Lição 4 - Jogada
Giovanna Sartorelli olhou para a sua filha que sorria diante de um programa de televisão aflita. Cada telefonema, cada toque na campainha e cada carta que chegava a deixava com os nervos a flor da pele. Ela temia que a qualquer momento alguém chegasse a procura de sua filha e a levasse.
–Estou sendo ridícula – pensou ao menear a cabeça. Voltou a sua atenção para o fogão enquanto cantarolava uma velha canção.
***
Raoul jogou o primeiro objeto que viu contra a parede. Se a sua avó estivesse viva, ele a mataria naquele instante. A sala de seu escritório encontrava-se desarrumada com pedaços de vidros espalhados por todo o canto. A sua fúria era tamanha que todos do escritório não se atreviam a chegar perto de sua sala.
A foto de Emma jazia jogada no chão em meio a tantas outras coisas que ele havia destruído. Raoul olhou para o copo com uísque em cima da mesa, e bebeu em um só gole.
–Aquela velha esta destruindo os meus planos. Toda a minha luta pra conseguir a presidência.. – murmurou ao sentar-se no chão derrotado. Sua mente estava confusa. Pegou a foto de Emma e os papeis com seus dados. Leu cuidadosamente e após alguns minutos soube o que deveria fazer – Não vou deixar uma idiota qualquer ficar com todo o dinheiro. Todo o meu dinheiro. – segurou a foto dela próximo ao rosto – Muito bem, logo iremos nos encontrar, minha querida noiva.
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Ben Lemos passou a mão pelos cabelos um tanto despenteados ao olhar para Raoul, o qual estava sentado sério em seu escritório. Ele havia ligado logo pela manhã acordando-o.
–Muito bem, aconteceu algum problema Senhor Belinni? – Lemos perguntou curioso ao vê-lo vestido de forma simples com uma calça jeans e uma blusa branca com paletó. – Imagino que algo muito importante deve ter acontecido para ter me feito vir ao escritório as cinco e quarenta da manhã.
Raoul o encarou sem dizer nada, entrelaçou as suas mãos e sorriu levemente de forma fria e controlada.
–Quero que entre em contato com esta Emma Sartorelli e marque um encontro para discutir sobre o casamento.
–Entendo, mas acho que será melhor o senhor mesmo se encontrar com ela.
–Porque eu faria algo deste tipo? – indagou frio – quando tenho um advogado? Entre em contato com ela o mais breve possível. Desejo resolver isto esta semana – disse levantando-se.
Lemos não soube o que falar, restando-lhe o cruel papel de reencontrar a família de Emma.
Raoul saiu do escritório de Lemos sentindo-se mais leve. A única coisa que ele precisaria seria paciência e frieza para lidar com a próxima etapa de sua vida. Entrou em sua Masserati Gran Turismo preta, ligou colocou o som alto e dirigiu para o seu apartamento. Em poucos minutos dirigia confiante pelas ruas italianas e não demorou para ver o prédio onde morava. Assim que aproximou-se, o portão do estacionamento foi aberto e ele dirigiu ate a sua vaga. Saiu do carro após estacioná-lo, caminhou em direção ao elevador e manteve o semblante impassível ate entrar em seu apartamento que ficava na cobertura.
O apartamento de Raoul era tão sóbrio quanto sua personalidade. Logo na entrada havia uma mesa de canto de vidro onde ele costumava colocar as suas chaves. Na sala de estar apenas um grande sofá, uma televisão de tela plana na parede e um equipamento de ultima geração de som podiam ser vistos. A cozinha era moderna e organizada assim como a sala de jantar que possuía uma mesa com seis cadeiras.
Raoul retirou o paletó colocando-o em cima do sofá. Se sentou, ligou o som e fechou os olhos ao escutar uma balada de Jazz.
–Daqui a pouco todo o dinheiro será meu.
***
Emma não dizia nada, mas estava estranhando o comportamento de sua mãe. Já fazia algumas semanas que ela ficava nervosa toda vez que o telefone ou a campainha tocava. Prendeu os cabelos em um rabo de cavalo, enquanto se vestia para ir ao colégio. Colocou o seu uniforme com um sorriso no rosto ao lembrar que veria Chris Grint, o garoto com quem ela sonhava acordada. Abotoou a blusa branca de manga curta antes de vestir a saia xadrez. Calçou os sapatos, pegou a sua bolsa e saiu do quarto. Assim que chegou na sala encontrou a sua mãe sentada no sofá chorando de forma descontrolada.
–Mamma, o que houve? – Emma perguntou assustada ao ir ate ela. A abraçou sem saber o que fazer – alguma coisa aconteceu com meu pai?
Giovanna não conseguiu dizer nada. O papel que estava em sua mão parecia ser mais pesado do que era. Ela segurou com as duas mãos o papel aproximando de seu corpo.
–Filha... – Giovanna falou em meio as lagrimas – vou lhe buscar no colégio hoje – disse tristemente. – Vá estudar.
–Mas...
–Sem mas, apenas vá.
Emma ficou desnorteada. Pegou a sua bolsa do chão e saiu de casa com o coração apertado. Ela sabia que algo havia acontecido, apenas não imaginava o que seria. Ela caminhou ate onde o ponto de ônibus e em trinta minutos entrava na Academia Gregório com a mente confusa e o coração aflito. Antes de entrar em sua sala olhou em volta, procurando entre os diversos rostos um par de olhos azuis e suspirou frustrada ao não encontrá-lo assim que o sinal bateu. Entrou na sala e andou ate onde costumava se sentar, na primeira fileira ao lado da janela. Sorriu ao ver Caroline sentada na mesa ao lado.
