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Capítulo 3 - Érina

Eu olhava em frente ao espelho e tentava enxergar alguma coisa na minha barriga, mas não tinha nada. Não fazia ideia do que pensar, do que fazer, mas levantava a blusa e admirava o umbigo seco tentando achar vida lá dentro, até ser pega de surpresa por Dom, que enfiou a cabeça pela brecha da porta e piscou sem entender a situação.

— A porta estava aberta… — tentou se justificar.

— É, estava. — eu tentei me recompor e fingir que eu não estava fazendo aquilo, porque, por algum motivo, me senti sem graça — O que foi? Aconteceu alguma coisa?

— Aquela sua amiga, está aí.

— Brianna? — ele confirmou — Tão cedo…

— Voltei da missão ontem, não é coincidência. Lembra do acordo, não abre o bico. Existem duas possibilidades, Espano testando sua confiança, ou uma x-9. — ele fez um sinal de tiro apontando a cabeça e eu entendi — Não dá mole.

Eu abri a porta, passei por ele e fui atender Brianna. Ela tinha um pote nas mãos, um sorriso acolhedor e tinha os cachos soltos e lindos. Usava saias, blusa de alça baixa e chinelos. Não era bem a imagem do perigo.

— Bom dia, Brianna. — sorri amigável, ainda sem acreditar que ela possa ser uma ameaça.

— Eu vim trazer os bolinhos que acabei de fazer. — mordeu os lábios e tentou olhar através da porta — Acho que vi seu irmão chegar tarde ontem, se quiser posso trazer um café, caso ele ainda esteja dormindo.

Ela só está interessada nele, não vi nada demais nisso então a convidei para entrar.

— Dom está acordado e já fizemos café. Mas se quiser, pode entrar, assim toma café com a gente. Só não repara, eu ainda estou de pijama.

Brianna deu alguns passos tímidos, um sorriso empolgado e entrou, fechei a porta, vi que a sala estava arrumada e fomos até a mesa da cozinha. Eu já tinha colocado as tortilhas na mesa, peguei mais uma xícara e ela abriu o pote com os bolinhos, quando ela sorriu ao ver Dom saindo do banheiro com uma toalha de rosto na beirada dos ombros secando a barba molhada.

O idiota estava com um shorts casual, mostrando os gomos do peito e não permitia que a menina piscasse. Não que eu achasse aquilo estranho —me lembro bem das minhas tentações, além do mais, devíamos ter a mesma idade, mas ela estava mesmo sem piscar e respirava com muita dificuldade. De certa forma, fiquei com remorso, sabendo que Dom não ia corresponder a mocinha.

— Bom dia. — ele me olhou duro e eu só consegui mover os ombros.

— Bom… — respondeu Brianna acompanhando os passos dele.

Eu colocava na frente da moça um prato e quando Dom passou por trás de mim senti o tapa arder a beirada da dobra de minha bunda e minha cabeça me gritar milhões de avisos em alerta. Quase não me movi, não entendi a situação e evitei olhar para os olhos de Brianna.

— Gracinha, fez tortilhas? — eu virei o rosto, olhei para ele e o vi sorrir cínico e feliz — Eu adoro quando tenta me agradar.

Eu ia socar a cara dele quando ela saísse, ia socar sim. Ia bater tanto nele que a cara dele ia ficar no mesmo tom ruivo que a barba que ele tinha. Sentei sem reação, pigarreei e o vi se sentar na mesa puxando o prato para si e pegando o recheio com boas garfadas, preparando sua própria tortilha.

— Gosta de tortilhas? — perguntou Brianna de bochechas coradas.

— Melhor impossível. — respondeu de boca cheia.

— Você não consegue engolir antes de responder? — resmunguei, ainda indignada com o tapa.

— Mas ela perguntou antes de eu esvaziar a boca. — Brianna riu e ele enlargueceu o sorriso.

