Capítulo 5 - Érina
— Sai de cima de mim. — sussurrei, fraca demais para soar convincente.
O quê ele pensa que está fazendo? Tocou os meus lábios por um segundo e no outro estava me olhando como se fosse esperar uma princesa apaixonada. Engoli em seco, observando cada traço do seu rosto perto demais. Quando ele se afastou, simplesmente virou as costas, deu longas pisadas e bateu a porta.
Que merda foi essa?
Levantei as beiras da blusa assim que consegui me sentar, olhei os curativos e os riscos que fiz na cintura e nas roupas. Eu estava um caco. Descalça, fraca, com um cobertor fino e um banheiro que não tem água de cano. E ainda deixei meu cárcere me beijar…
— Que merda eu tenho na cabeça?
Só porque encheu a cara e resolveu soltar duas palavras, eu deixei o cara me beijar! Merda! Notei com desgosto que atirei contra ele a única garrafa cheia, a vazia estava ali, intacta. Meu almoço estava diante dos meus olhos, mas nada para beber. Eu disse a ele que não bebo, grande mentira. Agora estou com pena de ter gasto a única cerveja que provavelmente irei ver pelo resto da minha vida.
[...]
Depois de finalmente comer, dormir, sentar, dormir de novo, beber a água da torneira do banheiro, sentar outra vez, e não conseguir pensar em nada. O lugar resolveu que criaria vida sozinho. Eu ouvi baques, ruídos, coisas caindo e… Gemidos?
Levei um tempo prestando atenção, me concentrei até identificar que os barulhos eram gemidos de sexo. Levantei devagar, subi as escadas com cautela e espiei a brecha inferior entre a porta e o batente. Eu simplesmente não consegui tirar os olhos do que vi.
A mulher que mostrava em minha visão tinha as veias de seu pescoço saltadas, como se fizesse algum tipo de força em específico. Seu corpo tinha solavancos bruscos para frente e a pequena mulher não parecia que ia suportar por muito tempo. Uma cena de sexo explícito. Os barulhos vinham das peças de prateleiras chacoalhando, e a cada solavanco a mulher gritava, quase estourando as marcas das veias roxas que queriam explodir de sua testa. Espera… Ela é a mulher que esteve aqui mais cedo. Misha, não é?
— Oh, por favor… Acaba logo com isso! — gritou entre seu sofrimento, e cerrou os dentes quando este enfiou as mãos em seus cabelos curtos, puxou-os para trás e a fez gritar.
— Não era isso o que você queria? Aguenta porra! — rosnou o ser humano que estava se socando nela.
Sua cabeça voltou para o lugar, seus cabelos curtos grudaram na beira de sua testa, e seus seios sofriam com a força de Iron. Sim, a voz era dele. As mãos eram dele, e o sofrimento da mulher eram causados por ele.
— Ah meu Deus! — ela gritou.
Sua boca se abriu, sem ao menos fazer qualquer som. Seus seios quase saíram do corpo com a força das espremidas e no segundo seguinte, eu o vi. Vi quando ele inclinou seu corpo sobre suas costas, enfiou a cara em sua nuca e teve o seu ápice.
Ele respirou fundo, virou o rosto devagar e eu podia jurar que ele estava me vendo, ou pelo menos vendo olhos entre as brechas. Eu me assustei. Saí do alcance de sua visão o mais rápido que pude e desci as escadas me encolhendo no sofá. O peito arfava. A visão do que acabei de ver foi basicamente surreal. O sexo entre eles não pareciam algo saudável, era como se Iron fosse apenas um animal em busca de alívio. Ela, um mero objeto de uso.
Não faço ideia do porquê eu não conseguia engolir direito. As cenas deveriam ao menos me chocar, mas era como se a curiosidade me mandasse espiar de novo. Isso me fez olhar para a porta, e mesmo abraçando meus joelhos eu podia jurar que estava sentindo o calor daquela mulher. Meu peito respirava com ansiedade. A visão da mulher basicamente implorando por socorro se repetia. O puxão dos cabelos, a voz grave surgindo e a violência dos solavancos eram… Eram… Excitantes.
— Da próxima vez que quiser ver alguém tendo o cú arrebentado, pegue a porra do controle e ligue no canal disponível. Putaria não vai te faltar. — Ele deixou sobre a mesa o meu jantar, cruzou os braços na altura do peito e me fez engolir em seco ao ser descoberta.
Eu sequer notei que ele havia entrado.
— Só… Ouvi barulhos e queria saber o que estava acontecendo… Não quis invadir a sua privacidade.
— Foda-se. Seus motivos não me interessam.
