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Chapter 1

Depois da ligação de Bianca, o silêncio se instalou no carro.

O único som audível era do motor do carro acelerando.

No banco do carona, Rubinho olhava pela janela, o olhar distante, de uma forma até pensativa.

Aparentemente, estava diferente, fisicamente. Estava mais magro, chegando a ter a pele amarelada devido a falta de sol.

Ao notar que estava olhando para ele, me olha, esboçando um leve sorriso, antes de voltar a olhar para a escuridão do lado de fora do carro.

Quando entramos na Rocinha, Rubinho demora alguns instantes para perceber onde estávamos.

- Onde a gente tá? - pergunta com o cenho franzido, com os olhos fixos na estrada.

- Rocinha.

Ele me olha confuso.

- Pra quê?

- Eu moro aqui agora - digo dando de ombros, continuando a acelerar, agora numa estrada de terra.

Segundos depois, estaciono o carro do lado do barraco, descendo do carro com a dificuldade habitual de sempre, devido ao peso da barriga e o tamanho que já estava.

Quando finalmente saio do carro, Rubinho já estava do lado de fora, olhando para a escuridão ao redor.

- Não me diga que tá morando nessa barraco? - pergunta sério.

- Precisava de um lugar seguro, onde ninguém fosse me achar.

- Aí tinha que ser aqui? - questiona - Sai de um barraco pra entrar em outro - Inspirando, caminho até a porta de ferro, destrancando.

Até podia ser um barraco do lado de fora, mas por dentro era meu palácio e tinha tudo que eu precisava ali dentro.

- Só tem do bom e do melhor aqui - Rubinho comenta, olhando tudo com atenção.

- Cresci no conforto, no bom e do melhor, minha filha também tinha que ter as mesmas coisas que eu - digo sem olhar para ele, indo até a cozinha que, fazia divisa com a sala.

Rubinho continua andando pelos cômodos, até que para na minha frente.

- Tem roupa aí?

Assinto, terminando de beber água.

No único quarto da “casa”, abro o guarda-roupa, tirando de lá toalha limpa, camiseta e uma bermuda, entregando para Rubinho, que não hesita em ir para o banheiro.

A água do chuveiro não demora a cair e com isso, aos poucos, me dou conta do que havia conseguido fazer.

Havia tirado Rubinho do Complexo do Alemão sem ninguém perceber e matado uma pessoa no processo.

Era a segunda pessoa que matava, mesmo assim, esperava que não sentiria aquele remorso dentro de mim.

Uma vez ou outra, em meio a uma conversa entre amigos, sempre ouvia aquele comentário que o difícil era matar a primeira pessoa, que dali em diante se fosse para matar outra pessoa, seria mais fácil.

Mas com certeza, aquele comentário não estava certo. Havia sido “fácil”, entre partes, por ter agido no calor do momento e por acreditar que ele me machucaria, mas depois de ver respingos de sangue na minha roupa e na minha pele, sentia como se fosse a pior pessoa do mundo.

Distraída com o sangue em meu corpo, não percebo quando Rubinho termina de tomar banho e sai do banheiro, parando ali na minha frente, usando a toalha para secar a cabeça.

- Tem o que pra comer? - Ele pergunta de repente. Pisco algumas vezes, olhando para ele.

- Não sei... - Passo uma das mãos no rosto, soltando o ar dos pulmões.

- Como tu não sabe? Não mora aqui?

Levanto, sustentando o olhar dele.

- Eu moro, Rubinho. Só que nestes últimos dias, estava ocupada demais pensando num jeito de descobrir se você estava vivo ou não.

- Estou vivo e com fome - diz ríspido - Agora tem como ir ver o que tem pra comer? Tô com fome.

Sustento o olhar dele por alguns segundos, antes de andar para fora do quarto com ele logo atrás de mim.

