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Capítulo 3 - Érina

— Em frente! — ordenou o homem.

Eu já não sabia o que sentir a essa altura do campeonato. Pensei em sentir medo, já que eles eram os caras maus. Pensei em sentir alívio, já que eu ainda tenho vida. Pensei em sentir esperança, mas só porque ela é a última que morre… Enfim. Perdi o trajeto todo tentando imaginar o que eu devia fazer, ou falar, por que fugir estava fora de cogitação…

Merda. Se eu tivesse ido pra casa… Mas como? Bem no dia em que eu fui promovida, o mundo resolveu acabar. Destino de bosta!

— Em frente. — rosnou a muralha armada me dando pequenos empurrões pra eu andar.

— Eu já sei! Eu já sei! — respondi entre os dentes.

Um ferro velho. Um ferro velho longe e distante de qualquer coisa, vida ou pedido de socorro. Eu estava socada e enfiada no meio de um ferro velho! Esse caramba desse cara não podia ser daqueles que roubam e ficam cheios da grana? Minha prisão podia ser mais decente…!

— Que lugar é esse? — pergunto nervosa.

— A disney. — rosnou irônico. — Em frente. — mandou de novo.

Já era noite, eu estava descalça e andava mais devagar que uma lesma. Eu tinha medo de rato, barata, aranha e esse lugar parecia ter tudo isso. O soldado do mal estava visivelmente impaciente com a minha lerdeza, e eu só queria gritar aos infernos a minha má sorte. Só não o fiz, pois no mesmo instante mais dois carros se aproximaram para o pátio adentro, saindo de lá seus dois companheiros de crime. O que me fez engolir em seco. Melhor gritar outra hora.

— Você ainda está aqui? — comentou um deles, agora sem nenhuma proteção do pescoço para cima, me permitindo ver de esguelha o rosto de todo mundo.

— Estou sendo um filho da mãe gentil. — resmungou de novo apontando para os meus pequenos passos.

Gentil o cacete! O que me fez olhar pra trás com raiva, fazer um bico horroroso e virar o rosto com mais raiva ainda. Aquilo fez os dois rir, o que me deixou com os nervos à flor da pele. Idiotas!

— Acho que você arrumou problemas… — comentou um deles.

— Engraçadinho. — retrucou Iron, o homem que me mantinha na linha de prisioneira.

Então é isso? Sou responsabilidade dele agora? Justo dele? Não tem nenhuma tia boa que cozinha e acalma o coração dos caras maus nesse filme pra me salvar?

Depois de uma eternidade mal conseguindo andar, um dos homens para diante de um grande galpão fechado por um portão enorme de aço. Uma porta é aberta, e eu sou obrigada a “seguir em frente”. O galpão é uma zona de desmanche, funilaria ou coisa assim. Está cheio de carros velhos, cheiro de tinta e máquinas que não faço ideia da utilidade. Aos fundos do lugar, havia um balcão escondendo acesso para um monte de parafernálias inúteis para mim, de onde se tinha muitos armários e prateleiras escuras.

— Lar, doce lar. — gritou fazendo eco, um dos soldados.

— Sério? — entortei a cara, não acreditando que ele chamava aquela zona de lar e acabei demorando pra perceber a cara feia que os três me fizeram, pra depois, um deles rir. — Desculpe. — Pronunciei pigarreando, sem saber onde socar minha cara.

— Em frente. — rosna mais uma vez o soldado do mal, deixando seus amigos para trás e me fazendo seguir rumo ao balcão.

Além de prateleiras escuras, o acesso era mal iluminado por uma luz amarela e para a minha desgraça, tinha uma escada no fim do meu trajeto. Era basicamente um buraco no chão, com uma portinhola escondendo o acesso e se passando de “falso” sótão.

— Eu vou ter que descer? — pergunto perplexa.

— Se quiser ir rolando, eu não estou nem aí. Em frente. — ordena.

