Chapter 2
Por causa do final da gravidez e as idas no banheiro durante a noite, meu sono havia se tornado leve de uma certa maneira. Não muito leve, mais leve ao ponto de ouvir barulhos exteriores.
Sabia que já havia amanhecido, por causa dos barulhos de carros e motos na rua, e até conversas entre vizinhas.
Mesmo assim, a vontade de permanecer na cama era gritante, junto com o fato de que só conseguia realmente dormir, depois que o dia amanhecer.
É só quando abro meus olhos, que noto a ausência de Rubinho na cama.
Erguendo um pouco a cabeça, olho para o banheiro, que estava com a porta aberta e em seu interior, não havia ninguém.
Levanto, deixando o quarto com poucos passos. Ele não estava nem na cozinha, muito menos na sala e nem do lado de fora, aonde meu carro deveria estar.
Por alguns instantes, fico parada, absorvendo o fato dele ter saído sem ao menos me avisar e ainda levado meu carro.
Ele havia ido simplesmente até a esquina comprar pão ou ido embora?. A pergunta me atinge em cheio, fazendo com que me sentasse ao sentir minhas pernas vacilarem.
Passados dez minutos, comecei a pensar que ele havia ido em outro lugar além da padaria. Depois de meia hora, tive a certeza que ele não estava mais na Rocinha e constatei que a padaria não era muito longe.
Me forçando a me manter calma, vou para o banheiro.
Só que nem as cinco pressão da água, ajudou a acalmar meus pensamentos. Acredito que até a ajudou, a me dar um certo encaminhamento do que poderia estar acontecendo.
Rubinho estava livre do seu cativeiro, não estava mais sob o poder de Antônia. Podia ir e vir agora livremente e, sendo o Rubinho, achava que não tinha que me dar satisfação de onde ia ou não.
Só que o fato dele estar com meu carro e de ter ajudado ele a fugir, o fazia ter uma dívida comigo. E só havia uma forma dele me pagar: me ajudando a encontrar o Gael.
Depois de tomar banho e com uma caneca de chá de camomila, decido sair de casa, olhando com atenção os rastro dos pneus no chão.
Pelos rastros, dava para perceber que ele havia dado ré e ido até o final da rua de ré, só manobrando lá na frente.
- Oi, vizinha, bom dia! - diz a uma mulher que morava na casa em frente, acenando com uma mão, enquanto segurava a vassoura com a outra - Vi quando ele saiu. Era umas 5 e pouca da manhã, meu marido tava saindo pra trabalhar.
Forço um sorriso.
- Ah. Obrigada.
- Tá de quantos meses? Quase nunca vejo você do lado de fora, devia sair mais, sentar um pouco aqui fora - Olho ao redor, não vendo nenhuma vontade de sentar ali, já que estava longe de ser um lugar para se apreciar.
- Quando eu tiver um tempo.
Ela assenti sorrindo, mostrando todos os dentes amarelados.
Antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa ou quisesse até mesmo saber o sexo do bebê que carregava, decido voltar para dentro de casa, me arrependendo de ter saído.
Depois da informação útil da vizinha que tudo notava, calculei que fazia mais de três horas que Rubinho havia saído e tive raiva pelo fato daquele carro, não ter rastreador, caso contrário, encontraria ele em poucos minutos.
Mesmo com diversos canais disponíveis na televisão, não consegui me concentrar em nenhum.
Foi então que fui arrebatada por um desejo de grávida e tive que ir para a cozinha. Aonde precisei elaborar um macarrão quatro queijos.
Pouco depois das cinco da tarde, enquanto fingia prestar atenção na televisão, a música alta ao longe com tiros, atraíram minha atenção.
Curiosa deixo o sofá acolchoado de três lugares, hesitando antes de abrir a porta.
Na rua não havia muitas pessoas, mas as que tinha, comentava sobre alguma coisa.
Receosa vou até aonde deveria ser a calçada e olho para o grupo formado por quatro mulheres.
