Capítulo 9
Erasto Gaertner é tão grande que Malú demorou meia hora para encontrar sua sala de aula nova. Assim que entra, todos os alunos e a professora a encaram, reprovando seu atraso. A jovem respira fundo, ajeita os cabelos e a mochila, caminhando para um lugar vago no fundo da sala. Decide ficar lá até o final de todas as suas aulas. Coloca seu fone de ouvido e abaixa a cabeça, viajando para o mundo onde nada daquilo tinha acontecido.
— Sim, eu tenho certeza que é ela.
— Não mesmo, a garota do jornal é mais bonita.
— Ei, cuidado.
— Para de empurrar...
— Que cara de pau, ela veio para o mesmo colégio que ele.
— Isso é nojento.
— Será mesmo que eles...?
— Shhh! Ela está acordando...
Malú abre os olhos encontrando quase todos de sua sala ao seu redor. Ela passa a mão no rosto com medo de ter sido pintada pelos alunos. A jovem se arruma na cadeira, enquanto um rapaz se aproxima com o celular e pergunta:
— Essa é você, não é mesmo? – Malú olha para a tela do celular. Nela aparece uma foto de Thiago segurando Malú e tentando se esconder. O que está escrito no título, tornava a situação polêmica: CANDIDATO A SENADOR E SEU AFFAIR – PEDOFILIA? — É você sim!
Malú tira o celular das mãos do garoto, enquanto o alvoroço se forma ao seu redor. Gritos, xingamentos e zombações cercam a jovem de cabelos curtos que não suporta tudo aquilo e corre para fora da sala, desesperada. Isso não está acontecendo... Isso não está acontecendo... O grupo de alunos surge indo em sua direção, o que a faz correr novamente. As lágrimas atrapalham sua visão a ponto de trombar em uma mulher vinha em sua direção.
— Ei, nada de correr dentro da escola — alerta a mulher de belos cabelos castanhos soltos por cima de seu terno verde musgo, segurando Malú pelos ombros. Ela então percebe que a garota está chorando, a deixando confusa — O que aconteceu? O que houve?
— Nada Não, coordenadora Lara – responde o rapaz do celular — Ela fugiu da sala com meu celular nas mãos. Pede pra ela devolver, por favor?
— Sei que não foi nada, Tomas. Ainda mais com você envolvido – retruca a mulher irritada. Ela pega o celular das mãos de Malú e olha a foto, arregalando os olhos. Logo em seguida devolve para o rapaz — Vocês voltem para a sala de aula – então olha para Malú — E você, Maria Luísa, venha até minha sala.
***
Thiago corre pelos corredores da escola a procura da sala de Lara que o espera impaciente sob o olhar curioso de Malú. Assim que o candidato chega, a coordenadora se levanta aliviada com a presença dele.
— Até que enfim você chegou – exclama com um sorriso. Ela olha para a Malú e pede — Maria Luísa me deixe falar com o seu pai, a sós. Sente–se ali no corredor, por enquanto.
Malú se levanta ainda enxugando o rosto, enquanto passa por Thiago sem encará-lo. Assim que a jovem fecha a porta, a mulher aponta para o lugar em sua frente, indicando para Thiago sentar.
— O que foi Lara? O que a Malú fez? – pergunta sério, recusando o pedido.
— Ela, nada. Mas os alunos leram a matéria a respeito do “caso” de vocês. – Responde Lara.
— Você sabe que não é verdade – reage Thiago, irritado.
— Eu sei, mas os pais dos alunos e os alunos não sabem. Thiago, pelo bem da Malú, você precisa contar a verdade a respeito dela, o quanto antes. – Sugere Lara.
— Assim eu irei expor a minha filha – alega Thiago.
— Sua filha já está exposta. Se você não revelar quem ela é para o público, não terei como mantê-la aqui – informa a mulher
— Eu preciso de mais tempo, até tudo se resolver – responde Thiago.
— Você não tem mais tempo e sabe disso. Eu disse a você quando decidiu que seria melhor colocar sua filha aqui – recorda Lara
— Eu preciso ir, tenho que leva-la a psicóloga – responde Thiago saindo da sala. Ele para ao lado de Malú — Vamos embora.
***
Thiago encosta o veículo no estacionamento do consultório psicológico. Malú desce com seu tablet e com o rosto cansado. Não consegue esquecer os rostos de reprovação de seus colegas, só de pensar que teria de voltar à escola, já sente náuseas. Seu pai segura em seu braço e a conduz em direção à porta dos fundos do consultório.
— Bem vindos! – cumprimenta a recepcionista, alegremente — Aguardem um momento que a psicóloga já irá atendê-los.
Malú senta na poltrona verde e olha para a televisão. Está passando horário político e em poucos minutos surge à cara do Thiago, fazendo com que todos o encarem surpresos. Ela não consegue entender o que é falado na propaganda, mas não importa, pois está olhando para não ter de falar com ele.
— Maria Luísa? – pergunta uma jovem mulher morena de cabelos curtos encaracolados.
Malú se levanta e vai em direção da psicóloga que lhe dá um enorme sorriso. A psicóloga estende a mão e se apresenta:
— Prazer, meu nome é Ariadne Lacerda. Vamos entrar?
Malú passa por ela , enquanto Thiago se levanta, dá um sorriso em direção à psicóloga e vira indo em direção à saída.
— O senhor não vem? – pergunta à psicóloga, curiosa.
— Não, eu tenho outros compromissos me esperando, mas não se preocupe, volto para buscar a Malú.
