Capítulo 3
Curitiba, julho de 1998.
O juiz Alexandre de Almeida está terminando sua inalação, quando Thiago entra em seu quarto. Ele encara seu filho, sem demonstrar qualquer gesto de carinho, pede para que ele se aproxime.
— Olá, meu pai – cumprimenta Thiago, preocupado, segurando no braço de seu pai — Como o senhor está se sentindo?
— Como acha que eu estou me sentindo? – retruca Alexandre irritado — Eu estou morrendo, o que mais gostaria que eu sentisse?
— Desculpe–me – pede Thiago constrangido. Havia se esquecido do jeito estúpido que o pai agia quando lhe faziam uma pergunta que ele considera sem sentido — Eu vim o mais rápido que pude.
— Tudo bem – responde o pai sem se importar com o que Thiago lhe disse. Ele olha para a enfermeira e ordena — Saia, eu preciso falar com meu filho a sós.
Alexandre encara seu filho, há algo de diferente nele. Ele se ajeita melhor na cama, com muito esforço, sendo ajudado por Thiago.
— Eu faço isso sozinho! – esbraveja Alexandre irritado – EU não estou gaga, sei fazer isso sozinho... Cof!Cof!Cof!Cof!Cof!Cof!Cof!Cof!
— Acalme–se, pai – pede Thiago preocupado — Assim acabará pior do que já está.
— É meu filho, isso – começa Alexandre mostrando a gosma verde no lenço — Isso é o resultado da vida que tive...
— Sinto muito...
— Não sinta... Isso mostra que eu vivi o suficiente. Sabe, eu vivi agarrado aos quatro vícios mais prazerosos e mais letais que um homem pode ter: bebida, cigarro, jogos e mulheres. O que me deu mais problema foi...
— Nota–se que foi o cigarro – interrompe Thiago, lembrando o diagnóstico do pai: DPOC avançada.
— Deixe de ser tolo – retruca Alexandre — Mulher foi o meu maior problema... E o meu maior prazer.
— Você está falando...? – questiona Thiago sem entender.
— Estou falando do Ícaro, ou você ainda acredita que ele é adotado? – pergunta Alexandre irritado. Ele olha para o filho que mostra no rosto a surpresa da revelação — Bom, eu me envolvia com uma mulher... Já casado com sua mãe... Ela bateu em nossa porta com o Ícaro nos braços e se foi como surgiu... Sua mãe... Uma santa... Jamais pensei que ela fosse capaz de tanto por mim... Decidiu que o tomaria como se fosse nosso... e o resto é o que vivemos até hoje. Eu sei que magoei sua mãe, mas esse vício que é mulher nos deixa cego... Esse foi o meu mal e ele é jogado em minha cara todos os anos.
— Bom, eu prometo não cometer esses vícios, se é o que o senhor deseja... – começa a falar Thiago, sendo interrompido pelo pai.
— Não todos, só não se deixe levar por uma mulher. Não estrague sua vida pelas mulheres da rua...
— Bom... Isso não vai mesmo acontecer... Eu tenho uma coisa para contar – garante Thiago sorridente — Eu estou gostando de uma pessoa.
— Eu sei a filha dos Financhielli, Graziela. Vai dizer que decidiram finalmente casar? – pergunta o pai sério.
— Não, pai. Eu e a Grazi terminamos no Natal – responde Thiago constrangido. — É outra garota... Ela é incrível, o senhor gostará dela.
— De qual família ela é? – pergunta Alexandre.
— Ela não tem família... Nem posses, mas ela é especial – garante Thiago confiante.
— Então está na hora de você voltar – intervém Alexandre sério — Peça a transferência da universidade para a daqui e chega dessa brincadeira de ser independente. Eu preciso de você aqui , bem como sua mãe , os negócios da família. Depois me agradeça por estar livrando você de um golpe.
— Eu não posso voltar pai. Do que está falando? – pergunta Thiago transtornado — EU preciso terminar a faculdade. E, outra, ela não está interessada em dinheiro... Ela me ama. Sem contar que o Ícaro está bem mais preparado do que eu para assumir.
— Um bastardo não assumirá a minha empresa! – grita Alexandre — Ele fará outras coisas. E você não ama essa garota, é só um brinquedo novo. Daqui a pouco você cansa.
— Eu não sou assim... – Rebate Thiago.
