Capítulo 2 - Dominic
Adaptação é um trampo foda, mas dá pra fazer. Eu estou dividindo apartamento com uma garota, eu estou num trampo de fachada e trabalho no “pesado” se for solicitado. Eu acho que dá pra levar isso até a poeira abaixar, acho… A oficina é um ponto específico do Espano, lá só trabalha o pessoal barra pesada. A fachada é de carros, mas o administrativo é de morte.
Uma semana se passou e meu novo companheiro era Mars. Negro, de sorriso branco, durão e esperto. Foi amor à primeira vista, só que não. Espano colocou a gente na mesma dupla de propósito, ele também é um ex-fodiddão do exército americano. Ou seja, tínhamos assuntos em comum.
Eu puxava o peso de uma lataria de um lado e ele do outro, a gente tentava não falar muito do passado, mas no fim, esse era nosso ponto. Não tinha como fazer tricô do nada…
— A garota, é tua? — perguntou soltando a peça no chão e tirando a luva grossa da mão.
— É complicado. — apoiei a mão na cintura e suspirei cansado — É da irmandade. Meu parceiro já era, ela está supostamente esperando um filho dele e…
— Sei. — ele suspirou tirando o suor da testa, alisou a careca brilhante e olhou pros lados — Eu vim com a minha irmã. Fiz isso antes de perder ela. Foi uma merda…
— Quantos anos?
— 16. Me sinto um pai irresponsável. — eu dei risada, cortando o clima — Não ri, não é engraçado.
— Engraçado é a minha vida. Quer trocar? — falei, exatamente quando Érina apareceu na porta vestida como uma latina, brincos de argola e os cabelos soltos. Ela segurava uma sacola com um laço em cima e olhava pra numeração da loja pra ver se achou o lugar correto. Foi então que meu parceiro abriu o sorriso e só aí me entendeu. — Viu? Ela já está me trazendo marmita. Mas eu só posso comer a marmita…
— Ah, oi… — ela sorriu tímida, eu me aproximei e ela esticou a sacolinha com a quentinha dentro — Achei que não estava no lugar certo, foi mal.
Eu apresentei Mars, caminhamos até a entrada, sentamos no degrau de passagem e eu fui me alimentar. Não se passou muito tempo, quantos dias? Duas semanas? Eu só agradeci. O trampo estava perto, os serviços não são tão barra pesada e é uma questão de tempo para se adaptar às mudanças.
— Você gosta disso? — perguntou ajustando a saia e sentando ao meu lado enquanto eu já tinha socado duas colheres grandes na boca — Responde depois que engolir.
Eu dei um sorriso maneiro, vi a donzela se derreter com o frango no meio dos meus dentes e fiz questão de responder com o arroz no meio da língua. Eu era “seduzente” até com dois quilos de rango na boca.
— Gosto. Mexer com carro é terapia. — ela revirou os olhos e eu continuei comendo — É uma barulheira desgraçada, eu vejo músculos o dia inteiro e os caras me amam. Mas sabe como é, as gatas piram.
— Eu disse pra engolir. — respondeu rindo, o que deixou o clima melhor, até ela mudar de assunto — Briana perguntou de você de novo.
— Quer que eu coma aquilo ali? — resmunguei, enchendo a boca pra me manter ocupado.
— Não fala assim. — retrucou desapontada — Ela é bonita e está interessada.
— Eu gosto das minhas punhetas, me impede de foder a merda errada, alivia a pressão e não me causa problemas.
— Você anda se mas…?
— Epa. — cortei seu pensamento, enquanto ela fazia uma cara torta, sem saber se era nojo ou se ela se divertia com meus segredos — Esquece ela. Deixa eu te explicar, você chega numa área nova e alguém tenta se colocar no teu trajeto. Briana é o típico bonitinha que dá para obter informação e repassa o que pode. Tá cheio dessas merdas. Acredite, essa ideia de achar que você é minha "Irmã" é um sinal verde. Ela quer chegar pra colher maduro. Não temos nada de parecido.
— Já me contou isso, mesmo assim… — ela afinou os olhos e mudou de assunto — Você está se masturbando com que frequência?
— Esse rolê está esquisito. — resmunguei enchendo a boca, fazendo ela ficar com as bochechas cor de rosa.
— Você que começou. — reclamou se justificando.
— Certo. Nada de Briana. — cortei o clima tenso — E aí, o que rolou hoje?
— O de sempre. Lavei suas cuecas, jurei enfiar sua cara na privada quando achei respingo no vaso, fiz o almoço, comi sozinha…
Eu dei pra ela uma piscada, deixei a marmita vazia de lado e alisei minha cabeleira ruiva e lisa, com o corte raspado dos lados. Fiz minha melhor pose e conquistei a gata.