Abaixei os olhos, abracei meus joelhos mais ainda e respirei fundo. Eu não tinha coragem de olhá-lo nos olhos e estava me torturando por reparar nas curvas que seus braços faziam quando o movimento forçava seus músculos. A força do ato, parecia tê-lo deixado absurdamente tenso. Olhei para ele de esguelha, mas o homem me olhava de uma forma totalmente estranha. Impressão minha, ou a criatura dentro de si ainda não foi saciada? Será que ele estava pensando em fazer algo comigo?
Como em um suspense torturante, aquilo durou bem mais tempo do que deveria, mas para a minha sorte, o soldado do mal apenas virou as costas e me deixou sozinha de novo. Aquilo me fez respirar aliviada. Ou não.
Eu não sentia fome e não queria comer. Tinha alguma coisa de errada com a minha cabeça, a cena e o momento. Sentia as coxas apertadas, o suor mútuo no meu meio e a garganta seca demais. Aquilo me fez ir ao banheiro, abrir a torneira da pia e enfiar a boca no jato de água, e, não adiantou de merda nenhuma. Meu corpo levou alguns jatos no peito, refrescou a pele por cima mas o calor interno era o mesmo.
Eu me olhei no espelho, vi as bochechas vermelhas e as cenas não saírem de minha cabeça. O olhar maldito em minha direção, muito menos. Sem pensar, abaixei minha calça suja e a marca estava ali. Se eu nunca soube o que era uma excitação extrema, eu sabia agora. Eu literalmente escorri pelas pernas, molhei a minha calcinha e quando me toquei, meus dedos estavam babados.
— Não acha que devia fechar a porta pra fazer isso? — a voz da mulher que entrou em meus ouvidos me fez ter um salto de susto, e subir as calças o mais depressa que pude.
Ela riu e para a minha desgraça, Iron tinha seus olhos grudados em mim. Esse ser humano não fazia nem questão de disfarçar, e minha vergonha não sabia onde enfiar a cara. Sua sobrancelha arqueada para cima, parecia me dizer que ele gostou do que viu.
— Quem é você? — perguntei nervosa, tentando ao máximo não olhar pra ele. — Não é o que está pensando… — me justifico, de um jeito nada convincente.
A mulher magra, fina e alta, usava saltos. As roupas eram de um vermelho extravagante, seus braços tinham inúmeras tatuagens e o chanel branco davam à ela uma beleza peculiar. Ela fumava, usava brincos grandes e sorria para mim.
— Sore. — esticou as mãos, mostrando as luvas negras cumpridas até os cotovelos. — Você deve ser Érina. — continuou com um sorriso na voz. — Será que pode nos deixar sozinhas, irmão? As damas precisam conversar.
Irmão? Eles são irmãos? Eles não parecem irmãos! E mesmo com o pedido dela ele se manteve no lugar, o olhar curioso sobre mim e meu rosto vermelho até a testa. Ela percebeu algo de estranho no ambiente, inclusive meu desconforto e resolveu estalar os dedos para chamar a atenção.
— Iron, some. — sorriu ao ver o —quê— exatamente o homem —admirava—, sorriu para mim e esperou gentilmente que o irmão resmungasse até subir e bater a porta. — Um amor como sempre.
A mulher tragou mais um pouco do seu cigarro, andou à minha volta e analisou toda a minha extensão. Ela tocou em meus cabelos, olhou as minhas curvas e parou à minha frente de novo.
— Bonita.
— Obrigada, mas eu agradecia se me dissesse o que quer.
Ela andou devagar até o sofá, cruzou as pernas de uma forma ousada e expôs todo o decote das coxas. Bateu no assento ao seu lado e sorriu indicando que gostaria de me ver sentada ali.
— Soube do infortúnio que foi se encontrar com meu irmão e… Sinto muito pelo seu namorado.
E no mesmo momento, me recordei da morte de Denver, meu chefe; e não meu namorado.
— Ele não era meu namorado. Era meu chefe. Seu irmão o matou.
— É, ele faz isso às vezes. — sorriu.
— E você concorda com isso? — Mas ela, apenas deu de ombros.
— Eu não tenho que concordar com as ações de meu irmão. Ele é adulto, vacinado e não tem problemas mentais, então sabe o que está fazendo.
— Então concorda de eu estar aqui? — respondi ofendida. — Concorda de me ver aqui e saber que seu irmão me mantém refém sem motivo algum? E ele tem problemas sim.
— Eu não sou seu anjo da guarda, então guarde seus apelos pra um outro momento. — ela se levantou impaciente, enquanto eu ficava sentada. Rápido ela subiu as escadas e voltou com um copo de água na mão. — Vou lhe fazer uma pergunta e você precisa ser rápida e sincera. Prefere a morte, ou prefere esse lugar?
Eu não pensei. A resposta era óbvia.
— A morte. Eu quero a minha liberdade, se não posso ter, então eu prefiro morrer.