“Por favor, ratos não”, pedi mentalmente enquanto bufava de raiva. Desci as escadas, fiquei dentro de um breu e atrás de mim o soldado acendeu a luz. O lugar só tinha algumas parafernálias metálicas, um banheiro minúsculo aos fundos, um sofá e uma televisão. Uma espelunca. Eu não sou rica, não vivo em mansões e dividia meu quarto com a minha irmã mais nova — que ironicamente já estava de casamento marcado —, mas sabia que a merda ainda podia piorar.

— Essa é minha prisão? — perguntei com cuidado.

O filho da mãe não respondeu. Apenas virou as costas e saiu, bateu a merda da porta, me fez pular com o estrondo e me trancou ali. Aquilo me deu vontade de chorar, mas não, eu não chorei.

— O que vão fazer comigo? — murmurei para mim mesma — Então é isso? Me tiraram daquele prédio pra me jogar em um buraco e apodrecer aqui? — soltei amargurada, deixando a revolta brotar em minha garganta. — Parece que sim. — Concluí.

Cruzei os braços com raiva me perguntando que tipo de bandido eles eram. Me fiz várias perguntas, inclusive a mais clichê. Por que eu?

— Não podem fazer isso comigo! — reclamei. Gritei. Enfureci. — Olha aqui, soldado do mal — engoli em seco tentando parecer a mulher maravilha, linda, forte e esplêndida gritando para o cômodo vazio —, minha família não tem um tostão furado, então esquece que nem pra resgate eu sirvo! Se quer dinheiro, eu não tenho!

Eu gritei. Gritei. Gritei e me esperneei de raiva! Filho da puta idiota! Ao invés de chorar eu estava com ódio, e quando minha raiva subiu às minhas narinas, minhas pernas me levaram até a porta e eu esmurrei o aço com tanta força, que o tilintar doía meus ouvidos com a ação.

Quase sofri um infarto e escondi os braços quando o soldado do mal abriu a porta, franziu o cenho e me olhou com cara dura. Engoli em seco, tapei a boca e não movi um músculo sequer. Ele ficou me olhando, pelo que pareceu uma eternidade fincou o olhar gélido sobre mim e sem saber o que me tomou, mostrei a língua, desci as escadas e mostrei de novo.

Ele ficou surpreso, notei pelo rápido levantar das sobrancelhas que imediatamente voltou para baixo, franzindo o cenho. O que ele esperava, uma donzela chorona aguardando a morte? Tá, eu sou chorona, com uma grande dose bipolar onde tenho ataques de raiva.

— Iron, não é? — abri a boca primeiro — Meu nome não é secretária vadia. É Érina. E enquanto eu tiver punhos, vou bater nessa maldita porta até minhas mãos doerem.E enquanto eu tiver voz, eu vou gritar.

O homem entrou, fechou a porta e desceu as escadas lentamente, calmo até demais. Eu notei que nesses poucos minutos ele se livrou do armamento pesado e o colete a prova de balas, mostrando uma musculação bem… Bem chamativa, se não fosse o fato dele ser o cara mau. Abriu uma gaveta pequena embutida na mesa de metal e tirou um pano, fita e uma corda.

Eu pisquei devagar, engoli em seco e tentei correr pelas escadas. Sem chance. Dessa vez eu mal consegui dar o primeiro passo. Com a força de seus braços, ele me prendeu contra o sofá. Eu gritei, esbofetiei a praga e senti o pano seco adentrar minha boca. Eu arregalei os olhos e no mesmo momento, uma fita foi colada de bochecha a bochecha em mim. Sobraram meus braços, mas estes foram levemente amarrados às beiras do sofá, me obrigando a ficar deitada, calada e sem mexer os braços. Merda! Eu estava vulnerável e o canalha poderia fazer o que quisesse comigo.

Mas, ele não o fez.

Com a cara de poucos amigos o homem se levantou, bateu as mãos como quem havia se sujado e me olhou por tempo demais. Senti um frio na espinha, mas me mantive relutante e remexendo com a força de minha raiva, tentando falar todas as verdades que queria para aquele idiota, sem conseguir.

— Agora não tem como gritar e nem como esmurrar a porta. — Eu me aquietei, porque realmente achei que ele ia fazer algo, não que estava apenas solucionando “esse” problema. — Boa sorte na sua próxima tentativa.

