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Capítulo 4 - Iron

— Ela comeu? — Perguntou Kane.

— Mais do que você. — respondi colocando sobre a mesa a sacola vazia.

Eles se entreolharam e eu joguei uma das peças pra ele, na qual a olhou vendo meu bom trabalho. O dia seria como qualquer outro, trabalhando em uma sucata velha, esperando a poeira baixar.

— Já pensou no que vai fazer com ela? — perguntou Dom, descendo o capacete de proteção e iniciando uma solda às beiradas de um carro velho. — Ela viu demais. Devia ter vendado os olhos dela, mas ela viu o banco, o dinheiro, o caminho e nosso —falso— trabalho.

— Na verdade, a partir da hora que ela estava lá, já tinha visto bastante coisa, o resto é um detalhe. — comentou Kane sobre os argumentos de Dom.

Me mantive no meu precioso silêncio. Porque pensamos em todos os detalhes difíceis da missão, menos em trazer uma intrusa para os negócios. As coisas podiam ter fluído bem em minha cabeça, mas a coisa toda não estava nem começando. Essa merda de problema estava me deixando de saco inchado, cabeça quente e nervos estourados.

Pra ajudar, o carro de Misha e seus guardas de merda estacionaram a porta do estabelecimento. Kane e Dom imediatamente pararam o que estavam fazendo, se mantiveram em alerta e observaram a mulher bater os saltos no chão até chegar em mim.

— Oi, Iron. — sorriu exagerado tirando os óculos da cara e se sentando no carro velho. — Vim trazer os agradecimentos de meu pai. Ele ficou muito satisfeito com o seu trabalho, e claro, já deu as caras na televisão como um político preocupado.

— Seu pai tem sérios problemas mentais. — resmunguei.

Ela revirou os olhos e me observou limpar as mãos, depois deu uma olhada para o fundo e percebeu um barulho. Ótimo. Para a minha paz de espírito, Érina — a secretaria vadia — voltou a esmurrar a porta de aço, passou a gritar com força na demência e obteve a curiosidade de Misha.

— Quem é?

— Seu pai. — respondi impaciente e ela abriu a boca, não acreditando no que acabei de falar. — Não se intrometa Misha, e se já deu a droga do recado, vaza.

— Isso são modos Iron? Vim lhe dar um recado pessoalmente e está me tratando assim?

— Veio porque quis. — dei-lhe as costas, disposto a calar a boca de Érina novamente — E eu não sou otário Misha, diz logo o caralho que veio fazer e me dê o prazer da sua ausência.

Deixei minhas luvas de trabalho no balcão onde os murros insistentes de Érina eram maiores, mas alguma coisa a fez parar. Ótimo. Dispenso Misha primeiro, resolvo —esse— problema depois.

— Qual é, Iron? Não precisa fingir ser durão. Até eu já sei que existe uma flor dentro dessa pedra no seu peito.

— Você vai abrir o bico ou vai só encher o saco? — resmunguei.

Relutante, ela tirou de dentro do casaco um envelope pardo, deixou-o sobre o balcão e sorriu.

— Preciso que analise, meu pai quer uma resposta rápida. Ele paga o preço que for, mas dessa vez só na entrega.

Levei o papel até ela, deixando claro que não pegaria o serviço nem fodendo.

— Nem fodendo. Pega essa merda e enfia na bunda do seu velhote. Serviço pedido é serviço entregue. Meu trabalho é impecável, é por essa merda que o paspalho daquele velho fodido não procura outras pessoas. Setenta por cento na entrada, trinta por cento na entrega, ou, vire essa bunda pra trás e caminhe até a saída.

— Trabalha pro meu pai a muito tempo, e ainda não confia? — respondeu calma, sem se importar com meus —modos— de falar.

— Não trabalhamos para aquele merda.

Ela manteve o olhar, pensou e resolveu aproximar o envelope pardo à minha frente.

— Tudo bem, mas quero que analise o caso primeiro. Sabemos que você estão esperando a poeira abaixar, então você e seus cães vão ter tempo, com um único detalhe. Se toparem, eu vou junto.

Peguei o envelope um tanto grosso com uma pilha de papéis dentro, rasguei a porra toda e deixei os estilhaços caírem no chão.

— Não.

Óbvio que Misha está ofendida e eu estou cagando pra essa merda. Ela conseguiu se enfiar nos negócios do pai, mas não vai conseguir se enfiar nos meus. Kane e Dom já estavam à espreita e preparados para qualquer ataque que seus seguranças pudessem fazer, mas Misha. Ela tinha um —ás— nas mangas.

— Deve estar pensando que eu não consegui superar e só estou forçando uma aproximação. — sorriu tranquila — Mas acredite querido, dessa vez eu faço parte da —coisa— e sem mim, não tem como ir adiante. Além do mais, o pagamento é excelente.