–Pensei que não viria hoje – Caroline disse sorrindo – você é sempre a segunda a chegar.
Emma limitou-se a esboçar um sorriso, o que não passou despercebido por Caroline. Não demorou para o professor entrar na sala e começar a dar aula sobre historia mundial. Todas as aulas passaram rapidamente e logo os alunos se aglomeravam pelo corredor para ir embora. Emma despistou Caroline e saiu rapidamente do colégio. Ficou parada em frente ao portão de entrada sem perceber um carro próximo com um homem dentro dele a olhando.
***
Giovanna apertou a mão de Lorenzzo com força antes de entrarem no escritório de Lemos. Emma apenas olhava tudo com curiosidade. Assim que ela havia saído do colégio, sua mãe apareceu para lhe buscar levando-a ate o escritório de advocacia Lemos, um dos melhores na Itália. Logo que chegaram, a secretaria de Lemos os direcionou ate o escritório dele, onde os esperava.
–Sentem-se – Lemos falou sorrindo levemente ao olhar discretamente para o relógio – imagino que vieram por causa da carta.
–O que está acontecendo afinal? – Giovanna disse nervosa – como querem que... – interrompeu-se ao ver o olhar de Emma sobre ela – Emma, espere lá fora, sim?
Emma assentiu a contragosto. Levantou-se, abriu a porta e se sentou na sala de espera. Ficou folheando uma revista qualquer ate escutar passos, minutos depois. Ela olhou para a entrada e prendeu a respiração ao ver o homem charmoso com o olhar frio a fitar intensamente.
–Boa tarde – Emma o cumprimentou sem graça diante de seu olhar.
Raoul olhou de cima a baixo para a menina a sua frente e suspirou diante da adversidade que lhe esperava. Ele ignorou as palavras dela e seguiu para o escritório de Lemos. Entrou sem ser anunciado e ao abrir a porta escutou a voz da mãe de Emma.
–Está louco? Não darei a minha filha a nenhum homem. Isso não foi o que concordamos. Minha filha nunca deveria participar disto. Ela me disse que precisava apenas de seu nome, apenas isso. – Giovanna falou transtornada. Lorenzzo apenas mantinha-se em silencio. Ele ainda estava surpreso demais para dizer alguma coisa.
–Senhora, sinto, mas deveria ter lido o que assinou. No papel em que sua filha e os senhores assinaram constava que assim que Raoul Belinni tomasse a iniciativa após a morte de sua avó, a senhoria Emma Sartorelli deveria casar-se com ele, com a permissão dos senhores – colocou o documento em frente a eles e os viu ler perplexos.
–Aquela.. Aquela mulher nos enganou – Giovanna percebeu com as mãos tremulas. – Não vou deixar a minha filhar nisso. Ela não teve culpa.
–Eu sinto por isso, mas está tudo dentro da lei.
Giovanna ia debater quando a porta abriu e Raoul entrou altivo. A olhou sem expressão e fez um leve aceno com a cabeça para Lemos.
–Não se preocupe. Você não foi a única enganada pela aquela bruxa velha – Raoul disse frio. – Pelo que vejo descobriu o que tinha por trás do sorriso gentil dela – sentou-se em frente a eles em uma das poltronas calmamente – sou Raoul Belinni, o suposto noivo de sua filha.
–Minha filha não irá se casar contigo – Lorenzzo se pronunciou pela primeira vez.
–Se ela não casar, vocês terão que me pagar uma grande multa. E duvido muito que tenha a quantia que irei pedir por quebra de contrato e danos morais.
Giovanna encarou o frio homem a sua frente, levantou-se e apontou o dedo para ele. Desafiando-o.
–Acha mesmo que darei minha filha há um homem como você? Não sonhe com isso. Quer me processar? Vá em frente.
–Tens um péssimo temperamento – Raoul murmurou ao olhar para ela – achas que eu desejo ter algo com sua filha? Eu desprezo isso tudo que minha avó fez. Desejo apenas receber o que é meu por direito.
–Do que está... Falando? – Lorenzzo perguntou interessado.
–Vejo que dinheiro interessa-o – ajeitou o palito sobre o corpo e sorriu levemente – assim que eu apresentar a minha certidão de casamento, poderei ficar com a herança que me foi deixada. Não quero ter nada com a filha de vocês. A única coisa que desejo é a sua assinatura. Nada mais e nada menos.
–O que.. Ganharemos com isso? – Lorenzzo perguntou com os olhos brilhando.
–Como pode pensar em dinheiro? Achas que nossa filha é algum objeto? – Giovanna gritou enfurecida com o comportamento dele. Voltou-se para Raoul séria– se ela assinar, quando poderá ficar livra disso tudo?
–Um ano será o suficiente.
–Ela precisa apenas assinar, correto?
–Correto. Não precisamos entrar em contato nem nada similar. Entretanto irei depositar na conta de vocês uma soma considerável dado o transtorno que estão tendo.
–Não confio em você – Giovanna disse séria, mas ao vê-lo dar de ombros segurou-se para não dizer alguns impropérios – muito bem, eu concordarei com isto. Depois disto nunca mais irá nos encontrar.
Raoul deu de ombros, pois isto nada significava para ele. Levantou-se e saiu da sala do mesmo modo que entrou. Ao passar pela recepção viu Emma sentada com uma revista no colo e não conseguiu evitar uma expressão de nojo.
–No que aquela velha estava pensando quando quis que eu me casasse com uma criança? – se perguntou ao sair do edifício e entrar em seu carro.