ESTOU PERDIDA!
Karen
Nunca estive tão nervosa e ansiosa para que chegasse logo o horário da saída. Primeiro porque enfim era o momento da minha libertação desse lugar e segundo porque estava nervosa só com a possibilidade do cretino do navalha cumprir com a sua palavra.
Se eu o conheço bem tenho certeza que ele já está lá fora. Aquele dali sempre cumpria com aquilo que prometia. Apesar de ter entrado nessa vida errada continuava tendo alguns princípios, e o principal deles era a palavra.
Olhei para o relógio e faltavam apenas cinco minutos para que chegasse o horário da saída. Continuei observando atentamente as últimas orientações do professor e também da inspetora. E dentro de pouco tempo enfim o sinal tocou.
Terminei de guardar meu material e levantei para sair da sala. Fui até a janela e ao olhar para a rua noto que não havia nenhum carro parado. - Ai! Graças a Deus que Igor decidiu sair do meu pé e não apareceu por aqui. - logo pensei
Me afastei da janela e quando estava indo em direção a rampa que dava acesso a saída do colégio sou surpreendida pela cretina da Tessa.
- Me solta garota! O que você quer?
- Quero saber o que tá rolando ou rolou entre você e o Igor?
- Éramos amigos e nada mais. Porquê? Interessou?
- Não só interessei como quero ele pra mim. E você sabe né faveladinha, tudo o que eu quero consigo.
- Faveladinha? Isso mesmo que ouvi? - indaguei me aproximando e colocando seu corpo contra a parede
- Além de favelada, manchada ainda é surda garota? - dizia num tom arrogante
- Hoje é o último dia letivo, não é mesmo? - questionei sarcástica enquanto notava um círculo sendo formado em nossa volta
- Ficou louca? Claro que sim. Sorte minha nunca mais ter que cruzar com um encosto como você. - dizia tentando se afastar, mas era praticamente impossível
- Então já posso fazer algo que sempre tive vontade de fazer durante todos esses quatro anos em que estive aqui nesse lugar. - dizia a encarando e percebendo seu semblante antes sarcástico dar lugar ao espanto
- Do que está se referindo? - Tessa pergunta assustada
- Estou me referindo a isso.... - nesse momento dei dois tapas um em cada lado do rosto daquela vaca prepotente, racista, preconceituosa e desgraçada da Tessa.
Segurei no seu pescoço a empurrando contra a parede com toda força e ódio que sentia naquele momento.
Ela tentou revidar, mas foi impedida por um rapaz que nunca tinha visto antes por ali.
- Você me paga sua cadela! Me solta Kayo, me solta... - o tal rapaz a segurava com bastante força e a encarava no fundo dos seus olhos sem dizer sequer uma palavra
- O que está havendo por aqui? Parem com isso já! - a inspetora ordenava
- Se tem alguma cadela aqui não sou eu queridinha! É tão preconceituosa que está de quatro por um traficante favelado e nem ao menos se tocou né querida? - disse tais palavras e noto o tal Kayo me olhar surpreso ao ouvir tais palavras de minha boca
- Que história é essa Tessa? Desde quando você está saindo com alguém e ainda por cima traficante? Responda Tessa! - o rapaz ficou furioso, com certeza deveria ser namorado dessa cretina e estava desse jeito ao descobrir que topinho de lixo era a Tessa
- Ela está mentindo Kayo. Nunca me interessaria por ninguém que não fosse você meu amor. Muito menos por um traficante favelado daqueles.
- Para um traficante favelado até que você adorou o guenta que ele te deu hoje na entrada do colégio né querida? - disse sarcástica e ela tenta vir pra cima de mim e novamente é impedida pelo tal Kayo
- Realmente sou um estupido por ter vindo até aqui fazer uma surpresa para você te convidando para participar da minha equipe de dança para o concurso da Latitude. Bem que me avisaram que você nunca passou de uma interesseira e agora percebo que estavam repletos de razão.
- Concurso? Você disse concurso? - perguntei olhando em direção ao tal rapaz
- Isso mesmo. Um concurso de dança na EDL, o prêmio será de 300 mil reais para os primeiros colocados, além de uma bolsa de estudos integral. Sabe dançar? - perguntava enquanto tirava um papel do bolso da sua calça pantalona
- Kayo não acredito que irá me trocar por essa desqualificada?
- Se existe alguma desqualificada e sem caráter aqui é você Tessa. Qual é o seu nome? - perguntou olhando em meus olhos e estendendo sua mão me fazendo corar
- Me chamo Karen. - disse retribuindo o aperto de mão
- Prazer! Me chamo Kayo. Esse é um panfleto do concurso. Caso tenha interesse é só ir até lá para preencher sua inscrição. Há... A taxa de inscrição é de 100.00 e você precisará de uma equipe formada por no mínimo oito componentes.