— Eu achava que vocês eram irmãos. — ela confessou e no segundo seguinte, Dom fez o prato que estava na mão dele ser lançado tão rápido quanto o desvio de Brianna.

Eu arregalei os olhos, ia questionar algo sobre bons modos, mas ele pegou outro prato e tacou contra ela, mas a menina se desviou com perfeição. Os cacos foram parar no chão e Dom pegou a toalha da mesa, levantou o pano e pegou o rosto da menina de surpresa. Custou, mas ela conseguiu se desviar e quando o fez, Dom já havia manobrado a toalha, prendido suas mãos e contido a mulher.

Paramos, piscamos, ele estava sério e ela quieta.

— Eu posso explicar… — ela murmurou, mas aproveitou um segundo de brecha, impulsionou os braços contra a mesa e fez Dom se afastar. Como resultado, conseguiu ter os braços livres.

Eu me levantei me afastando antes que a mesa caísse em mim, vi Dominic a segurar e a voltar no lugar, segundos antes de quase levar um golpe com as pernas da menina. Ele segurou suas canelas, rodou o golpe e, infelizmente, levou um chute na sequência. Ele cambaleou pouca coisa para trás, segurou o pé da moça na segunda tentativa, empurrou ela e só então eu percebi que ele se preocupava em desviar, segurar e não machucar.

Foi uma acrobacia e tanto, Brianna estava longe de ser uma sorrateira apaixonada e tentou atingir Dom, mostrando que a cada segundo se fazia mais cansada. Olhei aquilo, tentei não me sentir uma idiota por só agora perceber que o ruivo já tinha me avisado, olhei para o fogão no canto da cozinha, vi a frigideira e a peguei. Enquanto os dois brincavam de “bate que eu desvio”, acertei a frigideira na cabeça da falsa donzela, vi ela ficar tonta com o baque, até que finalmente a tontura a pegou de jeito e ela caiu para trás.

A cozinha estava um desastre, ninguém tinha realmente comido, só o Dom que enfiou duas camadas de tortilha recheada na boca, e a menina estava caída no chão, de olhos fechados. De repente eu vi o homem encher um copo de água, tranquilamente caminhou com o copo na mão e se colocou ao lado da moça, onde derrubou a água na cara dela. E para a minha surpresa, ela se levantou tão rápido quanto caiu.

— Ela estava fingindo? — perguntei, me sentindo uma idiota em alto nível.

— Ela conseguiu te convencer? — ele me olhava como se aquilo não fosse possível.

— Não olha pra mim com essa cara, o mercenário aqui é você. Eu atendia telefones, não analisava desmaios.

Brianna olhou pra cima, viu Dom de braços cruzados e minha cara de decepção. Ela suspirou, tentou limpar a água do rosto e resolveu falar.

— O Espano acha que estão escondendo alguém. Ele quer um homem chamado Iron, e não acreditou quando Dom passou para ele os reportes da morte. — Dom olhou pra mim, eu olhei pra ele, mas ficou por isso mesmo — Como sabiam?

— Irmãos? — respondeu Dominic — Você precisa melhorar suas mentiras, sua táticas de abordagem e esse seu olhar cagado de quem tá afim. E diz pro Espano que o Iron já era, Érina está grávida e sob minha proteção agora.

— Grávida? — ela me olhou como quem realmente sentia muito — Desculpe, só estava trabalhando.

— Então você não quer ficar com ele? — eu nem sabia o motivo da minha pergunta, mas Dom também não pareceu ligar.

— Eu não estou a fim de levar outra surra dessa. — ela confessou, quase me fazendo sentir dó.

— Levanta. — Dom esticou a mão, ajudou ela a se levantar, mas prensou a menina contra a parede, pressionou o pescoço dela e eu fui tentar intervir — Sabe que o Espano vai ser reportado, não é? — A menina começou a se mover agoniada e tentou segurar nos pulsos dele, quando eu tentava o mesmo.

— Dom, solta ela! — pedi, com medo do resultado.

— Eu…e-eu… — ela começou a engasgar.