— Qual é, gracinha? Estou marcando território.
— E eu preciso marcar sua cara, só pra aliviar a tensão. — minha melhor pose falhou miseravelmente.
— Eu curto uma violência… — ela riu e eu me senti uma marica fuzilada, tentando fazer gracinha e sem sucesso.
Arrumei o pote, fechei a sacola e sorri agradecido. Mas ela parou de rir, ficou me olhando com aqueles olhos azuis parecendo que iam se encher de água, de novo. Era uma merda não entender o rolê. O que estava acontecendo? Porque, demônios, ela ia chorar?
— Deu positivo. — soltei o pote no chão e vi ela se amontoar em meu peito.
Eu tinha cada músculo do meu corpo enrijecido. Duro e tenso. Foi rápido e mal deu tempo de pensar, até que fechei os braços cobrindo a miudeza chorona, apoiei meu queixo sobre o topo da sua cabeça e ouvi seu choro abafado, molhando minha camisa. Não consegui mais bancar o senhor engraçadinho… Não dava. O assunto era sério, pra nós dois.
— Dom! — eu olhei para trás e vi Mars me gritar — Ligação do Espano. Tem trampo pra gente.
Eu olhei para Érina, ela apenas concordou. Só deu tempo de beijar a sua testa e partir.
[...]
O lugar estava escuro, só tínhamos ondas de calor a nosso favor. O lugar era um galpão de trampos ilegais e nós estávamos numa briga territorial. Eu, Mars e mais uma equipe, estávamos a mando de Espano. Mesmo esquema. Grana no bolso, trabalho feito. Abordamos alguns movimentos, depois de já ter fodido com metade de nossas energias matando os foddões da entrada, estávamos no estágio final.
— Vamos invadir! — um rettardado apressado tentou passar na frente, eu segurei o bonitão pelos acessórios do peito e o puxei para trás, fazendo minha melhor pose de mall.
— Vou invadir o teu reggo com aquela tora jogada ali no canto. — ele franziu o cenho e eu não dei oportunidade — Que dar seu peito pra tomar tiro? Se fodde sozinho. Nós estamos em equipe. Se fizer uma merda dessa entrega todo mundo, e por causa da tua pressa, todo mundo se fodde. Então sossega teu rego peludo, se não quiser levar umas toradas depois.
Ele se irritou, se afastou das minhas mãos e bufou impaciente.
— Quem te colocou no comando?
— O Espano. — lembrou Mars — E o cara está certo. Quer fodder com todo mundo?
— Movimento à frente. — interrompi a conversa, baixei os óculos e dei sinal.
Senti um golpe na panturrilha, segurei a porrra da dor e ajoelhei com a pressão e a mira na minha testa. O irritadinho tentou um golpe.
— Ninguém se mexe, e foda-se o Espano! — o carinha gritou, as trocas de tiro se iniciaram e, claro, ele foi o primeiro a cair no chão com a cabeça furada.
Tivemos que desviar, Mars e eu estávamos na mesma direção, estávamos em desvantagens. Utilizamos as granadas, tivemos um efeito colateral, e mesmo com o lugar virando uma labareda, abrimos o campo de frente. Não tínhamos outra opção, então metemos o peito aberto e usamos o fogo a nosso favor. Invadimos o último setor, subimos as escadas, vez ou outra desviando ou investindo em tiros, chegamos ao corredor principal e entramos em confronto. Mars e eu éramos uma caraleo de uma dupla, o cara não era grandão à toa, nocauteava com facilidade e eu atirava a longa distância. Corremos o risco, saímos ilesos e invadimos o escritório.
Atrás da mesa um homem, fumando um charuto e olhando o fogo pegar de lá de cima. Ele estava calmo, já entregue aos fins.
— Soube que você é a nova arma letal de Espano. — ele resmungou, ciente do que viemos fazer — Geralmente fazemos um estrago maior, mas você resolveu isso muito bem. Exército americano? — Mars fechou a porta, pegou o aparelho celular e eu me coloquei ao lado do patife — Mande lembranças ao Prime.
Estremeci com a menção, Mars deu o ok e filmou o momento em que puxei o gatilho. A bala saiu do outro lado da cabeça do velho, levando o corpo do homem para o lado e o fazendo cair da cadeira, já morto. Eu cerrava os dentes e olhava o corpo sem vida aos meus pés.