— Bom, seria importante que o senhor participasse das sessões – explica a psicóloga que para ao ver Thiago olhando para o relógio, impaciente — A menos que tenha algo mais importante que sua filha...
— Prometo que na próxima, venho participar – responde Thiago sem ao menos olhar para Ariadne.
Ele vai até Malú e dá um beijo no topo de sua cabeça, saindo rapidamente em seguida. Ariadne olha para a jovem e lhe dá um sorriso, recebendo uma virada de olhos como resposta.
Thiago entra em seu carro e tenta ligar mais uma vez para Vera, que dessa vez atende ao terceiro toque:
— Alô, Vera? Preciso que você chame os repórteres e faça uma coletiva em minha casa.
— Tem certeza?– pergunta a loira do outro lado.
— Absoluta. Daqui a pouco estarei no escritório e te passarei as diretrizes.
***
Tic... tac...
Tic... tac...
Tic... tac...
Tic... tac...
Tic... tac...
Malú olha para o relógio desde o momento em que entrou na sala de Ariadne. Não tinha a menor vontade de escrever nada para a psicóloga que a encarava sem dizer uma palavra. Parece até que tinha virado uma estátua. A jovem de cabelos negros respira fundo e continua prestando atenção aos ponteiros do relógio que marcavam o fim da sessão.
— A sessão acabou – avisa Ariadne, escrevendo algo em sua ficha.
Malú se levanta apressadamente e vai em direção à porta.
— Até breve –despede–se a psicóloga — Na próxima sessão gostaria que escrevesse sobre você. Ajudaria muito na sua condição.
Malú bate a porta com força, fazendo um enorme barulho. Não sentia que precisava de tratamento psicológico, mas sim da sua vida de volta. Ela senta no sofá do consultório onde deveria esperar Thiago. Depois de dez minutos sai da recepção, indo sentar nos degraus da escada que dá acesso ao estacionamento. Pega os fones de ouvido, conecta ao tablet e coloca suas músicas para tocar. Aos poucos seus olhos fecham e sua mente se afasta de tudo que a consome. Preciso de você, mãe...
— Malú – chama uma voz feminina que toca em seu ombro — Abra os olhos, nós precisamos conversar...
Maria Luísa abre os olhos, porém só consegue ver quem é quando coloca uma das mãos sobre o rosto. Ela sorri, enquanto tira os fones para falar com sua mãe.
— Você veio – diz Malú feliz.
— Sim, você me chamou e aqui estou – diz Anna sorrindo — O que foi meu anjo?
— As coisas estão bem difíceis por aqui, mamãe. As pessoas não são o que parecem, elas me machucaram tanto que eu não sei em quem confiar...
— Meu amor – diz Anna, tocando no rosto triste da filha — Confie no que seu coração diz...
— Eu só queria que as coisas... Fossem como antes.
— Nada pode ser igual, meu amor. Mas tenha certeza que tudo irá se ajeitar e você será feliz como antes ou até mais. Dê tempo ao tempo e verá que tudo será como deve ser...
— Mas e a minha voz? Ela irá voltar?
— Malú, acorde! – chama Thiago sacudindo Malú — O que está fazendo sentada aqui no estacionamento?
Malú acorda assustada olhando ao redor. Alguns fotógrafos ao longe tiravam fotos dela. Não tem ideia de quanto tempo havia dormido, mas sabe que tinha conseguido irritar Thiago que a levanta em um pulo da escada.
— Vamos embora – ordena Thiago abrindo a porta — Eu pedi para você esperar lá dentro. Droga, agora eles terão mais notícias.
Ele entra no lado do motorista e dirige todo o trajeto sem dizer uma palavra a Malú que agradece por não ter de falar com Thiago. Ela olha a paisagem bela do caminho apenas pensando no que sua mãe disse.
***
Thiago e Malú entram na mansão e logo são recepcionados por Vera que está com quatro celulares na mão e com a expressão aflita.
— Até que enfim. O pessoal da coletiva de imprensa já está esperando você na sala – comenta a relações públicas, caminhando ao lado do candidato — Eles já estão atualizados com fotos da Malú em uma clínica psiquiátrica.
— Era um consultório psicológico – corrige Thiago, sério.
— De qualquer forma isso entrou na pauta deles – retruca Vera — Thiago, você vai ter de falar a respeito da Malú.
— Eu daria o dobro para não falar, mas as coisas estão saindo do controle – responde Thiago colocando o microfone na lapela. Ele olha para a filha e diz — Vá para o seu quarto e saia apenas quando alguém autorizar.
Malú obedece prontamente subindo as escadas o mais rápido que consegue.
— Vamos começar falando das propostas, depois sobre o casamento e por fim... Sobre sua filha – explica Vera.
— Vamos falar de propostas, casamento e todos os projetos que já realizei em Curitiba. E evitaremos ao máximo falar sobre Malú, só diremos que ela é minha família e mais nada. Quero que ela tenha um pouco de privacidade, por enquanto.
Ele senta na poltrona de frente para os jornalistas que estão em polvorosa.
— Boa tarde a todos, vamos à coletiva – cumprimenta Thiago com um sorriso no rosto. — Podem começar com as perguntas.
— Boa tarde, senhor candidato – começa o jovem de cabelos castanhos — Gostaria de perguntar quem é a jovem que está estampando todas as capas das principais revistas regionais? É verdade que ela é sua filha e que é louca, por isso o senhor a escondeu por tantos anos?