Capítulo 02
Não consegui dormir ao lado de João após a discussão que tivemos no dia anterior, portanto, dormi em um dos quartos de hóspedes. Meu marido não estava mais em casa quando despertei para tomar o café matinal, no entanto, havia me deixado um áudio no telefone, pedindo desculpas pela briga boba. Briga boba? Era assim que ele tratava todas as nossas discussões como sendo tolices, briguinhas bobas, mas não era nada disso, era algo sério que ele fazia questão em fingir que não. Nossas brigas me magoavam tanto, não costumávamos ser um casal de discussões, vivíamos antes em paz, tudo acabou se perdendo, eu não sabia de quem era a culpa se minha ou dele.
Decidi de última hora sair de casa, espairecer as ideias, qualquer lugar bem longe de Marta. Ela estava feliz por saber de mais uma discussão minha com o meu marido, percebi isso quando ela serviu o café da manhã e falou orgulhosa de que João tinha saído muito cedo e que o pobre coitado deveria ter dormido pouco por não ter dormido do lado da esposa. Não tinha nada que ela não soubesse da nossa casa, cada dia que passava eu sentia mais raiva da presença daquela mulher, mas eu não poderia dizer nada, não da Martinha de João, assim como ele a chamava carinhosamente.
Escolhi uma das minhas melhores roupas, me perfumei bastante antes de sair do meu quarto, de qualquer maneira a fofoqueira da minha empregada falaria para João da minha saída, portanto, daria reais motivos para ela fofocar, que ele sentisse raiva e explodisse quando soubesse.
— Vai visitar o seu marido na empresa senhora? — questionou, com seu olhar de peixe morto.
— Marta, alguma vez me viu visitar meu marido no trabalho? De onde tirou isso, querida? Estou indo curtir e não tenho hora para voltar! Diga ao seu patrão quando ele vier almoçar que a mulherzinha dele levou aquele carrinho azul que ele tanto ama. Obrigada por sempre ser tão preocupada com nossas vidas, não sei o que seria de nós sem você.
Para finalizar meu sarcasmo sorri para Marta e segui meu caminho até a garagem. Entrei no maldito carro azul do meu marido e liguei o som bem alto. Qual seria meu destino? Compras, claro! Queria gastar até não ter mais limite nenhum no cartão de crédito, contudo, minhas compras seriam todas doadas aos necessitados. Fiquei algumas horas comprando o que seria útil para os moradores de rua, então, distribuí tudo. Passava do meio-dia quando resolvi parar em uma lanchonete e comer qualquer coisa, o ambiente era agradável. Meu sossego logo cessou quando meu telefone começou a vibrar na bolsa.
— Eu sabia que aquela fofoqueira contaria tudo para meu marido. — resmunguei, rejeitando a ligação.
Paguei minha conta na lanchonete e resolvi alugar uma garagem para guardar o carro. Eu queria voltar à escola de dança que frequentava antes de casar. Caminhei empolgada até o local. Fui muito bem recebida por todos, afinal de contas, modesta parte, eu era uma das melhores. Um dos meus eternos arrependimentos foi não seguir com a carreira na dança. O som e toda aquelas garotas juntas era difícil de não me emocionar.
— Vamos, Elise, mostre para as novatas todo seu rebolado. Garotas, ela é a melhor, nossa antiga professora costumava dizer que o potencial dela era enorme. Por favor, nos mostre um pouco dos seus passos, tenho certeza que todas que estão aqui vão ficar encantadas e inspiradas. — Olivia disse implorando para mim. Éramos amigas quando dançávamos juntas.
Fiquei envergonhada, ouvir uma professora de dança falar daquela maneira de mim não esperava. Eu deveria recusar o seu pedido? Jamais! Entreguei minha bolsa para Olivia e abri um largo sorriso.
— Me senti desafiada! Vamos lá, meninas, não quero dançar sozinha!