— Então passe o trabalho pra frente, não vamos pegar.

Ela esconde, mas está transbordando o sentimento ferido. Ofendida ao extremo. E eu, estou pouco me fodendo pra essa merda. Só que Misha não quer desistir, ao ver que seu —ás— não adiantou.

— Qual é, Iron? Não estou forçando a barra. Eu preciso estar lá, como uma recompensa pelo objeto. Meu pai está disposto a pagar cinco vezes mais.

— Se tiver que levar você, eu cobro dez.

— Fechado. — respondeu de imediato. — Com tanto que faça essa merda, nós pagamos seu mercenário fodido! — alterou a voz, enfiou os óculos na cara e deu passos nervosos rumo à saída. — Eu te odeio Iron, que o inferno coma os seus restos pela eternidade! Miserável!

Misha saiu do lugar me fazendo pensar que porra de missão era essa, voltou com raiva e deixou outras cópias sobre o carro velho perto da entrada, mostrou o dedo do meio como respostas e sumiu pela estrada.

Kane foi o primeiro a dar a voz.

— Dez vezes o valor? Achei que ela ia te sentar a mão na cara.

— Isso pode ser a nossa aposentadoria cara. Dez vezes o valor é muita grana. — Dom pegou o envelope e se sentou junto ao balcão. — Mas eu tenho certeza que tem algo muito podre. É muito dinheiro, até para aquele velho.

Dom sentia o cheiro da merda à distância, isso não significa que não fazíamos o trabalho, apenas que cobrávamos mais caro. Sim, somos um bando de filhos da puta que trabalham para quem pagar mais. Consequências da guerra. Nós continuamos a fazer o mesmo que fazíamos antes, matamos pela grana. A diferença é que não vamos fincar uma bandeira no sangue derramado, fingindo que é a coisa certa.

— Ainda precisamos esperar a poeira baixar. — lembrou Kane.

— E vamos. Ninguém vai fazer nada por enquanto, até lá, eu vou investigar com Misha e falar com o velho.

— Cuidado, estamos contigo no que escolher, mas Misha é uma dor saco. As coisas vão ficar bem mais complicadas com ela no meio. — reforçou Kane

— Sei. — conclui.

Um barulho vindo da porta chamou a minha atenção, aquilo me fez lembrar que eu tenho outro problema nos fundos da casa. Érina. A moça da boca gigantesca.

— Boa sorte. — soltou Kane ao ver minha impaciência.

Infelizmente, Misha tinha o dom de drenar essa porra apenas com a sua presença. O que me fez abrir a porta com fúria e me deparar com a merda diante de meus olhos.

— Qual é a porra do seu problema?! — gritei, deixando a porta aberta e alcançando as pernas da mulher antes que conseguisse passar pela janela de ar minúscula, no alto do cômodo.

Ela quebrou a merda do vidro, usou um pedaço de uma cadeira de madeira para forçar o ferro e mesmo apertada, estava quase conseguindo sair. Puxei seu corpo, ela caiu machucada no chão, e gemia de dor nas laterais.

— Ah meu Deus! — gritou entre os dentes, gritou de dor e se encolheu tapando as laterais do corpo.

— Kane! Dom! — gritei por ajuda, estiquei o seu corpo e subi as roupas rasgadas, constatando que cacos de vidro entraram nas laterais do corpo.

— Tire as mãos de mim seu… — Ela tentou me bater, mas o corpo doeu, ela se entortou de novo e os caras se aproximaram.

— Mas que merda eim! — resmungou Kane ao ver o que ela mesma fez consigo.

— Consegue dar um jeito? — perguntei olhando que realmente alguns cacos entraram na carne.

— Consigo, mas já vou avisando a moça. Vai doer.

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Um caralho de uma eternidade fodida depois e Dom saiu do sótão limpando as mãos. Uma garrafa de cerveja estava na minha frente, uma outra eu ofereci para o cara, que se sentou sorrindo ao ver minha cara.

— Ela é forte, eim. — ele riu — Mandou a gente pro inferno um milhão de vezes.

Ele virou a cerveja e eu fiquei pensando na maldita cena do elevador. O beijo, o grito, o olhar de medo. Tudo sempre se repete. Nunca muda.

— Acho que não vou poder descer ali tão cedo. — comentou Kane se aproximando e abrindo uma cerveja pra si — Ela deixou bem claro que vai arrancar minhas mãos na próxima vez.

— Ela está com medo. E raiva. Não podemos ficar com ela Iron, não podemos ter uma mulher aqui. Sabe disso. — reforçou Dom.

— Eu não vou atirar nela. — resmunguei, vagando em meus pensamentos.

— Nenhum de nós irá. Sabe que às vezes precisamos de um lugar temporário, e isso fica mais complicado se tivermos que proteger alguém. — Kane reforçou — Procure pela Sore, você não vai puxar o gatilho mas vai deixar de ter uma responsabilidade, por enquanto. E o principal, vai conseguir pensar em algo definitivo.