- Nossa! Oito componentes? Mas, sempre dancei balé sozinha. - respondi entristecida
- Só que o ritmo do concurso é outro bastante diferente do balé. Lá só dançaremos Street Dance.
- Dança de rua? - questiono surpresa
- Isso mesmo ou então pode ingressar em algum grupo que já esteja formado.
- Como o seu?
- Isso mesmo. Bom, o panfleto está aí e quem sabe não nós esbarramos por lá né!? Boa Sorte Karen! - ele se afasta e a cachorra da Tessa vai correndo atrás
- Obrigada! Realmente irei precisar. - disse andando em direção a saída do colégio e observando aquele panfleto.
Esse concurso parece que caiu do céu, com esse dinheiro resolveria todos os meus problemas e ainda conseguiria abrir a escola de artes na comunidade.
Mas, como irei fazer para conseguir o dinheiro da inscrição e ainda mais sete pessoas que queiram dançar comigo?
Ai... Esquece isso Karen, pois não vai rolar. - disse em pensamento soltando o ar pelas minhas narinas e guardando o panfleto dentro da mochila
Com tudo o que ouve esqueci de absolutamente tudo, até mesmo do chato do Igor que surge do nada enquanto caminhava em direção ao ponto de ônibus.
- Que susto praga! Isso é jeito de aparecer?
- Porra Karen, vim aqui te dar maior moral e é assim que tu me chama? De praga?
- Ai... Você tem razão! Desculpe pelo modo como acabei de te tratar é que estou um pouco chateada, só isso. - dizia cruzando os braços cabisbaixa
- O que tá pegando Karen? Teve algum rolo aí no colégio com essa playboyzada?
- Só tiveram as bofetadas que estava devendo para a tua queridinha Tessa.
- Tu bateu na mina por quê?
- Pode tirar esse sorrisinho do rosto viu, porquê não teve nada haver contigo. Aquela cretina preconceituosa estava merecendo isso a muito tempo. E tem mais, a tua lindinha tem namorado viu!? Ou tinha... não sei bem ao certo.
- Melhor ainda, assim você não precisa ficar mais com ciúmes da gente.
- Se toca Igor. Muito mal somos vizinhos e olhe lá. Nunca teremos nada um com o outro. Já está ficando chata essa sua insistência. Eu não quero e não posso me relacionar com ninguém nesse momento. Será que não entende?
- Porquê Karen? Tudo por conta do Cauê pô? Quando você vai entender que ele nunca gostou de você de verdade? Que ele sempre te usou?
- Que ideia fixa que você tem com o Cauê heim! Pô! A razão de não querer e não poder ter compromisso com ninguém é outro.
- Qual?
- Uma hora todos irão perceber mesmo, então é melhor falar logo de uma vez. Mas, me promete que você não vai abrir esse bico heim Igor. Promete?
- Prometer o que? Nem sei do que tu está falando pô.
- Tá bom! Vamos lá! Eu tô grávida do teu futuro chefe quebra ossos. Entendeu agora o motivo de não querer ninguém na minha vida?
- Porra Karen! Quanto tempo tu sabe disso?
- A algumas semanas, já estou com três meses de gravidez.
- E Cauê sabe?
- Só a Michelle quem sabe e você agora. Tu não vai abrir esse bico heim Igor, senão nunca mais olho na tua cara.
- Beleza! Não vou contar nada, mas tu sabe que não pode esconder essa parada por muito tempo né?!
- É... O pior de tudo é que você tem mesmo razão. Daqui a pouco minha barriga vai crescer mais e não terei como esconder de ninguém. Mas, até isso acontecer continuamos como antes. Ou seja nunca te contei nada sobre meu bebê. Entendido? - disse o encarando e ele somente consente em afirmativo com a cabeça
- Bora lá que te levo pra casa barrigudinha.
- Me leva de ônibus? Obrigada, mas por são ir sozinha.
- Tu é foda mesmo hein! Não baixa a guarda nenhum pouco. Claro que não vou te levar de ônibus, estacionei a minha carreta na rua de trás pô!
- Porquê tão longe?
- Tu ainda pergunta? Lógico que foi pra não correr o risco de você fugir quando me visse parado na frente do colégio né!? Pensa que sou otário?
- Até que está ficando esperto hein... Tô gostando de ver.
Saímos andando em direção ao carro do Igor e seguimos direto para a comunidade. Estava exausta e louca para chegar em casa tirar essa roupa e tomar um banho demorado. Ainda precisava descansar um pouco porque a noite com certeza o bar vai lotar e como sempre serei somente eu para ajudar dar minha mãe em tudo.