Ela estendeu o copo pra mim e sorriu.
— Então bebe, você vai virar uma defunta em menos de um minuto. Só precisa deixar o líquido bater no estômago. — Eu pisquei, a garganta ficou mais seca que antes e o nervosismo não me deixou mover um músculo. Para a minha surpresa, a mulher sorriu, enviou o copo para a boca e bebeu tudo de uma vez. — Nada como um blefe para descobrir a verdade. Você não quer morrer garota, só está com raiva. — ela bateu o copo na mesa e voltou a se sentar. — Iron é o tipo de babaca que não trata ninguém direito, então não se sinta exclusiva só porque tem o ódio dele. Se quer meter-lhe a mão na cara, entre na fila.
— Está me dizendo que devo aceitar isso? Desistir de fugir?
— Desistir não. O que você precisa entender, é que sua raiva não vai mudar nada. Não vai desfazer o azar de ter parado na frente dele.
— Azar? Eu estava trabalhando, eu tinha acabado de receber uma promoção e seu irmão simplesmente surgiu matando o meu chefe! Ele é um filho da puta babaca que só pensa nele, um bandido que deveria apodrecer na cadeia!
O tapa que veio no meu rosto doeu, ardeu e se eu não estivesse sentada, tinha ido parar no chão. Eu massageei o rosto e fiquei sem reação, me perguntando porque raios ela me bateu?
— É claro que ele deveria. — Ela se levantou, alisou a mão como se esta estivesse ardendo e deu alguns passos suspirando de costas. — Saiba que o soldado idiota do lado de fora desse lugar teve todos os motivos pra te enviar para o inferno, mas ao invés disso, me pediu um favor. Ele me pediu que viesse aqui e a tirasse desse lugar.
— Quer que eu o veja como um bom moço?
— Não. Quero que você entenda que podia estar pior e como você mesma disse, está em cárcere sem motivo algum, ou seja, você é descartável. No entanto, está aqui, viva.
— Não vou demonstrar gratidão a ninguém.
— E nem deve. Mas, vou te pedir a gentileza de não abrir a boca para falar o que não sabe. Iron é muitas coisas, mas eu lhe garanto que ele tem capacidade para tirar a própria vida do que se deixar ser manipulado pelo governo de novo.
— O governo não me colocou aqui!
— Não, o governo criou Iron. — sussurrou fria — Fizeram uma máquina de morte, usaram-na até quando foi útil, descartaram a praga e a deixaram no mundo pra morrer. Você não vai entender…
— Eu entendi. — interrompi a mulher que levantou o olhar e saiu de seus devaneios. — Já vi documentários sobre isso. Homens de guerra que não conseguem perder o instinto de guerra dentro de si. Isso justifica bastante coisa dessa merda, mas não me tira a vontade de ir pra casa. Meus pais pensam que eu morri, mas eu estou aqui. Viva. Prometo que não vou abrir a boca, então me deixe ir pra casa.
— Não vai abrir a boca?
— Não. — repeti com firmeza.
— Uma sobrevivente de um ataque terrorista, surgi dias depois de um jeito intacto. Você acha que só a polícia local vai bater na sua porta? — eu engoli em seco — Meu bem, Iron faz coisas que você nem imagina, e se descobrirem que um fio de cabelo ficou pra fora, outras pessoas virão limpá-lo. Você não tem mais vida lá fora.
O ar que bateu em meu rosto fez um choro intenso brotar de uma vez. As lágrimas foram instantâneas e só agora entendi o que me aconteceu. Nem Iron e nem eu desejávamos essa situação. Eu não tinha mais vida, e se eu fugisse seria exatamente para morrer.
— Então… O que me sugere? — perguntei tentando conter o choro, limpando as bochechas com as costas da mão e engolindo meu luto goela abaixo.
— Eu trabalho em uma casa noturna, mas já vou lhe avisando que o lugar pode ser pior dependendo do ponto de vista. Meus clientes, são do tipo que contratam os serviços de Iron, ou estão sujeitos à morte pelas mãos dele.
— Gente ruim…
— Demônios infernais. Mas é uma opção. Lá as pessoas não vão se importar com quem você é, apenas com o que você faz. — Então ela finalmente sorriu amenizando o clima, eu já tinha parado de chorar, mas estava um tanto… Relutante. — Me diga Érina, sexo é problema pra você?
Eu cocei o queixo, olhei para os lados e pigarreei.
— Não, eu acredito que deve ser algo muito bom. Desde que feito corretamente. Sabe…—
Ela franziu o cenho, entortou o rosto e arregalou os olhos.
— Meu Deus…—
Eu não precisei concluir a frase, a mulher já sacou tudo. E como se aquela conversa não tivesse existido, ela simplesmente saiu, fechando a porta atrás de si, só então me deixando chorar.