Capítulo 2
♫ Dorme, dorme menininha
eu estou aqui... ♫
Malú desperta com a música muito conhecida por ela, ainda mais com a aquela bela voz. Olha ao redor e percebe que ainda está no quarto da mãe. Ela se vira e encontra o rosto sereno de Anna e sorri aliviada. A mãe sorri de volta e continua passando a mão nos cabelos da filha, calmamente.
— Eu tive um sonho horrível – comenta Malú se aconchegando em sua mãe. Ela deixa algumas lágrimas de alívio escorrem de seus belos olhos azuis — Eu sonhei... Sonhei... Que tinha partido... Para sempre
— Shhhh – diz Anna acalmando a filha. Ela passa o braço pelo ombro da filha e faz cafuné na cabeça de Malú, enquanto volta a cantar sua canção de Ninar preferida.
— Eu estarei sempre aqui... – sussurra Anna no ouvido da filha já adormecida.
***
— Eu moverei céus e terras se for preciso, mas a Malú não sairá de Belo Horizonte! Isso eu lhe garanto!
— Ela é minha filha e irá comigo para Curitiba.
— Só por cima do meu cadáver!
— Por favor, preciso que vocês falem baixo, se não terei de chamar a segurança. Não perturbem a paciente.
— Desculpa, mas esse homem nem deveria estar aqui.
— Quem não deveria estar aqui é você!
— Silêncio. Olhem, ela está acordando. Evitem qualquer discussão, irei chamar o médico.
Malú abre os olhos, tonta. Olha para o lado de sua cama e encontra Aline com o rosto vermelho, pelo visto ela está muito brava com alguma coisa. Do outro lado está Thiago a encarando, preocupado. Fecha os olhos lentamente, enquanto sente a boca seca. Então encara Aline, tenta perguntar, mas sua voz não sai. Não foi um sonho, pensa Malú olhando desesperada para Aline que segura sua mão.
— Acalme–se Malú – pede Aline, séria — O médico já está vindo e logo saberemos o que aconteceu.
— Duvido muito que os médicos daqui conseguirão uma resposta – resmunga Thiago, recebendo em troca um olhar fumegante de Aline.
— De qualquer forma, nós NÃO sairemos daqui, até termos um diagnóstico. – Comenta Aline, irritada.
— Bom dia – cumprimenta o médico entrando no quarto. Ele tem os cabelos grisalhos, demonstrando não ter mais que cinquenta anos, olha para a ficha em sua mão e pergunta — Maria Luísa Braga de Almeida?
Malú balança a cabeça confirmando.
— Sou médico Haroldo Benternianni, otorrinolaringologista do hospital e vim realizar os exames de rotina antes de encaminhá-la para os exames específicos que faremos a fim de descobrir o que a fez ficar afônica. A situação ainda é persistente?
— Sim – responde Aline prontamente.
O médico se aproxima de Maria Luísa, abre a boca da jovem para examinar, passa a mão pelo pescoço, próxima às amídalas e ao final acena a cabeça, contrariado.
— Aparentemente, não há secreções que indiquem uma inflamação ou alguma doença que possa causar esse tipo de sequela. – Ele encara Aline e depois Thiago e continua — Encaminharei a jovem para exames mais precisos e peço, por gentileza, que os dois me aguardem aqui enquanto realizamos os procedimentos necessários.
Malú encara Aline nervosa, ela não acredita que aquilo está acontecendo. Aline olha para Malú e segura em sua mão, apertando levemente, para animá-la.
— Tudo ficará bem – garante Aline, encorajando Malú — Vou esperar você voltar, prometo.
— Eu estarei aqui também... – diz Thiago, tentando chamar atenção de Malú. Mas ela nem ao menos vira o rosto em sua direção.
— Vamos, Maria Luísa? – pergunta o médico.
Malú acena com a cabeça e se levanta da cama acompanhando o médico. Reza para que aquele pesadelo termine.
***
Aline tomava seu café, quando Malú retornou para o quarto, acompanhada de uma enfermeira. A funcionária ajeita a jovem de cabelos pretos na cama e se vira para os dois dizendo:
— O médico pediu para informar que os resultados dos exames sairão amanhã e que poderão encontra-lo em seu consultório. A senhorita Maria Luísa ficará em observação até o parecer dos médicos que acompanharão seu caso. No mais, foi pedido que a paciente repousasse – informa a enfermeira
— Tudo bem, eu passarei a noite com ela – afirma Aline. Ela se levanta da cadeira e vai até Malú.
— Eu também... Eu posso ficar também essa noite – alega Thiago, se levantando apressadamente — Tenho certeza que ela vai precisar do meu apoio.
— Sinto informar, mas somente um poderá acompanhar. Normas do hospital. – Avisa a enfermeira.
— Tudo bem, eu fico – reforça Aline, encarando Thiago. Ela olha para Malú que está sorrindo para ela — Eu tenho certeza que é isso que a Malú deseja.
— O hospital permite que pessoas que não sejam parentes, a serem acompanhantes? – pergunta Thiago à enfermeira.
— Bom... Se os familiares derem a permissão, não há problema algum. – Responde a enfermeira.
— Escutou Aline? – provoca Thiago — Você precisa da minha permissão para ficar com a minha filha.