— O Espano não é otário. Nem eu! — gritou o ruivo, totalmente aborrecido.

Quando ele soltou a menina, ela caiu no chão, já procurando de um jeito desnorteado a saída. Eu não ajudei ela sair, mas ela o fez com medo e totalmente perdida. Eu respirei fundo, não sabia o que dizer e olhei a cozinha bagunçada, no fim eu encontrei algumas palavras.

— Ia matar mesmo ela?

— Ela não é do Espano. — ele simplesmente ficou olhando a porta e foi direto pra sua bolsa num armário do canto da sala pequena, pegou o telefone, fechou a porta e olhou pra mim enquanto ouvia alguma coisa na outra linha — Reportar, Espano. — falou sério, enquanto eu ainda não sabia no quê exatamente eu deveria pensar — Você sabe que a morte dele é real, eu te passei tudo, você puxou os procedimentos e ainda mandou uma abelha pra droga da minha casa! — o homem do outro lado falou alguma coisa, mas Dom simplesmente esmurrou a parede, quebrou o gesso sobreposto e gritou — Foda-se! Esse não é o acordo! Quando eu sair, eu preciso ter certeza que ela vai ficar bem! Porque eu acabo, acabo, com toda essa sua festinha de gangaster maldito se alguma merda acontecer! É só pagar pra ver!

Dom não esperou uma droga de resposta, só tacou o telefone com ódio na parede e eu já sentia meus olhos se encher de água. Ele não olhou pra mim, o tempo pareceu parar e eu tentava, vagarosamente entender o que acabei de ouvir. Dominic tinha deixado bem claro que precisava compactuar com o sistema mafioso no local, porque precisávamos de paz, ele só não tinha me contado que sua “paz” era especificamente para mim. Agora eu estava ali, olhando pra ele, enquanto ele fazia de tudo pra não virar o rosto como se fosse pego numa armadilha. Então, só fiz o que achei que era certo fazer. O abracei.

Acho que ele se sentiu pego de surpresa, até eu fui. Senti ele se virando, enfiando os braços por cima de mim e beijando o topo da minha cabeça. Logo éramos dois seres silenciosos abraçados, compartilhando algo que eu não sabia explicar.

— Você não precisa fazer isso, não sabe? — falei baixinho — Não precisa se matar com máfias, gangster ou…

— Para de achar que a vida vai ser fabulosa pra gente como nós, gracinha. — respondeu sério, enquanto eu mantinha meu abraço e ele também — Nós passamos a viver assim até que o sistema nos descarte. É um amontoado negociável, e o que eu negociei se não fosse por você seria por alguma outra coisa. É sempre assim. No fim escolhemos o que a gente mais precisa, o que é importante, o que mais queremos…

— Eu sou importante pra você? — a pergunta pegou de surpresa até mesmo a mim. Eu não queria me ver sozinha, mas sabia também que eu não era responsabilidade dele.

— Qual é gracinha… — ele tentou se desgrudar, eu fui obrigada a olhar pra cima e ele pegou meus olhos se enchendo marejados, coisa que eu andava fazendo demais. Gentilmente passou a ponta do dedão no meu rosto e concordou — A gente tá junto nessa, não tá? Relaxa aí…

Eu me afastei, tentei limpar o rosto e suspirei me sentindo um pouco estranha.

— Isso está sendo um saco. Eu tô tentando parar. — me justifiquei com essa merda de sensibilidade na qual eu estava.

— Tá tudo bem.

— Não, não está. — eu enfiei as mãos na cintura, tentei levar a situação para outro patamar e olhei a cozinha — Vai arrumar essa zona que você fez, eu vou me trocar.

Eu permaneci de costas, entrei no quarto e fechei a porta, me encostando nela e parando para respirar, pensando no que acabou de acontecer. “Eu sou importante pra você?” Que droga de pergunta foi essa? Massageei a cabeça, respirei fundo e tentei colocar a minha cabeça no lugar.

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