Eu não dei minha palavra, mas pensei seriamente na ideia.

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O olhar ameaçador, fingindo estar sentindo apenas ódio, foi direcionado à mim com fé, força e vontade. Eu desci as escadas devagar, fiquei na frente da moça e ofereci à ela uma garrafa de cerveja.

— Eu não bebo, seu delinquente. — se encolheu em seu canto, abraçando a si própria no sofá e me fazendo ver que ela não mexeu na comida que Kane trouxe.

Foda-se. Mulher pra me tirar do sério é o que mais tem.

— Vamos ver se eu entendi a porra toda. — deixei a garrafa dela sobre a mesa, dei um longo gole na minha e me sentei no sofá vendo ela se afastar de mim. — Se eu for a porra de um cara fodido e fizer merda, eu vou ter o seu ódio. Se eu for um filho da puta educado, vou ter o seu ódio também.

Ela me olhou de esguelha, tive a leve impressão de que reparou nos meus braços enquanto eu apoiava os cotovelos no joelho, mas eu duvido seriamente disso. A garota está vazando raiva, e não fogo de boceta.

— Não quero nada de você, só a minha liberdade.

— Você só sai daqui morta. — joguei a realidade, vendo ela suspirar com a tristeza. — Você viu demais, assim como ouviu também enquanto metia a louca desgraçada na porta e só parou para espionar minha conversa com Misha.

Ela se encolheu, puxou um pouco mais da blusa suja para tapar os curativos que Kane fez e não conseguiu me olhar. A mulher apenas confirmou o que eu já sabia. Ela estava ouvindo atrás da porta.

— Não somos terroristas — falei por fim.

— Não. São idiotas babacas fazendo aquilo que lhe dá mais dinheiro. — bebi mais um gole, estiquei o corpo e suspirei de cansaço. — Qual é o próximo passo? Vai me estuprar? Me torturar? Pendurar minhas partes por aí e depois admirar meus pedaços?

Olhei para ela de lado, bebi um longo gole da cerveja esvaziando a garrafa de vez e deixei sobre a mesa.

— E depois eu sou o fodido que só pensa merda. — resmunguei com a insanidade que acabei de ouvir.

— Porque está conversando comigo?

— Porque eu bebi e tenho o leve problema de abrir a boca quando engulo álcool.

Me direcionei a porta, mas fui interrompido pelo baque de uma garrafa bater em minhas costas, estilhaçar no ar e manchar o chão de cerveja. Me virei, esfreguei a cara impaciente e vi ela arregalar os olhos percebendo que estava admirada pela garrafa não ter me derrubado. Bati a porta movido pela raiva, desci as escadas e vi que ela voltou a se sentar segurando um dos cacos que espirrou no chão. Peguei seu pulso, apertei até fazer ela abrir a mão e taquei a porra do objeto no chão.

— Se você quer ter a droga de um surto toda as vezes que eu entrar aqui, foda-se. — falei entre os dentes. — Só não acaba com a minha paciência, por que eu não estou te sentando a mão pra você fazer essa merda! Sacou?!

— Eu quero a minha liberdade! — gritou na minha cara, a milímetros do meu rosto.

— Pra que? Eu matei o puto que ia te foder, seus pais já estão em luto e o mundo lá fora está cagando pra sua existência. Me dê a porra de um motivo pra te deixar sair. — ela ia falar, mas se calou e da sua garganta, não saiu nada.

Em questão de instantes suas bochechas molharam. Em questão de instantes ela começou a chorar.

— Eu não preciso de você pra me lembrar dos meus fracassos. — falou baixo.

Fracasso. A palavra feriu feito ferro quente na pele do gado. Aquilo afundou nas merdas de umas memórias fodidas, nos períodos de guerra e nas ruínas de algumas missões. Uma delas, fracassadas até demais. A mulher a poucos segundos chorona, agora estava parada. Os seios subindo e descendo sem controle, olhando fixamente pra cicatriz em meu rosto. A boca úmida pelo choro, levemente saltada pela angústia, estava fodidamente gostosa e inchando o saco de qualquer homem viril.

— Não olhe. — murmurei, baixo demais pra uma conversa comum.

— Por quê?— seus dedos, agora livres alcançaram meu rosto e desenharam cada músculo firme da ferida cicatrizada. — Dói?

— A única coisa que está doendo, é o meu pau apertado nas calças querendo descobrir se sua boceta é tão bonita quanto sua boca.

Ela arregalou os olhos, afastou as mãos, mas não se moveu. Foda-se. Eu abaixei o rosto, e pouco me fodi se ela ia tentar me acertar de algum modo. Toquei a saliência rosada dos lábios, não notei impedimento e a cobri com minha boca.

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