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02

Não posso ficar só reclamando da minha vida, porque eu tenho a minha parcela de culpa nisso tudo, infelizmente quando recebi o meu primeiro tapa, eu perdoei. Acreditei no homem que dizia me amar.

Aí então veio o segundo tapa, e era para eu fugir, mas então eu estava grávida. E voltei. Nós nos reconciliamos e tive a minha primeira gestação, tranquila por assim dizer, realmente ele não me bateu mais naquele ano. Eu tive a nossa Sophia, linda e perfeita. E o Vitor parecia que havia mudado da água pro vinho quando ela nasceu. Ele queria ser um pai presente.

E ele estava conseguindo...

Até o dia que descobrimos que eu estava grávida novamente, nesse dia, ele se transformou numa fera. Porque ele disse que a culpa era minha de não me cuidar. E não dele que gozava dentro.

Eu não queria mais filhos, pelo menos não dele, mas veio, o quê fazer? abortar não era e nunca foi uma opção pra mim!

Quando fiz a primeira ultrassom e vimos que era dois meninos gêmeos idênticos, ele ficou feliz.

Não brigou mais comigo e mantive a gravidez até o final, na mais santa paz.

Eu trabalhava, cuidava da nossa bebê e ajudava nas contas... Ele não precisava se preocupar com a comida, porque eu sempre dava um jeito...

Deus me deu o dom de ser uma ótima cozinheira e confeiteira, eu fazia bolo recheado, coxinhas, pastéis, sanduíches, pizzas, ou marmitas, e vendia muito bem. Dessa forma eu conseguia manter a casa e passar o tempo com os meus filhos.

Mas o dinheiro foi ficando escasso quando o Vitor comprou um carro, e detalhe, antes de comprar ele veio com os papos de que era pra vender as coisas que eu fazia, só para eu ajudar ele na compra. Juntei dinheiro com ele, para dar a entrada, trabalhei ainda mais, comecei as faxinas, e intercalava com os meus salgados e doces... Consegui a escola pras crianças, e tive mais tempo pra fazer as coisas.

De manhã, acordava às 05:00 e começava a assar os meus pães, bolos e salgados, às 08:00 eu levava as crianças pra creche e já saía pra vender. Vendia tudo até às 10:30 e chegava em casa e terminava de preparar a comida que tinha começado a dar andamento bem cedo. Montava as marmitas e saía de novo pra vender... Tudo isso de bicicleta.

A tarde, às 14:00, eu tinha minhas faxinas. E depois de fazer tudo isso, chegava em casa as 17:00, arrumava toda a bagunça que havia ficado da manhã, preparava algo para o café e ia buscar meus pequenos na creche às 18:30. Era uma correria os meus dias. Sentar? Eu nem sabia o que era isso. Porque quando meus bebês chegavam eu tinha que dar atenção a eles, fazer jantar, adiantar as coisas de amanhã, lavar roupas e limpar a casa. Eu só tinha tempo de tomar um banho e dormir igual uma pedra, orando a Deus que nenhuma das crianças acordasse no meio da noite precisando, ir ao hospital. Porque senão eu estaria ferrada.

Como eu dizia, ajudei o Vitor a comprar o carro, ele comprou uma Saveiro de cinco lugares e demos de entrada 30 mil reais. Ele assumiu mais parcelas com seguro de 900,00. E ainda pagava o aluguel de 1.300,00. Então do bolso dele saía 2.200,00 por mês... E eu arcava com o resto e gasto em torno de 3.500 à 4.000 por mês. Eu ganho nas minhas faxinas, em média de 150,00 por tarde. É uma agência de faxinas de escritórios. Em três horas consigo limpar em torno de dois ou três escritórios por tarde. Dependendo do quanto está sujo. Mas como vou mais de uma vez por semana no mesmo, então é mantido a organização e limpeza. Sou rápida e posso dizer que fica bem feito. Tenho carteira assinada, e recebo por semana. Às vezes levo as coisas que faço pra vender nesses escritórios. Tem dias que chove e não tem com ir de bicicleta e então eu deixo pra levar a tarde.

Todos os dias eu faço coisas diferentes.