— Você não impediria isso, não é? – questiona Aline, não acreditando na provocação de Thiago — Eu tenho mais direito do que você de ficar com a Malú. Uns dezesseis anos a mais.
— Só que legalmente, eu tenho direito. E eu ficarei com ela. – Responde Thiago — Vá para casa.
— Eu não irei! – recusa Aline irritada. Ela olha para a enfermeira — Olhe moça, esse homem nunca viu a filha, o maior tempo que passou com ela foram essas últimas semanas. Eu vi essa menina crescer, não é possível que por conta de um papel idiota, ele possa ficar aqui e eu não.
— É a norma, senhora – responde a enfermeira.
— Norma? Ele nem sabe quantas vezes ela teve de ficar em um hospital. Quantas noites mal dormidas nós tivemos por conta da bronquite. Do esforço que tivemos de fazer quando ela machucou o pé. Eu passei por tudo isso e não vou deixar que você acompanhe a Malú.
— Pare de jogar na minha cara que eu não participei da vida da Malú. Eu fui impedido de conhecer a minha filha.
— Conta outra! Não venha se fazer de coitadinho, pois a mim, você não engana. Teve dezesseis anos para aparecer aqui e nunca veio. Nem sequer deu notícias...
Malú se levanta da cama, segura o braço de Aline e depois o de Thiago. Ela os conduz para fora de seu quarto e fecha a porta. Não aguenta mais escutar nada daquilo. Era doloroso demais ter de lembrar–se de todos aqueles anos. Ela deita na cama novamente e fecha os olhos.
♫ Dorme, dorme menininha
eu estou aqui... ♫
***
— Viu o que você fez? – grita Aline saindo do hospital — Por que você não volta para Curitiba, hein? Estamos melhores sem você! Nunca precisamos de você e mesmo que fosse o contrário, nunca iria aparecer.
— Vocês podiam ter me contado! – explode Thiago — Mas nem sequer deram notícias! Vocês a esconderam de mim
— Não fale do que não sabe! Ela tentou! Todos esses anos, ela quis falar com você, mas a sua mãe nunca permitiu. Ela passou a vida toda querendo falar com você. Agora você , noivou , está entrando para a política e esse tempo todo nunca tentou falar com ela. Nem ao menos quis saber como elas estavam.
— Você não entende... – começa Thiago nervoso — Eu não sabia...
— Não sabia que ela estava grávida? – questiona Aline, revoltada — Engraçado, porque ela me disse que você sabia e foi embora ver seu pai. Ou melhor, usou essa desculpa barata para fugir do compromisso.
— Eu sabia que ela estava grávida! – reage Thiago — Eu só não sabia que... Que a Malú estava viva e que a Anna ainda morava em Belo Horizonte.
— Olha só, eu não acredito em você – recusa Aline apontando o dedo para ele — Eu vi o dia em que sua mãe a mandou sair do seu apartamento, por ordem sua. Eu sei do dia em que vocês fizeram um acordo com a Anna. Nada do que me disser, valerá.
— Claro. Você é uma cabeça dura! – esbraveja Thiago — E sempre será! Mas o que importa agora é a Malú e o que eu farei como pai dela!
— Qualquer um pode ser pai dela, hoje. Ela tem dezesseis anos, pode andar com as próprias pernas, se virar... É fácil ser pai da Malú. – Ironiza Aline — Mas quando ela era bebê, quando as crianças eram más com ela por não ter um pai... Aí você não era... Nem quis saber. Você não formou o caráter dela, nós formamos. Ensinamos tudo para ela, sem você. Sua atitude é de um menino mimado que não sabe escutar um não. Você quer a Malú só para provar aos outros o quanto é um cara generoso, para usar a imagem dela na sua campanha. A sua máscara de bom moço caiu há muitos anos, Thiago.
Aline gira o corpo e começa a caminhar em direção ao ponto de táxi, quando o Thiago comenta:
— Mas a máscara de bom moço do Ícaro ainda não caiu, pelo visto.
— O Ícaro não está aqui para se defender das suas acusações – reage Aline, sem se virar.
— Por que será que ele não está aqui? – questiona Thiago caminhando em direção a Aline — Onde estará o bom samaritano?
— Onde está querendo chegar? – pergunta Aline, se virando — Agora vai culpar o Ícaro por ter nos ajudado, enquanto você estava curtindo a vida?
— Ele não é tudo isso que você pensa, eu te garanto – alega Thiago.
— Nada que venha da sua boca a respeito do Ícaro, mudará a minha opinião sobre ele. – Retruca Aline, encarando Thiago.
— Tem certeza? – provoca Thiago.
— Você não o conhece – responde Aline — Você não sabe nada sobre ele.
— Eu o conheço melhor do que você possa imaginar. – Responde Thiago, enigmático.
— Você o contratou para nos vigiar? – questiona Aline chocada. Apesar de não querer acreditar, sabe que isso explicaria muita coisa. Sente uma raiva surgir dentro de si.— Foi isso né? Esse é o seu laço com o Ícaro, não é mesmo?
— Não – responde Thiago — Nossos laços não são profissionais. E o que depender de mim, agora não existe mais nenhum laço.
— Não estou entendendo... – comenta Aline, confusa.
— O Ícaro é meu irmão – revela Thiago.