03
Os dias eram difíceis pra mim. Eu trabalhava inclusive no sábado e domingo. Sábado era dia de faxina em casa, lavar as nossas roupas. Levar as crianças no parquinho e comer sorvete. No sábado o Vitor não trabalhava, então como eu ficava por casa também, ele ficava de olho nas crianças. Ele não fazia nada além de colocar na TV um programa infantil e ficar ali no sofá mexendo no celular. Enquanto eu ficava com todos os afazeres.
Mas tudo bem, eu já estava acostumada.
Meu corpo já era resistente a tanto trabalho.
Inclusive eu estava acima do meu peso!
Sou baixinha, tenho 1.60, com 85 quilos. Então já sabem né? Tinha uma barriguinha que me incomodava muito. Me sinto feia porque nenhuma roupa ficava decente sem colocar uma cinta apertada. Minhas camisetas são largas e visto calça tamanho 44. Não estava feliz por isso. Mas não conseguia mudar meu hábito alimentar, porque a minha vida era tão medíocre que o único prazer, eu sentia ao comer. Ou os meus filhos.
Eu me acho bonita de rosto, sou loira, meus olhos são verdes e redondos, meu nariz é bonito, pontudinho e pequeno, meus lábios são rosados, carnudos em baixo e pequeno em cima, minhas bochechas são normais, e não tenho nenhuma imperfeição no rosto, e meu cabelo é liso, porém ondulado e é bem bonito. Ele é até às costas. Não vou no salão de beleza, por não ter tempo, mas eu mesmo cuido com os melhores shampoos e produtos para o cabelo. Como sou eu que faço as compras de casa, então compro sempre do melhor. Pra mim e meus filhos. Sempre tive isso comigo. Ainda compro coisas boas para o Vitor. Mesmo ele sendo um marido escroto, ainda faço o bem pra ele. Na esperança de um dia ele reconhecer o meu esforço e mudar o seu jeito.
Eu não estou querendo dizer que ele sempre é ruim. Porque ele não é, às vezes ele está de bom humor. E trata bem, eu e as crianças. Mas isso é somente às vezes. Quando está tudo bem no trabalho ou o dinheiro está como ele quer.
Eu não quero mais amor e carinho dele, até porque de um tempo pra cá, eu aprendi que mereço mais do que migalhas. Mas eu penso nas crianças. Eles sim, precisam de um pai. E como eu já disse, às vezes ele se porta como um.
Ele é mecânico numa oficina que ele tem junto com um amigo dele.
Ele tira um dinheiro bom por mês, mas não sei quanto. Pois ele nunca diz. Eu não participo das finanças dele, ou seja, eu e as crianças não estamos inclusos nos planos dele. Não pergunto quanto ele ganha, porque me cansei. Eu estou louca para dar um basta nessa vida, preciso mudar... Então estou planejando fugir dele. E levar meus filhos comigo. Mas claro que pra isso, eu preciso me submeter a mais tempo passando por isso. Porque ainda não tenho o valor ideal pra um recomeço.
Há poucos dias eu abri uma conta poupança no banco Santander, não instalei aplicativo, para ele não saber que tenho essa conta ativa. Depositei a quantia de 5.000,00 o valor que eu estava guardando em outra conta. Ele nem desconfia disso. Mas ainda não é o suficiente pra fugir dele. Com isso não vou nem na esquina, ainda mais com três crianças.
Preciso ser forte e trabalhar ainda mais, fazer mais doces e mais salgados, vender mais coisas. Eu sei que vou conseguir.
Hoje é segunda feira, estou levantando como sempre, às 05:00 para fazer as minhas receitas.
Hoje vou fazer bauru de calabresa com cebola e frango com catupiry. Semana passada eu fiz essa receita pela primeira vez e deu super certo. Vendi tudo e recebi várias encomendas.
Então começo com a massa. Porque os recheios eu já deixei picado ontem à noite, e o frango, já está desfiado. Só falta colocar o catupiry e mexer.
