6. Bonequinha
Após as aulas, Katya e Nina – que eram da mesma turma –, foram dar uma volta pela cidade, procurarem novidades nas vitrines das lojas.
Havia uma nova loja, cuja fachada era rosa, e o nome era “Merverine”. Katya e Nina pararam e observaram a vitrine. Nina não se animou quando viu as bonecas e olhou para um lado e para o outro, nervosa.
— Vamos logo, Katya! Se os outros nos virem olhando bonecas vão nos zoar pro resto do ano. — Disse Nina. — Como se não fosse o bastante sermos pirralhas.
Nina e Katya estavam naquela fase em que queriam envelhecer logo porque se achavam jovens demais. Tentavam parecer menos jovens, usando maquiagem forte (que faziam no caminho para o colégio ou no colégio, quando seus pais não estavam por perto para reprovar aquilo), minissaias, decotes e salto alto.
Se funcionava? Bem, para Nina, nem tanto… O comportamento imaturo dela a entregava. Mas com Katya era diferente. Ela não só conseguia aparentar fisicamente que tinha quinze ou dezesseis anos, como também, se comportava de acordo. Não era difícil. Ela era uma garota esperta e bastante observadora. Aprendia fácil qualquer coisa que se dispunha a aprender.
— Elas são perfeitas! Observe os traços de expressão.— Falou Katya fascinada.
— Quem se importa? São só bonecas e… — Nina nem terminou de falar sua frase e percebeu que Katya havia entrado na loja. — Ah, não! Katya? — Nina entrou na loja, atrás dela.
Katya parou em frente a uma estante e observou as delicadas bonecas de silicone. Havia outras, feitas de outros materiais, como pano e porcelana, todas perfeitas, mas as mais realistas, sem dúvida alguma, eram as de silicone.
Anastasiya se impressionara com o realismo das bonecas feitas de silicone, que inicialmente, eram feitas para “entretenimento adulto”; e fizera um curso com um doll maker para aprender a técnica. Depois, criara bonecas menores que pudessem ser compradas por crianças. Aliás, ela achava um sacrilégio profanar uma boneca da forma como a indústria de entretenimento adulto fazia. Bonecas eram mais que meros objetos decorativos ou divertidos, eram receptáculos que podiam abrigar uma alma, uma bênção ou uma maldição.
Anastasiya sempre gostara de bonecas, mas se tornara fascinada por elas, após uma visita a Tailândia, onde ouvira falar de sessões espíritas, intermediadas por bonecas, e denominadas Jelangkung. Também tinham as bonecas Luk-thep; bonecas semelhantes a crianças (ou réplicas perfeitas), que eram abençoadas por monges e traziam sorte e proteção. Acreditava-se que após a bênção do monge, um espírito podia habitar a boneca. Muito popular no país, não era raro ver adultos (sim, adultos) andando com essas bonecas a tiracolo, para cima e para baixo, tratando-as como se fossem crianças reais.
Só que os comerciantes se aproveitavam disso e vendiam supostas bonecas Luk-thep, já “abençoadas” por até cinco mil ou mais. Anastasiya fizera a sua própria boneca e levara para um monge abençoá-la. Depois, ela pesquisara sobre outras possíveis técnicas de transformar uma boneca em um receptáculo, e foi quando decidiu procurar seu tio. Eles não se viam desde que ela era muito pequena. Mas ela encontrou o hospital psiquiátrico onde ele estava internado e conseguiu falar com ele. Só que seus pais descobriram e notaram que ela estava obcecada com aquela ideia. Resultado… Ela foi trancafiada contra a sua vontade num hospital psiquiátrico e diagnosticada com esquizofrenia paranoide. Mas estava livre e retomaria suas pesquisas. Não pararia até conseguir o que tanto queria, provar a todos que estava certa, e que nem seu tio nem ela eram malucos.
Quatro bonecas em tamanho real chamaram a atenção de Katya e ela se aproximou delas, curiosa e fascinada.
A primeira boneca era loura, com cachos perfeitos, e usava um vestido azul, de tecido fino. Tinha orelhas pontudas como um elfo.