Espero que ela esteja em casa e tenha preparado o almoço delicioso de sempre. Antes já sentia uma baita fome e agora com a gravidez aumentou ainda mais.
Igor ligou o rádio enquanto conversávamos um pouco e dentro de algum tempo chegamos até a Kelson's. Por ser final de semana a rua estava movimentada, tinhas as crianças empinando pipa na praça, jogando bola no campinho, as tias sentadas na rua e todos arregalaram os olhos quando perceberam que estava no mesmo carro que o navalha.
Esse povo não se toca viu, por mais que tenhamos somente uma vida eles sempre se achavam no direito de bisbilhotar e opinar sobre a vida alheia.
Continuamos nosso caminho até que chegamos em frente a minha casa. Igor desceu do carro caminhando em minha direção abrindo a minha porta. Ele estava tão educado que até me sentia mal por tê-lo tratado daquela maneira mais cedo.
Desci e fui agradecer por todo o cuidado que teve comigo. Fui até ele e dei um beijo no rosto e um abraço apertado. Ele somente aceitou e não disse sequer uma única palavra.
Me afastei e nem sequer notei que estávamos sendo observados. Até Igor me segurar pela cintura e me puxar para um beijo. Ao contrário da outra vez não o empurrei, simplesmente aceitei e aproveitei aquele carinho.
Estava tanto tempo sem ter alguém que se preocupasse comigo de verdade e ele tem sido sempre tão carinhoso comigo que acabei não resistindo e retribui o beijo dele. Estávamos de boa nos beijando escostados no carro até que de uma hora pra outra sinto um puxão brusco no meu braço e um cheiro intenso inconfundível tomando conta de todo o ambiente.
- Que porra é nessa aqui? Desde quando tu tá saindo com a minha mulher navalha? - Cauê gritava apontando a arma em nossa direção
- Tua mulher é o caralho Cauê! Karen e tu não tem mais nada a muito tempo nessa porra. Geral sabe que tu passa o rodo em geral nessa merda aqui e ela não faz parte desse pacote não cumpade. - navalha retrucou me colocando pra trás dele
- Uma vez minha mulher sempre será minha mulher... Tu entendeu isso navalha? Tá virando cachorro pra ficar pegando sobras?
- Vai te fuder quebra ossos... O único bicho que tem aqui é você. Tu pensa que é o todo poderoso, mas quem manda aqui na Kelson's é o Coroa. Tu ainda não comanda porra nenhuma aqui tá ligado!
- Tu dúvida do poder que eu tenho por aqui? Dúvida que estouro teus miolos agora mesmo aqui na frente da tua puta seu bosta?
- Puta é o caralho rapá... e esses lixos que tu anda seu filho de uma cadela. Karen é muito mulher, coisa que tu nunca vai saber seu merda.
- Tá abusado pra caralho navalha, mas pode crê que de tua cova foi aberta e meus filhotes vão amar roer todos os teus ossos. - disse com a pistola apontada em direção ao navalha
- Quer guerra seu filho da puta? Tá achando que vou arregar nessa merda? Sou sujeito homem rapá e o vento que corre aí também corre aqui cumpade. Canta pra subir que tua hora chegou quebra ossos covarde do caralho. - disse destravando e apontando minha pistola pra cara dele
- O QUE TÁ ACONTECENDO AQUI CAUÊ???? QUE BAGUNÇA É ESSA NA MINHA COMUNIDADE???? HEIN?????? RESPONDE SEU MOLEQUE???? - Coroa chegou na hora jogando o carro em cima de nós e apontando a fuzil na cabeça do Cauê
- Padrinho não tive culpa de nada, tô limpo nessa pô. - navalha dizia baixando o olhar
- Tô sabendo de tudo filhote. Tô sabendo de muitas paradas e não tô gostando nada. Bora parar com essa merda aqui, tem serviço pra tu lá na boca navalha e tu Cauê tô no teu aguarde na minha sala pra nós desenrolar uma parada aí. Tô saindo agora pra resolver uns B.O mas quando voltar quero te ver lá no meu aguarde. Entendeu rapaz?
- Sim senhor! - Coroa voltou pro carro seguindo seu caminho
Navalha entrou no carro e seguiu pra boca. E Cauê tinha desaparecido como num passe de mágicas. Eu estava completamente trêmula com tudo o que havia acabado de acontecer. Respirei fundo indo em direção a entrada da casa, até que sinto um puxão no meu braço e uma voz no meu ouvido.
- Agora tu vai me pagar sua puta do caralho!