O homem saiu, trancou a porta e ali fiquei chorando, pensando na vida que lá fora deixei. Com os pensamentos em casa. Com os pensamentos em todo lugar, até chegar em Iron.

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O sofá, até que confortável, não foi uma boa cama na minha primeira noite. O tilintar de metal contra metal e o estrondo do lado de fora me incomodavam. E claro, pela dor do braço pra cima e a boca cheia de pano.

Para a minha surpresa, Iron — o soldado do mal — estava bem próximo, de costas e mexendo com algumas peças sobre a mesa. Eu me mexi devagar, vi a porta trancada e a televisão ligada. Me movi tentando não fazer barulho, mas para a minha surpresa, as cordas já estavam soltas e só precisaram de poucos movimentos para se afrouxarem

Os pulsos marcados estavam doloridos, minha boca ainda estava com o pano seco e mesmo com o homem de costas, imaginei que eu já podia me libertar. Peguei a ponta da fita e de um jeito dolorido, puxei até libertar os lábios e poder molhar a boca seca. Limpei a boca e quase morri de susto com a voz grave cortando o ambiente.

— Não ia esmurrar a porta até suas mãos doerem…. Érina? — murmurou olhando pra suas peças, sem mover um músculo das costas.

Idiota. Iron é o tipo de homem grosso, de voz grave e do mal. Meus sentidos diziam pra eu não mexer com a fera, mas o meu outro lado queria fugir, antes que alguém fizesse sopa do meu lindo corpinho. Suas costas eram largas, e bem altas. Eu era um palito miúdo perto dele e o pior, não sabia nem como me defender de um cachorro, então… Como me defender dele? Se bem que eu acho que, se ele fosse fazer algo, já teria feito.

— O quê quer? Veio me libertar? — rosnei, assim como ele faz.

Sem olhar para trás ele tirou de sua frente e levou para o lado uma sacola até a ponta da mesa, de onde eu podia ter na minha visão. Comida. Algo para eu comer!

Não que eu quisesse mostrar desespero, mas eu estava com o estômago colando nas costas. Não queria ter cruzado minhas pernas, rasgado a sacola e bebido a garrafa de suco, ingerido o sanduíche em poucas mordidas e respirado fundo com o fim do lanche. Mas, foi exatamente isso o que fiz. Pior ainda, eu não queria “agradecer”, mas o arroto involuntário que brotou na garganta, gritou para o ambiente inteiro que eu estava satisfeita.

Eu tapei a boca. Olhei para as costas do homem, mas ele parecia alheio às minhas ações. Relaxei em seguida, olhei a minha volta e tive minha atenção presa à televisão.

A tela não muito grande em cima de um móvel simples, mostrava uma reportagem sobre um atentado. Sem que eu percebesse, me levantei do sofá e aproximei meu rosto, sentando sobre os joelhos em frente a claridade. Um atentado terrorista foi identificado no centro da cidade, atingindo três prédios exatamente onde eu estava. A notícia me arrepiou e as imagens eram preocupantes. Poucas pessoas estavam desaparecidas nos escombros, e duas delas eram eu e meu chefe. Eu vi minha mãe chorando, de onde ela pensava que eu não tinha mais vida, já que não fomos vistos saindo do edifício. Meu pai estava ao seu lado, junto a família de Denver, todos preocupados.

Terroristas.

A palavra terrorista ficou em minha mente, grudada como um chiclete preso embaixo na mesa. Devagar e de um jeito trêmulo, eu virei a cabeça para olhar em minhas costas. Iron trabalhava em algumas peças polindo-as com uma lixa de uma forma tranquila, sem preocupação com o mundo e sem se importar com as notícias nos jornais. Como se a vida fosse simples assim. Eu voltei a olhar para a tela, sentindo o peso da lágrima salgada queimar a bochecha de novo.Tapei a boca para que ele não percebesse o choro e engoli o que pude pra não me soltar ali.

Terroristas? Eles são terroristas?

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