— O mesmo sangue que corre em suas veias, corre nas minhas, meu rapaz –comenta Alexandre com um olhar malicioso — Você pode ser a cara de sua mãe, mas é igual a mim e sei que no final você cansará dessa garota e logo estará com outra.
— Eu não sou igual a você. Tanto que irei me casar com ela – revela Thiago.
— O assunto está encerrado, Thiago. Você não voltará para aquela cidade e nunca mais verá aquela garota – ordena Alexandre, sem olhar para o filho — Agora vá.
— O senhor não entende... Eu não posso abandoná-la – diz Thiago — Ela... Eu... Nós estamos...
— Thiago, meu filho – interrompe Maria Luísa entrando no quarto. Ela o abraça impedindo de continuar a falar com o pai — Que bom que chegou. Venha, deixe seu pai descansar.
— Agora não, mamãe. – Recusa Thiago a afastando. Ele encara seu pai irritado — Tenho que terminar de falar com o papai.
— O assunto foi encerrado há muito tempo – resmunga Alexandre — Se você não quer agir por bem, eu farei as coisas por mal. Saia do meu quarto.
— Venha querido – chama Maria Luísa com um sorriso forçado nos lábios. Ela segura no braço do filho, o conduzindo para fora do quarto — Conte–me, como está Belo Horizonte?
***
— Eu não acredito que ele não quis me escutar – comenta Thiago revoltado, sentando no sofá.
— Seu pai não está escutando ninguém nesses últimos dias – explica Maria Luísa servindo uma bebida ao filho. Ela senta ao lado de Thiago e continua — Então, me diga quem é essa jovem por quem você se apaixonou tão rápido?
— Anna... – suspira Thiago — Ela é incrível, mãe. Eu queria muito que ela viesse comigo, mas... Ela não arriscar.
— Ficou com medo de conhecer o seu pai? – pergunta Maria Luísa, curiosa. — Acho que ela menos corajosa do que a Graziela.
— Não foi por isso – nega Thiago nervoso. Ele passa as mãos na calça antes de segurar nas da sua mãe — Eu sei que deveria ter contado isso antes, mas eu quis falar pessoalmente.
— O que foi? – pergunta Maria Luísa, séria — Aconteceu algo?
— Mãe, eu vou ter um filho – confessa Thiago observando o olhar chocado de sua mãe.
— Oh... Meu... Deus... – exclama Maria Luísa se levantando. Ela vai até a janela, respira fundo e se vira para o filho com um sorriso nervoso — Tem certeza?
— Ela está de três meses agora – revela Thiago — Eu sei que foi rápido, mas é para valer. Eu a amo.
— Contou isso para seu pai? – pergunta Maria Luísa, nervosa. — O que ele disse?
— A senhora me interrompeu e ele não quis me ouvir – responde Thiago chateado — Mãe, preciso da sua ajuda. Eu não posso ficar muito tempo e quero deixar tudo resolvido o mais rápido possível.
— Mas seu pai precisa de você, todos nós precisamos de você aqui... Em Curitiba.
— Eu sei – concorda Thiago se levantando. Ele toca nos ombros da mãe e responde — Eu pretendo ficar apenas dois meses e depois volto para lá... E no fim do ano eu trago a Anna... E o bebê.
— Você está realmente decidido a levar essa relação para o altar? – pergunta Maria Luísa.
— Sem dúvida. Só que com essa história do papai, acabou atrasando um pouco. Mas nós pretendemos casar. Espero que a senhora nos apoie.
— Bom... – começa a mulher de vestido verde musgo servindo outra bebida, agora para si. Ela vira em um gole e pigarreia — Claro que irei apoiá-lo... Sempre. Só acho que não deve contar ao seu pai agora. Espere ele melhorar um pouco, tudo bem?
— Tudo bem. –Concorda Thiago — Eu também acho que não o ajuda falando a respeito.
— Só quero que saiba que estou do seu lado – comenta Maria Luísa — Estou feliz por saber que meu filho está crescendo... E formando uma família. Espero conhecê-la o quanto antes.
— A senhora irá amar a Anna. – Garante Thiago.
— Eu não tenho a menor dúvida. – Afirma Maria Luísa com um leve sorriso nos lábios.
***
Curitiba, setembro de 1998.