Às vezes eu faço bolo recheado, ou bolo de pote, pastéis, pão de queijo, rissoles, no outro dia faço mini pizzas, sanduíches, pão caseiro, no outro faço Cup Cake, biscoitos e nega maluca, bolo de cenoura, às vezes faço uma cuca de banana ou goiaba. E assim por diante, não sigo essa ordem, só quero dizer que nunca repito o cardápio. Sempre levo coisas diferentes... E vende muito bem, só com as minhas vendas eu tiro mais de 8.000,00 por mês tirando as despesas já, fora as marmitas. Que sempre tem uma coisa diferente também. Sou bem criativa nas refeições. Vendo as marmitas nas obras, lojas, fábricas e na praia. Tem muita gente que compra. Cada marmita eu vendo por 15,00 e por dia consigo tirar em torno de 750,00. Porque levo em média 50 marmitas. Às vezes menos ou mais, dependendo do que faço. E só das marmitas eu tiro uns 20 mil por mês.

Mas eu era tão tola, depois de tanto trabalhar sem ajuda do Vitor, eu chegava em casa e dava o dinheiro na mão dele. Ele me devolvia o dinheiro que eu precisava para comprar os itens para repor e fazer mais lanches, mas o meu lucro por ter feito tudo, eu nunca via.

Fui ficando mais esperta com o tempo. Mas demorou!

Depois de alguns meses ou anos, não vendo a cor do dinheiro, eu aprendi que deveria juntar um pouco pra mim. Porque tudo o que eu dava na mão do Vitor eu não via mais a cor, não sabia o que ele fazia e ele não comprava nada pra casa, pra mim e nem para as crianças.

Mas como ele não poderia desconfiar que eu juntava dinheiro, eu apenas aumentei o valor dos meus produtos. Da marmita eu aumentei 3,00 e dos salgados aumentei uma quantia também. E com isso comecei a juntar uma graninha, eu queria tirar a carta de motorista, pra ver se o Vitor liberava o carro pra eu ir trabalhar. Depois que ele comprou o carro ele ficou menos ranzinza, não quero dizer que ele melhorou, mas ficou mais leve o clima em casa.

Eu trabalhava muito e ele chegava às 19:00 em casa e se sentava. No começo eu não me importava muito, porque fui criada por uma mãe que dizia sempre que o homem era o provedor do lar e ele merece descansar quando chega. Depois que me casei era a mesma ladainha, minha mãe sempre dizia: “Ele paga o aluguel então ele merece o descanso. Se não vocês estariam na rua”. E eu não dava bola porque tinha isso na minha mente.

Fui criada pelos meus pais, aqui no Rio de janeiro mesmo, eu e mais dois irmãos que hoje são machistas também, porque foram criados por uma mulher que sempre valorizou mais o trabalho do homem, do que o próprio. E eu me lembro que meu pai fazia o mesmo que o Vitor faz hoje. Só nunca eu vi ele bater nela.

Minha mãe trabalhava fora com as quentinhas dela, dia e noite, limpava e cozinhava para os outros e para nós. Mas mesmo assim ela dizia que não fazia mais que a obrigação dela. O meu pai trabalhava de carpinteiro e ela valorizava muito o esforço dele. Hoje ele tem a empresa dele de casas pré moldadas, mas antes disso ele era funcionário.

Eu sempre tive essa referência de mãe, uma que colocava o bem estar do marido e filhos, acima do seu. Claro eu não estou culpando ela e nem o meu pai por eu ser tão submissa hoje, mas é complicado você enxergar a vida com outros olhos quando se tem isso na cabeça. Minha mãe sempre foi submissa e eu via meu pai sendo bom pra ela. Nunca o vi levantar a mão pra minha mãe... Mas porém quando acontecia algo assim e a gente ficava sabendo, minha mãe sempre dizia: “Tem que ver o que ELA fez de errado” ou “Ele não fez isso sem motivo”. Ou seja a minha mãe sempre dava uma justificativa para a agressão de um homem no casamento, ou seja, a culpada sempre era a mulher. Então já dá pra ter uma ideia de quem eram os filhos prediletos dela né?

Tendo isso em mente, eu sempre me culpava quando apanhava do Vitor.

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