A segunda era ruiva, com cabelo curto. Usava um vestido vermelho com bolinhas brancas, ao estilo anos 80.
A terceira… Katya parou na terceira, ignorando a quarta. Essa era branca, com olhos e cabelos castanhos. Usava um vestido rosa, ao estilo tomara que caia, parecia que ia a um baile do colégio. Era tão linda e tão realista, talvez, mais que as outras. Katya aproximou sua mão do rosto dela, mas não a tocou. A “boneca” sorriu. Katya riu e recuou.
— Oi? Sou Anastasiya, a dona da loja. — Disse ela saindo de onde estava. — Desculpe se te assustei.
— Não… Imagina? Não me assustou, não. — Disse Katya sorrindo. — Sou Katya Aristova.
— Oh, prazer, Katya. Fique à vontade para dar uma olhada por aqui. — Anastasiya foi para trás do balcão. Katya a seguiu e parou em frente ao balcão.
— Essas bonecas… Onde você compra? São tão realistas. — Falou Katya.
— Sou eu mesma quem faço elas. — Disse Anastasiya.
— Não brinca? Sério? Uau! Quem dera eu fizesse também. Seria fantástico! — Falou Katya.
— Uma futura concorrente? — Brincou Anastasiya.
— Oh, não. — Falou Katya sem graça. — Estava mais pensando em fazer algo para mim mesma, como uma coleção, talvez.
— Não, só estou brincando! — Anastasiya riu. — Se tiver mesmo interesse, posso ensiná-la. E quem sabe, você não trabalharia comigo? Seria legal ter alguém para me ajudar. Daí, poderia vender pela internet também, para pessoas de fora. Seria mais rentável, embora, faça isso mais por hobby que por dinheiro.
— Mas dá dinheiro não dá? — Nina perguntou.
— Sim. Há muitos colecionadores que buscam peças únicas. Por isso, se quiser se destacar nesse negócio é importante ser criativa.
— E quanto você cobraria para me ensinar? — Katya perguntou.
— Isso depende… Quanto poderia pagar? — Anastasiya a encarou como se a avaliasse.
— Bem… Diga-me seu preço. — Falou Katya, tímida.
Anastasiya pegou sua câmera digital.
— Se importaria de posar para mim? Gosto de criar bonecas inspiradas em pessoas reais.
— Você não respondeu a minha pergunta. — Disse Katya apoiando os braços no balcão e se inclinando para frente, aproximando seu rosto do de Anastasiya.
— Vou fazer um folheto com os módulos do curso, as opções de aprendizagem e as propostas de pagamento, daí você escolhe. Passe aqui amanhã e te entrego isso. E quanto à foto?
— O quê? Quer me fotografar assim como estou? Mas eu devo estar horrível! — Falou Katya recuando e passando as mãos em seus cabelos, ajeitando-os.
— Você está perfeita. — Disse Anastasiya saindo detrás do balcão. — Além do mais, posso moldar sua boneca de diferentes formas, com penteados e roupas variados, a partir de uma única foto. Basicamente, só preciso capturar seus traços.
— Bem, se é assim. — Falou Katya e ficou parada, séria.
Anastasiya bateu uma foto.
— Pode sorrir agora, por favor? — Pediu Anastasiya.
Katya sorriu, timidamente, o que lhe conferiu um ar meigo, bem como Anastasiya esperava.
Anastasiya bateu outra foto.
— Maravilha! Você é perfeita! — Ela sorriu. — Só preciso de uma foto de perfil agora.
Katya riu e virou-se. Anastasiya bateu a foto.
— Perfeito. Creio que seja o bastante! Assim que sua boneca ficar pronta, não deixe de passar aqui para pegar seu exemplar.
— Puxa! Quanta honra ter uma boneca minha. Me sinto famosa, agora. — Falou Katya, lisonjeada.
— Ah, também quero uma boneca minha! Posso? Por favor? Diz que sim! Eu sempre fui muito fotogênica! — Disse Nina brotando de repente.
Anastasiya a olhou bem, analisando-a.
— De fato. Se não se importar em posar para mim.