Thiago desliga o telefone da sala. Já não tinha mais noção de quantas vezes ligações realizou... Não tinha mais notícias de Anna desde o começo do mês. Sente que há algo errado e que está na hora de voltar.
— Thiago? – chama Maria Luísa entrando na sala — Está tudo bem, meu filho?
— O telefone do meu apartamento não está funcionando... – responde Thiago preocupado — Eu preciso voltar e saber se Anna está bem.
— Mas você falou com ela esses dias – recorda Maria — Tenho certeza que ela está bem. Gravidez não é doença, ao contrário do que o seu pai tem.
— Eu sei mãe. Mas eu quero acompanhar a gravidez da Anna – explica Thiago — Eu vou falar a respeito da gravidez com o pai hoje e sei que ele entenderá.
— Por que fará uma coisa dessas? Quer ver seu pai piorar?– questiona Maria preocupada.
— Claro que não, mas ela precisa de mim. – Argumenta Thiago.
— E nós também. Seu pai pode morrer a qualquer momento. – Alega Maria Luísa apontando para a porta.
— Estamos nessa desde que eu cheguei. Ele já está bem melhor – argumenta Thiago — Eu realmente preciso saber como a Anna está.
— Eu irei – solta Maria Luísa — Eu irei à Belo Horizonte.
— Vai fazer o que lá, mãe? – pergunta Thiago confuso.
— Vou buscar a sua... Sua... Sua... – gagueja a mãe.
— Anna? – pergunta Thiago arqueando a sobrancelha.
— Isso, eu a trarei para ficar perto Da. Nossa família – explica Maria Luísa apertando os dedos.
— Não precisa fazer isso, mãe. Eu vou e fica tudo certo. – Responde Thiago segurando nos ombros de sua mãe.
— Claro que preciso... Ela é nossa família também. – Conclui Maria Luísa.
— Mas ela não vai querer... Ela não vai querer incomodar.
— Eu sei como convencê-la, afinal eu também sou mulher e mãe. Agora, somente se preocupe com a transferência da faculdade que em breve todos nós estaremos reunidos. – Divaga Maria Luísa
— A senhora não tem ideia do quanto eu fico feliz em ouvir isso. – Comenta Thiago abraçando a mãe.
— Só peço que enquanto eu estiver fora, não conte a seu pai sobre isso. – Pede Maria Luísa segurando o rosto de seu filho — Espere a gente chegar e todos nós daremos a notícia, está bem?
— A senhora é a melhor, mamãe – elogia Thiago sorridente.
— O que nós não fazemos pelos nossos filhos. – Comenta Maria Luísa abraçando Thiago. — Quando tiver o seu, entenderá o que eu digo.
***
Uma semana depois...
— Eu sinto muito, querido – pede Maria Luísa passando a mão nos belos cabelos pretos de seu filho. — Quem poderia imaginar que ela havia perdido o bebê e fugiria com medo de você descobrir? Vai saber se ela realmente estava grávida...
— A Anna não é assim! – grita Thiago levantando da cama — Ela com certeza tem uma boa explicação para tudo isso. EU preciso ir para lá...
— Mas ela não está lá. – Retruca Maria Luísa, socando o colchão — Fiz questão de procurar e nenhum vizinho sabe do paradeiro dela. Se quiser, posso colocar um detetive atrás dela, mas não vai mudar o fato de que ela fugiu de você. A vida sempre nos ensina algo e dessa vez lhe ensinou que nem todos são bonzinhos, de bom caráter, boa índole como gostaríamos que fossem. Eu sei que a ama, mas ela não retribuiu esse amor.
— A senhora não conhece a Anna – rebate Thiago enquanto abre o guarda roupa. Ele começa a jogar as roupas na cama deliberadamente — Eu sei que ela está precisando de mim. Ela deve estar sofrendo.
— O que está fazendo? – pergunta Maria Luísa, observando o Thiago arrumar suas roupas — Não acredita em mim?
— Acredito mãe. –Responde Thiago fechando a mala — Mas eu preciso encontrar a Anna. Ela é a minha vida e está precisando de mim mais que qualquer pessoa.
— Com licença – diz a enfermeira batendo na porta — O senhor Alexandre... Acaba de falecer.
Thiago corre em direção a sua mãe que desmaia na cama.
***
Curitiba, novembro de 1998.