Depois de sovar a massa e deixar descansar por quarenta minutos, eu vou fazer um bolo de chocolate com cobertura de brigadeiro e recheio de beijinho. O famoso bolo prestígio. Amo essa receita e também vende muito bem. Enquanto a massa assa no forno, eu frito alguns pastéis que já deixei preparados ontem. Tem pastel de frango, carne, pizza e queijo.
Depois de fritar coloco tudo num recipiente térmico e com papel alumínio, pra manter eles bem quentinho.
Tirei o bolo e coloquei o bauru assar. Eu sou rápida na cozinha. Enquanto um assa vou fazendo o outro e assim o tempo passa e consigo fazer muitos salgados.
Para não demorar muito, em vez de fazer um bauru por vez. Eu peguei e abri a massa bem esticada, recheei com a calabresa e cebola e depois fechei num formato de pão caseiro. Bem grande e comprido.
O outro de frango e catupiry a mesma coisa. Fiz dois de cada, e depois de pronto, eu pincelei com uma gema e coloquei assar. Tenho dois fornos em casa, compramos justamente pra facilitar o meu serviço.
Enquanto os baurus assam, eu recheio o bolo de chocolate.
Depois do bauru pronto, eu corto em pequenas fatias e coloco em outro recipiente térmico, enrolado em papel alumínio.
O bolo estava lindo e fofinho. O recheio ficou perfeito e a ganache de cima ficou lisinha e brilhosa. Cortei em fatias e coloquei em outro recipiente térmico com tampa. Arrumei as minhas coisas. Tudo pronto para sair junto com as crianças. Hoje consegui acabar mais cedo.
Olhei as horas e me surpreendi por ser apenas 07:15 da manhã. Ainda não vou acordar as crianças, então coloquei o feijão cozinhar. A carne que vou fazer hoje para as marmitas já está temperada. Hoje vai ter, arroz, feijão vermelho com calabresa, macarrão alho e óleo, carne de panela, farofa, salada de brócolis e beterraba. O restante eu faço mais perto do almoço. Tem as saladas cruas também. E hoje vai ser alface e tomate.
Depois de colocar o feijão, fui tomar um banho e me arrumar...
Coloquei uma calça jeans preta, com uma camiseta amarela larguinha. Ela é comportada porque se o Vitor ver qualquer pedaço de seio à mostra, já diz que estou me oferecendo. E pra não arrumar briga cedo, eu faço o que pede... Odeio ter que brigar por algo, que sei que só vai me estressar.
Depois de pentear os cabelos, fui no quarto dos meus bebês chamar eles.
__ Bom dia minha princesa, vamos acordar? – chamo a Sophia primeiro porque ela já sabe se vestir sozinha...
__ Tô com sono mamãe. - ela diz manhosa.
__ Eu sei meu amor, mas já é 07:35, está quase na hora de ir pra escola.
__ Tá bom. – ajudo ela a tirar o pijama, e coloco o uniforme nela... Ela está meio sonolenta porque ontem eu deixei ela acordada até às 22:00, o que normalmente no meio da semana eu não deixo passar das 20:00.
Depois de arrumar os cabelos dela num coque bonito, eu chamo o Gael...
Troco a fralda dele e coloco o uniforme e dou a mamadeira. Ele já mama sozinho no berço. Enquanto ele mama faço o mesmo com o Theo.
Parei de amamentar eles quando tinham seis meses. Porque eles começaram na escolinha e ficavam o dia todo longe, então o meu peito secou e comecei a dar leite em pó integral. Eles não acharam ruim e nem eu, porque eu tinha pouco tempo para me sentar e amamentar eles. Foi bom assim... Já a Sophia mamou até os dois aninhos. Mas era intercalado com outro leite.