Sem nenhuma cerimônia, Nina posou, exibindo seu melhor sorriso. Anastasiya a fotografou. Nina era mesmo fotogênica. Não tinha medo das lentes. Parecia uma modelo.
— Humm… Já fez um book antes? — Anastasiya perguntou a Nina.
— Sim, vários. — Disse Nina sorrindo, orgulhosa.
— Ela é garota propaganda Luminix e foi miss Zelenoborskiy três anos seguidos. — Falou Katya com certo enfado no tom de sua voz.
Nina vivia se gabando por isso. De sua turma era a mais popular. Katya era popular por associação, ou seja, porque andava por ela. Na verdade, mesmo sendo popular, ninguém gostava muito de Nina ou ela não gostava muito dos outros. Algo parecido acontecia com Katya. Ninguém gostava muito dela. Nina só tinha a Katya e Katya só tinha a Nina. Juntas, elas eram alguma coisa, mas separadas, não passavam de garotinhas bobas que fingiam ser gente grande.
— Humm… Legal. E quanto é o seu cachê? — Anastasiya perguntou. Talvez fosse interessante contratar uma modelo para comerciais de sua loja. Ela estava mesmo precisando trabalhar na parte do marketing.
— Em torno de cinco mil, mas se fizer bonecas minhas, pode me pagar menos da metade. Não me importo. Não faço pelo dinheiro mesmo. — Os pais de Nina eram donos das lojas Nina’s e Luminix, duas boutiques concorrentes das lojas Lyssa, cujo dono era o pai de Daniel.
— Se seus pais concordarem com isso… — Falou Anastasiya.
— Ah, então fechou. — Nina sorriu triunfante. Sabia que seus pais gostavam de aparecer tanto quanto ela.
† † †
Yulia foi à festa de Abel, acompanhada por sua amiga Bonnibelle Konek, já que Branka preferiu ficar em casa.
— Oh, você veio! Fico feliz. Pensei que não viesse. — Disse Daniel se aproximado de Yulia.
— Imagine se recusaria um convite seu. — Falou Yulia.
— Fico feliz. — Daniel disse e reparou em Bonnibelle.
— Essa é Bonnibelle Konek, uma amiga. — Yulia disse a apresentando a Daniel.
— É um prazer. Sou Daniel Chernikov — Ele estendeu a mão.
— O prazer é meu. — Bonnibelle apertou a mão dele e olhou ao redor, fascinada. — Sempre quis conhecer esse parque, mas nunca tive a oportunidade.
— Sim, pertence ao avô do Abel, é mesmo incrível. Espero que se divirta. — Daniel disse.
Avim Moskov se aproximou e após cumprimentar as garotas, avisou Daniel que Abel o estava procurando para tratar de um assunto importante. Daniel resmungou e foi atrás de Abel. Avim fez companhia as garotas.
† † †
Nem um dos irmãos Aristova disse uma palavra durante o jantar. Dmitry ainda estava bravo com suas irmãs e elas com ele.
Após o jantar, Dmitry foi para seu quarto e as garotas levaram a louça até a cozinha para lavar, como sempre faziam. Quando acabaram, foram para seus quartos e se trocaram.
Elizaveta decidira que iria aquela festa de qualquer forma, e Katya também. Lana não fazia questão de ir e tentara convencer suas irmãs a ficarem, mas, ao perceber que não as faria mudar de ideia de forma alguma, decidira ir com elas. De jeito nenhum que ela ficaria ali sozinha com Dmitry.
As três pularam a janela do quarto de Lana porque ficaram com medo de cruzar com Dmitry lá embaixo. Ele costumava ir para a sala, algumas vezes, assistir documentários longos e idiotas.
Já na festa, Elizaveta foi encontrar suas amigas, e Katya foi procurar por Nina. Lana acabou ficando sozinha, parando em um canto pouco iluminado e acendendo um cigarro.
Parte dos brinquedos do parque como o carrossel, a roda gigante e a montanha-russa funcionavam, e muitos se aventuravam como crianças.
O trem fantasma não estava funcionando, quer dizer, estava, mas ninguém se atrevia a ir lá. Nem mesmo casais que queriam se pegar em um lugar escuro. Lana encarou o trem fantasma e sentiu-se atraída por aquela atração sombria. Era como se algo a estivesse chamando até lá, e quando ela deu por si, estava parada em frente à entrada.