Thiago fecha calmamente a porta do quarto de sua mãe. Ela foi a mais afetada com a morte de Alexandre, obrigando–o a se manter constantemente ao seu lado. Porém, sente que deve ir atrás de Anna. Ele começa a andar pelo corredor pensativo quando vê a imagem de um homem de cabelos acobreados e vestindo terno preto no final do corredor. Thiago para por um instante e então reconhece a figura: Seu irmão, Ícaro.
Após a morte do pai, Ícaro decidiu viajar em busca de novos sócios para ampliar a empresa de advocacia da família. Também era uma forma dele espairecer e fugir da dor que estava em seu peito, pois agora só tinha Thiago a seu lado, já que não gostava de Maria Luísa, algo mútuo.
— Meu irmão – fala Thiago abraçando Ícaro — Como está?
— Bem... Um pouco cansado – responde Ícaro sorrindo — Precisamos conversar.
— Vamos para sala – comenta Thiago sussurrando — Não quero acordar mamãe. Foi difícil fazê-la dormir.
***
— Eu tentei encontrar novos sócios, mas quando escutam o meu nome, eles se recusam – conta Ícaro olhando pela janela — Com a morte dele... É como se eu tivesse virado um ninguém.
— Não se preocupe – pede Thiago bebendo uísque — Depois que você se tomar o cargo do papai, eles te respeitarão.
— Eu duvido – responde Ícaro — Escutei rumores de que eles te indicarão ao cargo...
— Não pretendo tomar seu lugar – garante Thiago — A única coisa que eu desejo é a Anna.
— A garota mineira... – recorda Ícaro tomando mais um gole de uísque — Como fará para localizá-la?
— Não sei... A mamãe nesse estado não tem contribuído muito. –Responde Thiago com a mão no rosto — Só que cada vez que penso nisso, sinto que estou a perdendo. Ela deve estar com raiva de mim.
— Bom, eu posso ir atrás dela por você – comenta Ícaro, olhando para Thiago — Enquanto isso quero que convença– os de que sou o melhor para a empresa. De acordo? – propõe Ícaro estendendo a mão para o irmão.
— De acordo – concorda Thiago sorrindo, enquanto aperta a mão do irmão — Ela só não sabe seu nome... Eu sempre disse seu apelido.
— Isso me dá até uma vantagem. – Comenta Ícaro — Assim poderei comprovar se a história que a Maria Luísa contou é verdade ou não.
— A minha mãe não mentiria sobre uma coisa dessas – defende Thiago.
— E eu não consigo acreditar nela – retruca Ícaro — Estamos empatados. De qualquer forma, só descobriremos quando eu voltar. Pode ter certeza que Minas Gerais será vasculhada atrás dessa Anna. Eu só preciso de uma foto e seus problemas serão resolvidos.
— Obrigado, irmão. Não sei o que faria sem você. –agradece Thiago, emocionado.
— Só faça a sua parte que a minha já estará feita – responde Ícaro.
— Por onde pretende começar? – pergunta Thiago.
— Pelo seu prédio. Alguém deve ter visto sua namorada sair de lá.
***
Curitiba, 26 de dezembro de 1998.
Maria Luísa serve sua quinta taça de gim, quando Ícaro entra na sala abruptamente. Seu rosto revela o que a mulher mais temia: Ele sabe a verdade sobre Anna e o bebê. Ele a encara com os olhos em fúria.
— Onde está o Thiago? – pergunta Ícaro irritado.
— Por que você quer saber? – responde Maria Luísa com uma pergunta.
— Você sabe – responde Ícaro entre os dentes — Sua neta nasceu dia 24 de dezembro... Elas moram há três quadras do prédio de onde você as expulsou.
— Quer dizer que passou o natal lá em Belo Horizonte? – pergunta Maria Luísa bebendo um gole de sua bebida ignorando a revelação de seu enteado. — Interessante.
— Por que mentiu para ele? – pergunta Ícaro irritado – Eu sabia que você era má, mas não a esse ponto.
— Os meus motivos só cabem a mim– responde Maria Luísa, séria — O que pretende fazer? Contar ao seu irmão que eu menti a respeito das duas?
— Basicamente isso – responde Ícaro — Onde ele está?
— Ele já deve estar voltando– responde Maria Luísa sentando no sofá — Hoje foi um dia muito importante... Na empresa.
— DO que está falando, Maria? – pergunta Ícaro, cruzando os braços.