Depois de prontos, levei eles para a cozinha e dei leite com Toddy, um pedaço de bauru pra eles comerem. Não comeram muito, por não acordar com fome. Já a Sophia comeu mais, porque ela não mama na mamadeira.
Eles já estavam de dentes escovados e café tomado... Era 08:15 e o Vitor não levantou ainda. Saí para levar eles na escola. Mas antes coloquei o café passar na cafeteira, e deixei um pedaço de bauru, pastel e uma fatia de bolo para o abençoado comer.
Peguei meus filhos e coloquei eles na bicicleta. Adaptei a bike para eles. Na garupa tem uma cadeira para a Sophia e o Gael. E na frente para o Théo.
Ainda bem que a escola deles é bem perto.
Depois de largar eles na sala deles, voltei pra casa, para pegar as coisas e sair vender... Chegando em casa vejo o Vitor sentado tomando o café e rindo para alguma coisa no telefone. Mas ao me ver ele muda a expressão. E diz:
__ Bom dia Clara, o dia rendeu hoje hein? Fez bastante coisa... Espero que consiga vender tudo! – ele diz mastigando o bauru.
__ Bom dia Vitor, o que achou do bauru?
__ Gostei mais desse de calabresa com cebola. Acho que vende todos. O de frango, achei um pouco sem graça. E o bolo está bem molhadinho. Muito bom, parabéns. Ah e o pastel você já sabe, é sempre bom, você é ótima cozinheira. – ele diz e acredito nele, porque isso eu sei que sou. Mas estou surpresa que ele me elogiou hoje. Normalmente ele não fala muito. Só diz: “Está bom” . Não que eu precise de elogios para trabalhar bem, mas de vez em quando ouvir que o que você faz é gostoso. É muito bom... Dá um ânimo a mais.
__ Obrigada Vitor.
__ De nada, você sabe que estou investindo na oficina né? – ele diz assim do nada, porque é a primeira vez que compartilha comigo algo sobre o seu trabalho.
__ Não sabia não. O que está comprando? – pergunto me sentando e tomando o café da manhã.
__ Uma máquina de levantar os carros, ou elevador mecânico. Eu já tinha um, mas estragou, ela era da oficina já, estava toda enferrujada e sempre quebrava quando se precisava dela. Agora comprei uma financiada, e o dinheiro que você me deu, eu dei de entrada. Então obrigado. Sem a sua ajuda eu nunca iria conseguir manter a oficina.
__ Minha ajuda? – pergunto surpresa.
__ Sim, quando quiser ir lá ver a oficina vai notar as coisas novas que compramos e as reformas que estão quase prontas.
__ Que bom que pude ajudar você Vitor. – digo mastigando meu pastel de queijo.
__ O seu negócio é bem rentável. Eu estava pensando porque não tira a carta de motorista e começa a levar as suas quentinhas e as coisas que vende no carro? Eu te ajudo na carteira.
__ Sério? Você deixaria eu dirigir o carro? - pergunto realmente empolgada.
__ Sim Clara, o carro é nosso. Você me ajudou a comprar também. – ele diz e isso me surpreende.
__ Tá bom, eu vou pensar nisso.
__ Tudo bem, mas agora preciso ir. Tchau! – ele me dá um beijo no canto da boca e se vai.
Meu coração ficou disparado com a aproximação dele. Ainda o amo, isso eu não tenho dúvidas, mas também tenho medo dele. Estou surpresa com essa atitude repentina. Só não sei dizer se é por interesse ou o que ele disse é verdade. Porque normalmente quando ele quer algo, ele vem mansinho assim. Depois que consegue, ele esquece que eu o ajudei a conquistar. Mas quando quer novamente outra coisa, ele vem dizendo o que gosto de ouvir. Que eu o ajudei e que ele é muito grato a mim.
É sempre assim. Isso é o que uma pessoa tóxica e narcisista faz. Ela te dá migalhas porque sabe exatamente como te desarmar.
E as pessoas com dependência emocional, acreditam em poucas palavras trocadas...