para escola, ou tentando, pois passou a metade do tempo tentando disfarçar as olheiras da noite mal dormida que teve por conta de tudo o que tinha acontecido e sua curiosidade a respeito do acordo feito por sua mãe com os Almeida.

Ela se afasta para enxergar seu corpo inteiro no espelho e faz careta com o que vê: Estava igual às meninas dos filmes que assistia com suas amigas e ria, achando o modelito horrível. Era um casaco azul, por cima de uma camisa azul clara com o brasão da escola e a saia xadrez que ia até um pouco a cima do joelho que estava escondido por baixo da grossa meia cinza. Seu cabelo está arrepiado, mesmo ela passando creme para deixa-lo domado. Tinha colocado somente um par de brincos para melhorar seu visual. As meninas precisam ver isso, pensa Malú tirando uma foto de si mesma e enviando para as meninas. Então se lembra de que não tinha conseguido falar com sua tia no dia anterior, abre a conversa com sua tia e decide mandar uma mensagem de texto:

Aline (tia)

553199999–999

Oi, tia. Estou com saudades...

Estão acontecendo coisas estranhas

Quando ficar on me avisa. Te amo.

— Senhorita Maria Luísa — chama Adelaide batendo na porta do quarto — Aguardam a senhora para o café.

Malú respira fundo olhando para o celular, aguardando a resposta que não veio. Então o guarda na mochila e abre a porta se deparando com Adelaide que a encara preocupada. Malú ajeita os sapatos pretos de verniz e sai, passando pela empregada em direção a sala de jantar, onde encontra Maria Luísa, Thiago, Vera e Graziela, as duas últimas surpreendem a jovem, por estarem tão cedo já na casa dos outros. Eles conversavam animadamente, quando param para observar a chegada de Malú. A matriarca encara a neta com desprezo, não se sabe se foi por conta do atraso, ou se por não suportar a presença da neta. Thiago olha para filha, ansioso, a espera de um contato melhor do que os que teve nos últimos dias. Graziela sorri para Malú enquanto Vera encara a jovem com certo ar de desdém.

— Quem é vivo sempre aparece — comenta Vera olhando Malú de cima abaixo que puxa a cadeira para sentar. A Bela loira estende o braço em direção a Malú — Não sente ainda, deixe–nos ver você com o uniforme do Erasto.

Malú fica parada ao lado da cadeira sentindo como se fosse um rato de laboratório, ou um animal de zoológico, sendo observada por eles. Vera bate palmas, contente.

— Ah, que saudades eu estava desse emblema. – Comenta Vera nostálgica — Claro que em minha época o uniforme não era tão despojado... Moderno, mas ainda assim representa o primor da sociedade curitibana. Maria Luísa – chama a jovem olhando para a avó de Malú — Você se lembra do seu uniforme?

— Sim, era um belo uniforme — responde Maria sem desviar o olhar de seu prato — Usávamos saias de prenda verdes e camisa engomada branca, sem esquecer as meias brancas e dos sapatos de verniz pretos. Um uniforme decente e tradicional, que representava bastante o que era o colégio. Mas os tempos mudam... E hoje eles chamam isso de uniforme.

— Realmente, o tempo passa — exclama Graziela sorrindo — Até poucos anos éramos nós que estávamos indo para o colégio, lembra amor?

— Sim — responde Thiago, tímido com o olhar curioso de Malú.

— Aposto que seu pai não contou desde quando nós nos conhecemos, não é Malú? — Pergunta Grazi tocando nos cabelos pretos do noivo. Ela sorri para Malú e continua — Nós três fomos alunos do Erasto no mesmo ano. E eu lembro que éramos da mesma sala desde a segunda série. E no ensino médio, na época, colegial, ele me pediu em namoro. EU lembro que ele disse: “Estamos destinados a ficarmos juntos” e me deu um anel de aço cirúrgico. Lembra amor?

— Para você ver como a vida é — começa Vera comendo uma uva. Ela olha para Malú e continua — Vocês sempre foram perfeitos um para o outro. Mesmo com os obstáculos gigantescos que enfrentaram. O Thiago sempre achou que você fosse à mulher ideal para ele. Tanto que irão se casar. O que o destino uniu nada e nem ninguém separa. Nenhuma mulherzinha foi capaz desse feito...

Malú sente suas faces vermelhas, sua mão segura seu talher com tanta força que as juntas dos seus dedos ficam brancas. Ela sabe que isso foi uma indireta para Anna, logo para sua mãe que não está aqui para se defender. Malú sente mais raiva por não poder se defender daquele ataque, pois está sem voz. Então ela olha para o suco de uva que está em sua frente, segura o copo com vontade. Posso não falar, mas isso não irá ficar assim...

— Senhorita, o carro já está pronto... — Avisa Jaime chegando à sala de jantar e interrompendo a ação de Malú.

Aquele que responde uma agressão com outra agressão se coloca no mesmo nível do seu agressor, recorda Malú de uma frase de Hugo Lapa, que sua mãe sempre citava para ela quando estava irritada. A jovem se levanta da mesa, pega sua mochila e vai em direção ao motorista que a conduz até o carro.