— Lana… — Ela ouviu um sussurro feminino que veio de dentro do trailer.
— Aonde pensa que vai?
Lana virou-se para trás, ligeiro.
— Avim?
— Não, gata… Sou o gêmeo irresistível. — Falou Mikhail passando a mão por seus cabelos castanho escuros.
— Foi mal. Está escuro e… — Lana disse, sem graça.
— Tudo bem. Dessa vez passa. Mas o que tá fazendo sozinha aqui? Não tem medo de um doido aparecer de repente, te arrastar para dentro do trailer e fazer coisas com você? — Mikhail a agarrou pelos ombros, e a encarou, sombrio.
Lana riu e disse:
— Oh, por favor!
Mikhail recuou, rindo.
— Tá… Sorte sua que sou gay.
— Duvido que fosse esse tipo de cara. — Lana disse.
— Até porque sou lindo e as minas caem morrendo em cima, já os gatos que são bons… Nada. Bosta de país. Odeio isso. Sério, um dia, vou me mandar para um lugar onde possa ser eu mesmo, sem me importar com que os outros vão pensar a meu respeito.
— Nunca entendi porque meus pais deixaram os Estados Unidos para virem para cá. — Lana colocou um cigarro entre os lábios de Mikhail e o acendeu.
— Ainda bem que posso contar com você para manter minha farsa. — Disse Mikhail após dar um trago em seu cigarro e sorriu.
— Que isso? Nós somos amigos, mesmo você tendo uma queda pelo MEU Damir. — Ela riu.
— Ah… O que tem demais? Ele nunca vai me dar bola mesmo. Não devia se preocupar com isso. Além do mais, mesmo que desse, não trairia você. — Falou Mikhail.
— Que fofo! Quase acredito. — Falou Lana, jogando seus braços em volta do pescoço dele.
— Você não é muito diferente de mim, docinho. — Falou Mikhail.
— Do que está falando? — Lana perguntou, sem entender.
— Sei que você não gosta de homens, e se comportar como uma vadia, não vai mudar isso, querida. Somos o que somos e ponto. Se gosta de mulher, se joga! Não fica com medo desses filhos da mãe, homofóbicos, não. — Falou Mikhail.
— Eu gosto de garotos, só não consigo… Você sabe… Chegar ao clímax sem me sentir terrivelmente culpada depois. — Falou Lana.
— Coisa de sapatão, não assumida. — Mikhail revirou os olhos e tombou a cabeça para trás.
— Nada a ver… É só que… — Ela queria contar a ele o que a travava, mas não conseguiu e se aborreceu.
— É que… O quê? — Falou Mikhail, voltando a encará-la.
— Esquece! Vai ver, você tem razão e eu dê mais sorte com garotas. — Lana se afastou dele.
† † †
Abel apresentou Ivana Erikeev a Daniel e Richard, e logo de cara, os dois gostaram dela.
— É muito bonita! — Disse Daniel tocando o cabelo dela, e se voltou a Abel. — Acho que ela seria uma adição interessante ao nosso grupo, caro amigo.
— Ei? Devagar aí? Não vai assustar a moça. — Disse Abel, rindo.
— Me desculpe? Mas do que disse que é mesmo esse grupo? — Perguntou Ivana, visivelmente, nervosa.
— A Arte Do Horror… — Respondeu Abel — Tal como o nome sugere, exploramos os medos mais profundos dos outros. Apreciamos tudo o que causa pavor alheio… Palhaços, fantasmas, bonecas…
— Bonecas? Tipo a Annabelle do museu dos Warren?— Ivana disse.
— Há pessoas que tem medo de bonecas e manequins. — Falou Daniel.
— Não tenho medo dessas bobagens. — Falou Ivana.
Os rapazes riram.
— Mas todos temos medo de alguma coisa, minha cara. É o que nos torna humanos. — Falou Daniel.
— Então… Acho que não sou humana, porque nada me assusta. — Falou Ivana, inexpressiva.
Abel e Daniel se entreolharam, intrigados com Ivana.