Quando a música começou a tocar meus pés pareciam flutuar na pista de dança. A dança foi me envolvendo como sempre ocorrera, costumava sentir o ritmo em todo meu corpo. Todas começamos a dançar juntas no mesmo ritmo. No instante que a música parou elas me aplaudiram. Todos os elogios que recebi deixaram-me muito sem graça.
— Em qual grupo de dança você ensina? Quero seu telefone, não posso mais perder o seu contato outra vez. Podemos dançar juntas, Elise, sempre que você tiver um tempo livre, pois vi que é casada ainda.
Olivia aparentemente demonstrou muita empolgação com a possibilidade de estar diante de uma professora talentosa tanto quanto ela. A coitada logo descobriria que minha vida era cuidar da minha casa e do meu marido. Ela na época que falei que largaria tudo para me casar, afirmou que para um espírito livre como o meu, não conseguiria manter muito tempo o casamento, entretanto, ela se enganou.
— Também não quero perder o seu contato, mas, você cometeu um pequeno erro, não sou professora de dança, infelizmente não segui a carreira. Cuido da casa e do meu marido, no entanto, frequento algumas festas, porém, muito chatas.
— Festas chatas? Dona de casa? Isso tem que mudar, uma mulher como você não pode continuar vivendo assim. Olhando pra você, vejo um olhar triste, e não é para menos, você tem vivido uma merda, desculpe te dizer isso, mas é o que eu penso.
Como uma mulher que há anos não me via conseguiu me ler? Não sabia que minha infelicidade estava estampada no meu rosto.
— E você continua solteira? Qualquer relacionamento desgasta um pouco, Olivia.
— Não fale em relacionamento, você sempre soube no que acredito, eles não valem a pena.
Confesso que fiquei surpresa com sua resposta, uma mulher linda de olhos verdes e corpo escultural continuava com o mesmo pensamento de antes. Nunca soube o real motivo dela ser tão contra relacionamentos como era.
— Você não quer ter sua própria família? Nunca desejou ter filhos? — questionei.
— Já sou mãe de pets. Não quero filhos ou toda essa baboseira. E você pensa em ter filhos?
Não consegui conter as lágrimas com sua pergunta, então, ela se desesperou supondo que falara algo errado. Esperei ficar mais calma e lhe contei toda minha história e de como havia perdido minha filha. Perdi um pouco a noção do tempo enquanto conversávamos sobre nossas vidas, trocamos telefone e retornei para garagem onde deixara o carro do meu marido e retornei para casa. Eram quase sete da noite e como de costume encontrei a folgada da Marta jogada no meu sofá, ainda por cima com os pés em cima da mesinha de centro. Virei o meu rosto e fingi que não tinha a visto daquele jeito e segui para o quarto onde havia dormido na noite passada.
Eu queria me esconder do meu marido e o quarto era o melhor lugar da casa para isso, portanto, adentrei e tranquei a porta. Comecei tirar minhas roupas e fui em direção ao banheiro. No momento que entrei no banheiro e encontrei um homem sentado no vaso-sanitário, berrei e tampei os olhos com as mãos.
— Cunhada, sai daqui, agora! Você está pelada na minha frente, caralho! Estou cagando e você entra assim?! Esse não é um quarto de hóspedes? Meu irmão disse que poderia ficar nele. Sai de uma vez porque além de cagado ficarei de pau duro vendo você assim na minha frente!
A sensação que senti foi de que o sangue do meu corpo havia ido embora. José Maria chegara de surpresa e toda aquela situação me fez fazer xixi antes de conseguir sair correndo do banheiro. Mijada e humilhada ainda consegui enrolar o lençol no meu corpo e caminha até o meu quarto.
— Não foi assim que imaginei que reveria meu cunhado, não foi...
Resmunguei bastante fora de mim enquanto caminhava pelo meu quarto. Como eu encararia José Maria? Flagrei ele usando o trono e ele me viu totalmente pelada! Meu marido não poderia saber do que houve ou a confusão seria das grandes. João era ciumento apesar de o nosso casamento estar nas últimas.