A vizinha da frente é a primeira que me nota, sorrindo saudosamente como se já me conhecesse há algum tempo.
- Essa barulheira acordou você, não foi? - Como se o fato dela começar o dia tagarelando com as amigas dela, não me incomodasse logo cedo.
- O que está acontecendo?
- Não ficou sabendo não? - Nego automáticamente com a cabeça - O Nem tá de volta. Foi solto faz dois dias.
Talvez saberia daquele fato, se não estivesse ocupada demais em encontrar Rubinho vivo ou morto.
- Entendi - murmuro.
- Devia ir no fluxo. Aproveitar antes que o bebê nasça.
Passo a mão pela minha barriga, mantendo o sorriso forçado no rosto.
- Não quero parir no meio de uma festa.
- Pari nada - diz sorrindo - Quando tava grávida, fui em todas as festas. Comecei a sentir dor em uma e mesmo assim, aguentei até o final da festa - Não conseguia me imaginar sentindo dor, sabendo que minha filha nasceria e permanecendo em uma festa.
Assinto devagar, ainda com o sorriso artificial.
- Vou... - Aponto para casa.
- Vai lá. Quando quiser conversar, só me chamar.
Dentro de casa, paro em frente a Tv sem acreditar que Marco estava solto.
Eu sabia que uma hora ou outra, teria que contar para ele que era a irmã dele. Só não sabia como contaria isso a ele e nem se ficaria ao meu lado na busca da vingança que queria.
Ainda sem acreditar, decido que precisava ver com meus próprios olhos.
Então mesmo sabendo que teria que andar alguns quarteirões, uso a música como bússola.
A medida que me aproximava da festa, pessoas surgiam de todos os lados, amontoando-se por fim na praça local, que ficava praticamente no meio da favela.
Lá havia dois paredões, além de muita droga circulando e soldados armados.
Caminho entre as pessoas cautelosas, temendo a qualquer momento que alguém esbarrasse na minha barriga. Mantendo minha cabeça baixa, evito olhar nos olhos das pessoas, mesmo sabendo que uma mulher grávida chamava atenção onde fosse.
Em um determinado ponto, paro, quando noto Marco a poucos metros de mim, ao redor de várias pessoas e principalmente soldados.
Ele bebia e fumava, completamente distraído com o que acontecia ao seu redor.
Fiquei o observando pelo o que pareceu ser longos minutos. Sem saber se aquele era o momento certo ou não de jogar a bomba no colo dele.
Olhando novamente ao redor, constatei que aquele não era o momento e que antes de qualquer coisa, precisava saber se ele estava ou não do lado de Gael ainda.
Começando a caminhar para longe dali, preciso passar por várias pessoas até conseguir enxergar a rua que havia vindo. Acabo por dar um forte esbarrão numa pessoa que vinha na direção contrária, o que faz com que eu dê alguns passos para trás quando o choque dos dois corpos, atinge em cheio minha barriga.
- Mais que droga! - grito com raiva, com as duas mãos na barriga - Não olha para onde olha não?!
O homem na minha frente inicialmente fica em silêncio, até que sua voz soa por cima da música alta.
- Você tá numa festa. É normal.
Olho para ele indignada.
- Não notou que estou grávida?!
- Se tá aqui é por que sabe dos riscos.
- Vai se fuder! - digo passando por ele, me arrependendo pela segunda vez, só naquele dia, por ter saído de casa.
Ainda não havia entrado na minha cabeça que não estava na zona sul, onde as pessoas eram civilizadas e fingiam se importar com os próximos.
De certa forma, mesmo sabendo que meus pais verdadeiros eram dali e que se minha mãe não tivesse me dado como um objeto, tinha crescido ali. Não queria admitir que aquela realidade fazia parte da minha vida, muito menos queria que fizesse parte da vida da minha filha.
Merecíamos mais do que aquilo e iria conseguir, após nos vermos livres de uma vez por todas de Gael.