— Relaxa. — Mars notou meu nervosismo depois de guardar o aparelho — Eles sempre sabem. Eu ficava desesperado quando eles falavam de Thayla, minha irmã. Corria de volta com o rabo entre as pernas, com medo de levá-la. É um blefe, pra te fazer baixar a guarda.
[...]
Eu não conseguia fazer um caraleo de trampo e ficar numa boa depois. A adrenalina ainda me energizava por um tempo. Quando cheguei, Érina dormia tranquilamente na sua cama e no seu quarto. Eu dormia na sala, mas ao invés de dormir estava suando, tentando gastar os resquícios de adrenalina grudado no sistema.
Eu via o chão se aproximar e voltar, via a gota de suor escorrendo pelo meu nariz e pingar no chão, junto a franja lisa do cabelo ruivo colado na testa. A televisão muda iluminava o lugar de um modo parcial, o peito desnudo escorria e o moletom cinza grudava no suor das canelas. A respiração era cansativa, mas eu ainda estava um pouco longe de aliviar a tensão.
— Quando foi que você chegou?
Eu olhei para cima, vi ela acionar o interruptor e cruzar os braços, enquanto se apoiava na parede dentro de um short curto e uma blusa frouxa de pijama. Tentei desviar meus olhos dos peitinhos sem sutiã, do bico marcando na blusa branca e forcei as flexões, torcendo pro meu pinto ficar no lugar.
“Não se come a irmandade, parça! Não se come a irmandade!”
Eu sei lá quantas vezes repeti essa porrra. Tentei me concentrar no exercício, espremi minhas mãos com força no chão e cerrei os dentes.
— Não faz muito tempo. — resmunguei, tentando pensar num ccú de velha murcha e cheio de pelos brancos pra ver se eu broxava, mas a mina não colaborava. Ela podia só se retirar, mas ainda estava lá.
— Achei que ia me acordar.
— Pra quê? — retruquei impaciente.
— Como assim, pra quê? — ela pareceu chateada.
Só então me recordei da notícia. Ela está grávida e confirmou isso, eu tive que sair bem naquela hora e ela acabou ficando sozinha. Ainda éramos uma irmandade… Não estávamos compartilhando missões, mas consequências. Eu parei, me levantei devagar e respirei cansado, ainda pingando, vendo ela com o olhar baixo e mordiscando os lábios um tanto sem graça.
— Desculpe. Eu só… — ela soltou baixo, virou as costas e saiu sem concluir.
Caminhei devagar até a porta do quarto, respirei fundo — ainda expondo cansaço, pensei em abrir a porta mas contive minhas mãos. Tive a impressão de ouvir um choro baixo e grudei minhas testa contra a porta, com um milhão de pensamentos de merdas rondando minha cabeça.
— Eu matei um cara. — confessei de olhos fechados, como se aquilo fosse resolver alguma coisa — Ele conhecia o Iron. Quem ainda não conhece, daqui a pouco vai saber. Eu sou o novo brinquedo do Espano. O Gângster está me mandando pra uns trampos pesados, do tipo que um ex-soldado leva vantagem. Eu só estou uma pilha. Não te acordei porque a última coisa que você precisa é de um mané fodido e pilhado, então pensei em fazer isso depois. — ela não abriu a porta, mas pareceu parar de chorar — Parabéns, gracinha. A gente vai se dar bem. Vai ficar tudo bem.
Era uma puta de uma mentira. Eu não fazia ideia do que ia acontecer, nem do que a gente ia fazer. Mas, pelo menos isso fez ela abrir a porta. E sim, ela tinha os lábios carnudos e eles incham quando ela chora. Parecia uma boceta que tinha acabado de levar uma paulada boa. Por isso engoli em seco e tentei pensar, de novo, no ccú peludo de uma velha murcha, mas não estava adiantando…
— Quer voltar pro quarto e abrir a porta depois? Tem um negócio inchado na sua boca, tá parecendo um xanão…
Ela sorriu, triste, mas sorriu.
— Idiota! — resmungou me abraçando, pouco se importando com meu suor — Fedido. — no fim ela se importou com o suor, mas eu não liguei, só devolvi o abraço e beijei o topo da sua cabeça — Obrigada, Dom. — suspirou, muito mais tranquila — Eu não sei o que ia fazer se eu estivesse sozinha.
Eu sei. Ela ia estar se virando. Ela não é assim. Ela só está grávida e assustada, e quando isso passar, vou ser dispensável. Quando ela voltar à real, as consequências vão ter sumido e a irmandade vai ser uma lembrança. Só não preciso dizer isso a ela, porque no fim ela vai descobrir isso sozinha. O tempo era um merda de um inimigo…