— Enquanto você desenterrava o passado do seu irmão... Ele estava sendo indicado ao cargo do Alexandre. E hoje ele foi nomeado. Pelo visto, as pessoas gostam do que é legítimo ao que é duvidoso. – Alfineta Maria saboreando seu gim.
— Eu não acredito em você... Meu irmão jamais me trairia dessa forma – retruca Ícaro, incrédulo — Ele não é como você.
— Então vamos esperar ele chegar à casa e descobrir. Você irá se surpreender – comenta Maria, triunfante.
— Mãe, cheguei – avisa Thiago vindo pelo corredor. Assim que ele chega à sala é surpreendido por Ícaro encarando Maria Luísa — Ícaro? Que bom que você chegou!
— Parabéns meu filho pela nomeação – parabeniza Maria abraçando seu filho — Estou orgulhosa de você.
— Obrigado, mãe – retribui Thiago sem graça diante de Ícaro.
— Então você foi nomeado? – pergunta Ícaro — E aceitou...
— Sim... Olhe, eles me pressionaram... Não tive escolha... –esclarece Thiago — Conseguiu encontrar a Anna?
— Não – mente Ícaro friamente. Ele olha para Maria que sorri — A Maria Luísa estava certa, mais uma vez.
— Puxa... Eu tinha esperança... – começa Thiago, desolado.
— Esqueça – interrompe Ícaro, áspero — Até breve.
— Não vai ficar? – pergunta Thiago confuso.
— Não há nada que me prenda aqui. – Responde Ícaro se retirando.
Thiago vai atrás de seu irmão e o encontra já próximo a seu carro.
— Olha... Eu sei que você queria muito o cargo , mas eles pressionaram , ameaçaram... – defende–se Thiago, nervoso.
— Thiago... Eu não estou interessado em saber. Pelo visto, as pessoas gostam do que é legítimo ao que é duvidoso. – Comenta Ícaro recordando as palavras de Maria.
Ele sai com seu carro sem dar a Thiago a chance de uma explicação. Seu irmão ficou com a empresa e agora Ícaro ficaria com sua família.
***
Dezesseis anos depois...
Maria Luísa se arrumava no quarto, quando alguém bateu a sua porta. Ela pega sua bolsa preta que combina com seu vestido da mesma cor e a abre, se deparando com Ícaro.
— O que está fazendo aqui? – pergunta Maria arqueando as sobrancelhas.
— Você ainda não contou para o Thiago sobre a Anna. – Responde Ícaro entrando no quarto — Já tem um ano que lhe contei que ela está com câncer e você nem sequer teve o bom senso de falar com ele.
— Eu ia contar, mas ele decidiu concorrer às eleições, não quis preocupa-lo com isso – alega fechando a porta.
— Isso é uma vida. Anna está morrendo... Ponha a mão na consciência – grita Ícaro nervoso — A Malú ficará sozinha.
— Se ela morrer, nós daremos tudo o que a menina precisar – responde Maria tranquilamente.
— Ela precisa de uma família! – grita Ícaro. Ele encosta o braço na parede — Droga... Ela precisa de alguém por ela... Da família que lhe foi negada.
— E quem foi que negou isso a ela? – questiona Maria fingindo tentar se lembrar de colocando o dedo nos lábios. Então ela sorri encarando Ícaro — Foi você.
— Eu? – exclama Ícaro, surpreso.
— Sim, você poderia ter contado a ele e não o fez. Nunca o fez e agora quer que eu conte para ele, pois ficou com peso na consciência. Por mim esse assunto... Não precisa ser revelado. – Comenta Maria.
— Por mim, sim – retruca Ícaro.
— Então vai lá, conte para ele – sugere Maria Luísa abrindo a porta —Conte que escondeu a família dele por não ter conseguido o cargo de seu pai, por ser tão mesquinho.
— Não vou cair mais nessa. Estou cansado das suas chantagens – rebate Ícaro passando pela porta — Isso é maior do que nós dois. Não me importa se ele irá me perdoar...
— Depois que contar, não há volta – ameaça Maria Luísa, segurando o braço de Ícaro. — Ele não irá te perdoar.
— Nem eu mesmo me daria perdão pelo que fiz – retruca Ícaro puxando seu braço, para surpresa de Maria.
***
Thiago se despedia da família de sua noiva, Graziela, quando Ícaro aparece nervoso, andando de um lado para o outro.