Apesar de ter comida tanto na geladeira e nos armários, sempre ficava indecisa no que iria comer e sempre optava pelo mais fácil e que só precisava de um microondas.

- O que é isso? - Rubinho pergunta, sentado em frente ao balcão.

- Não disse que estava com fome?

- O quê é isso? - Ele encara o prato na frente dele.

- Macarrão instantâneo.

- Miojo - diz com deboche.

- Se sabe o que é, por quê perguntou?

- Não vou comer essa merda - diz empurrando o prato para longe - Faz outra coisa.

Sorrio sarcástica.

Como iria dizer, de um modo gentil, que eu não era aquele tipo de mulher que ficava na beira do fogão para homem? Mesmo que fosse o pai da minha filha.

O que sabia cozinhar até então, era o básico do básico e mesmo assim, me dava uma nota 0 pela minha total falta de desempenho.

Tentar agradar Rubinho na cozinha, estava completamente fora de cogitação, sem ao menos eu pensar no caso.

- Não vou fazer outra coisa - Ele me olha - Não sei fazer outra coisa. O que sei fazer, é tudo no microondas.

- Mulher tem que cozinhar no fogão.

- Há aquelas que gostam e que sabem dominar um fogão - Volto a sorrir, sem mostrar os dentes - Não gosto e não sei dominar um fogão.

Ele se inclina um pouco para frente, mantendo o olhar no meu. Um olhar que deixava bem claro, que não havia gostado nem um pouco daquele meu comentário.

- Se tu quer ser minha mulher, então é melhor começar a cozinhar pra mim - diz sem nenhuma emoção na voz.

Inclino minha cabeça para o lado, olhando ele de cima a baixo.

Não lembro de ter dito ou deixado claro que queria ser a mulher ele.

O que tivemos foi num momento de carência, até de raiva por se dizer.

Não significava que sentia ou nutria alguma coisa por ele. Podia até sentir, uma espécie de atração, mas não passava disso.

- Quer saber de uma? Perdi a fome - Ele levanta bruscamente, indo para o quarto.

Inspiro profundamente o ar, soltando em seguida. Pegando o prato de miojo na minha frente e começando a comer.

Havia passado praticamente oito meses naquele lugar, quase isolada, precisando sobreviver com o que aprendia com vídeos de Youtube e comida congelada.

E havia sobrevivido.

Sobrevivi boa parte da minha vida assim, quando meus pais adotivos não estava em casa e nenhuma das cozinheiras.

Agora precisava vir um aspirante a traficante, me dizer que se quisesse ser mulher dele, tinha que cozinhar.

(Risos)

Alguém tinha que contar para ele, que era melhor ele tirar o cavalinho dele da chuva para não se molhar.

Terminando de jantar, arrumo a cozinha.

Rubinho dormia praticamente espalhado na minha cama, no décimo quinto sono, enquanto seu ronco ecoava pelo quarto.

Ignorando o estado broxante que Rubinho se encontrava, entro no banheiro, mais do que contente por tirar o cheiro do lugar que Rubinho estava do corpo, principalmente aquele sangue.

O chuveiro do banheiro, era quase idêntico ao que tinha no meu antigo quarto, entretanto, conseguia relaxar meu corpo da mesma forma, graça a pressão da água.

Todos meus sais de banho e hidratantes, ficavam dentro do boxe, todos a minha disposição e fazia questão de usá-los toda vez que tomava banho.

Quando saia do banho, sempre estava me sentindo renovada.

Então depois de vestir minha camisola de seda, um pouco maior do que costumava a usar, saio do banheiro, encontrando Rubinho do mesmo jeito.

Não hesito em começar a puxar o edredom que cobria a cama, conseguindo dessa forma, fazer com que Rubinho rolasse para o lado.

Depois de arrumar os dois travesseiros que usava para dormir em minhas costas, encaro o teto até sentir o sono se aproximar, enquanto ouvia o ronco baixo de Rubinho.

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