— Por que disse isso, Vera?– pergunta Thiago, irritado — Por que chamou Anna de mulherzinha?

— Mas eu não falei nada sobre a Anna, Thiago. — Defende–se Vera fingindo não entender o que ele quis dizer — Aliás, quem é Anna?

— A mãe da Malú — responde Thiago, sério — E, por favor, faça somente o seu trabalho de agora em diante. Descubra quem é a pessoa que está ameaçando a mim e minha família.

— Você está sendo ameaçado? – pergunta Maria Luísa, preocupada. — Como? Quando foi isso? Já tem algum suspeito?

— Vera, mostre a carta para minha mãe — pede Thiago tomando mais um gole de café e se levantando — Vera está em ação conjunta com a polícia para descobrir quem pode ser essa pessoa que está fazendo isso. Talvez tenha sido apenas um trote, mas estamos avaliando toda a situação.

— Aonde vai querido? –pergunta Graziela, segurando no braço do noivo.

— Levarei Malú à escola, pensando bem essa é a minha obrigação, pelo menos para o primeiro dia de aula. – Responde Thiago beijando o topo da cabeça de Graziela. — Nos vemos mais tarde.

— Não esqueça que hoje às duas da tarde, nós temos que ir escolher o restaurante do nosso jantar de noivado — avisa Graziela, mas Thiago já está longe, provavelmente não escutou as palavras de sua noiva.

— Mostre–me a carta, Vera – pede Maria Luísa encarando à loira que vasculha a bolsa — Preciso saber com o que estamos lidando.

Maria Luísa pega a carta das mãos de Vera e abre, devagar. Ali estão as letras cortadas de revistas e jornais e colocadas, uma a uma, formando uma mensagem que diz:

“Desista da campanha, ou perderá tudo o que mais ama... Eu prometo.”

— Bom, só nos resta reforçar a segurança a todo custo. Adiar os eventos sociais e exposições públicas, até que essa pessoa seja encontrada. — Conclui Maria entregando o papel para Vera.

— Acho um pouco precipitado — alega Vera — Não vamos nos deixar levar pelo desespero por conta de uma ameaça. Garanto que em breve essa situação desconfortável estará sob controle.

— Espero que sim, Vera – diz Maria Luísa limpando os lábios no guardanapo.

— E por falar em situações desconfortáveis — começa Graziela encarando a futura sogra — O que pretende fazer com a menina? Vai coloca-la em um colégio interno na Suíça? Quais seus planos para abafar esse caso? Para fazer com que essa mancha do passado de Thiago não venha à tona.

— O que eu farei? – pergunta Maria Luísa, confusa — Eu não farei nada, pois a situação já está mais do que resolvida. A Jovem irá morar conosco, sua família.

— Quer dizer então que ela irá morar nesta casa? — Pergunta Graziela tentando disfarçar sua frustração.

— Sim, o que achou que iria acontecer a minha neta? — Pergunta Maria Luísa, curiosa.

— Bom, eu achei que a senhora fosse mantê-la afastada, como veio fazendo durante todos esses anos, em prol... De sua família.

— Então você acha que afastei Maria Luísa, pelo bem de nossa família? — Pergunta a matriarca. Ela se levanta e toca levemente no ombro de sua nora — Entendo seu equívoco em relação as minhas decisões passadas, mas quero que entenda uma coisa: Nada é o que parece. E com certeza as decisões que tomei em relação a minha neta, foram às melhores para ambas. Um dia, quando estiver em meu lugar , entenderá muito bem isso.

***

Jaime conduz o carro em direção a portaria, quando vê seu patrão acenando em direção ao carro. Ele dá a volta, estacionando próximo a Thiago que bate no vidro:

— Jaime, pode deixar que eu levo a Malú hoje em seus compromissos – avisa Thiago, empolgado.

O motorista desce do carro e abre a porta para a jovem descer, ela não entende o que deu em Thiago para querer leva-la a escola. Há anos não era levada por ninguém em seu primeiro dia de aula.

Os dois se dirigem para o carro dele, onde entram sem falar nada. Ela até agradece, assim não teria de fingir que estava prestando atenção, conseguindo focar sua mente em suas amigas e tia. Pensa em que cada uma delas estava fazendo enquanto ela tinha de ir para o colégio tradicional de sua família. Thiago encosta o carro em frente ao renomado colégio e ajuda Malú a tirar suas coisas do carro. Ele ajeita seu terno preto e beija a testa de Malú que tenta evitar o gesto.

— Eu venho te buscar para irmos à psicóloga, tudo bem?– informa Thiago tentando dar um sorriso de confiança para a filha.

Malú balança a cabeça enquanto revira os olhos para Thiago. Ele coloca a mão no topo da cabeça da filha e a sacode, bagunçando o cabelo da filha. Como resposta ela o fuzila com seus grandes olhos azuis.

— Desculpe–me – pede tímido. — Bom... Divirta–se, aproveite bastante seu dia, faça coisa que adolescentes fazem e... Qualquer coisa é só você me ligar, Okay?

Ele entra no carro e acena se afastando do portão da escola. Ela observa o carro se afastar e então se vira em direção à bela entrada do colégio. Respira fundo e caminha para dentro da escola, para o seu primeiro dia.

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