— Está tudo bem, irmão? – pergunta Thiago tocando no ombro de Ícaro.
— Anna está morrendo – revela Ícaro, desesperado — Ela está com câncer, internada no hospital em Belo Horizonte... E morrendo.
— Que história é essa? Do que está falando? – pergunta Thiago confuso — Anna está morrendo...? Como sabe disso? Você a encontrou? Quando... Quando a encontrou?
— Desculpe–me... Eu quis te contar, mas eu não tive coragem... – responde Ícaro, nervoso.
— Quando você a encontrou? – pergunta Thiago estreitando os olhos.
— Eu a encontrei há dezesseis anos. – Revela Ícaro exasperado. Ele sorri nervoso e continua falando rapidamente — Ela teve uma linda menina chamada Maria Luísa, nós a chamamos de Malú. Ela tem os cabelos escuros como à noite e os olhos mais azuis do que qualquer céu que nós já tenhamos visto. Ela é dura na queda, esperta e decidida. E a Anna... Nossa... A Anna é uma mãe maravilhosa. Tem a Aline, uma mulher incrível que acolheu às duas quando... Quando... Sua mãe a tocou de casa e eu sou perdidamente apaixonado por ela. Pela Aline e não pela Anna. Anna é incrível, mas o coração dela sempre foi seu. Assim como eu entreguei o meu para a Aline.
— Por que está me contando tudo isso? Como você sabe tudo isso? Você conviveu com elas? Você está me contando que conviveu com a minha família por dezesseis anos?– pergunta Thiago com a cabeça baixa. Ele encara Ícaro que está chorando, se aproxima dele e em um acesso de raiva desfere um soco no queixo de Ícaro, o fazendo cair no chão — Você escondeu a minha família de mim! Como pôde fazer isso comigo?
— Eu sinto muito, cara – pede Ícaro erguendo as mãos ainda no chão – Você não me deu escolha.
— Do que está falando? Que escolha? O que eu fiz para você? – pergunta Thiago confuso
— Você tirou a empresa de mim! – grita Ícaro se levantando — A única coisa que eu poderia ter do nosso pai... Eu queria que você sentisse exatamente a mesma coisa que eu senti. Mas foi antes de eu entrar na vida delas. Esses anos todos me senti um lixo pelo o que eu fiz.
— Você destruiu a minha vida por uma empresa?! – grita Thiago, transtornado. Sem pensar ele começa a bater em seu irmão que não reage as suas investidas — Eu odeio você! Odeio você!
— Pare! – ordena Maria Luísa segurando o braço do filho — Não faça isso.
— Solte–me! – grita Thiago empurrando a mãe no sofá. Ele aponta o dedo para sua mãe, irado – Você presta menos do que ele. Seus lixos! Odeio vocês dois!
Thiago caminha a passos largos em direção ao seu quarto sendo seguido por Maria Luísa. Ela corre um pouco mais, parando em frente ao filho com ar de desespero:
— Aonde vai? O que pensa que está fazendo? – pergunta Maria, desesperada.
— Eu vou atrás do pouco que resta da minha família – responde Thiago empurrando a sua mãe antes de entrar no quarto.
***
Hoje
— Depois disso, comprei uma passagem e vim para cá. – Continua Thiago encarando o vazio da rua — Mas era tarde demais para resgatar tudo o que me tiraram. Só me resta Malú e farei de tudo para tê-la comigo.
— Se você pensa que essa sua história irá me comover a ponto de deixar que fique com a Malú... Tenho uma péssima notícia para você: Isso não vai acontecer. – Comenta Aline secando seu rosto. Ela o encara, enojada — Isso tudo só me fez perceber o quanto vocês não prestam e quanto farão mal a minha Malú.
— Está declarando guerra? – pergunta Thiago se aproximando de Aline — Pois eu não estou nem aí para quem eu tiver de destruir para ter a minha filha de volta.
— Estou declarando guerra – admite Aline — Porque eu não estou nem aí se acha que tem o direito de ficar com ela.
— Então é guerra – afirma Thiago voltando para o hospital.
Aline respira fundo enquanto deixa suas lágrimas caírem por seu rosto. Tenta processar mais uma vez tudo o que Thiago falou a respeito de Ícaro e só chega a uma conclusão: Precisa tirar a Malú das garras da família Almeida.