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Inconsequentes

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Daniele A Claudino
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Resumo

Anzhelika sofre com coulrofobia e após ser vítima de uma brincadeira de mau gosto de seus primos, passou um tempo internada. Agora ela está de volta e terá de lidar com os fantasmas do passado e a implicância de seu primo Abel, que não a suporta. Enquanto tenta se adaptar à sua nova rotina, ela passa a receber mensagens estranhas e suspeita de Abel. Estaria ele tentando enlouquecê-la ou a lenda do arlequim Tordo é mesmo real? Segundo a lenda, se as portas do Parque Di Maureova se abrirem outra vez, o Tordo retornará para a todos matar. Anzhelika deve descobrir em breve, pois, sua mãe pretende reabrir o parque. "A gente nunca conhece as pessoas, só a parte que elas permitem que conheçamos".

romance

1. O canto do Tordo

|Zelenoborskiy, Rússia. Verão de 2014

Talya Di Maureova conseguiu convencer sua prima Anzhelika a vir passar as férias em sua casa. Apesar de não se dar muito bem com seu primo Abel, Anzhelika se entendia muito bem com Talya e as duas eram quase como irmãs.

Abel convidou seus amigos, Veronika Redkina, Daniel Chernikov e Lana Aristova para acamparem com Talya, Anzhelika e ele.

Anzhelika não se animou muito com a ideia de acampar. Qual a graça de dormir em uma barraca no meio do nada, se expondo ao risco de ser picada por insetos e, pior, acabar se tornando vítima de um serial killer?! Seria exagero se, anos antes, Zelenoborskiy não tivesse sido aterrorizada por um psicopata que se fantasiava como arlequim e era conhecido como Tordo (por causa de seu assobio que se assemelhava ao canto do pássaro). Tordo fez várias vítimas e, por causa dele, o parque itinerante Di Maureova se fechou, já que, pelo menos, três moças foram encontradas mortas no trem fantasma.

Mattew Di Maureova, avô de Talya, Abel e Anzhelika foi apontado como principal suspeito de ser o Tordo e chegou a ser preso, mas foi solto quando o Tordo fez mais uma vítima enquanto Mattew se encontrava atrás das grades. Ninguém nunca soube o que motivara Tordo a matar, uma vez que ele sumiu da mesma forma que apareceu, misteriosamente.

Muitas pessoas acreditaram que ele foi morto pela polícia e o prefeito abafou o caso, e que alguns moradores teriam ajudado a capturar o criminoso e o lincharem.

Já, outras pessoas, pensaram que ele se dera por satisfeito quando o parque da família Maureova fechara suas portas, indo à falência.

Outros, ainda, iam além e diziam que Tordo fora um funcionário do parque Maureova, inconformado por ser demitido por justa causa e que jurou vingança contra a família, assassinando todos que se aproximavam do parque. Ele estaria vivo, morando em Kadykchan e retornaria a qualquer momento, caso o parque fosse reaberto.

Alguns jovens costumavam ir até a cidade fantasma, zoar, entre eles, Abel e seus amigos. Inclusive, eles escolheram acampar justamente lá. Anzhelika ficou nervosa quando percebeu para onde estavam indo.

— Talya? O que significa isso? Nós não íamos acampar? — Anzhelika agarrou o braço de sua prima.

— E nós vamos… Em Kadykchan! — Talya sorriu, maldosa.

Anzhelika havia se esquecido daquele lado de Talya, que se divertia assustando os outros.

— Mal posso esperar para darmos de cara com algum fantasma ou, com muita sorte, com o Tordo. — Falou Abel sorrindo, animado.

— Não sei será tão divertido ficar em um lugar cheirando a poeira. — Falou Lana. — Tenho alergia a pó, não sei se vocês se lembram, mas se eu ficar espirrando sem parar, vocês me pagam!

— Pelo amor de deus! Deixa de ser fresca! — Falou Talya e revirou os olhos.

— Vocês trouxeram a erva, né? Digam que sim, please? — Falou Veronika.

— Hmm… — Disse Daniel olhando para trás com uma careta.

— Vai se ferrar! Você só não esquece a cabeça porque é colada, né? — Falou Veronika com ódio.

— Relaxe? O papai aqui, trouxe. — Falou Abel sorrindo.

— Ah, êh. — Veronika bateu no ombro dele. — Por isso que te amo!

— Detesto cheiros fortes. Tô ferrada! — Falou Lana cruzando os braços.

— Problema seu, minha filha! — Abel mostrou a língua para ela.

— De que erva vocês estão falando? — Anzhelika perguntou, inocentemente.

Todos riram.

— Drogas! Já ouviu falar? — Disse Abel virando-se e encarando a prima.

— Vocês usam drogas? Mas é errado. — Falou Anzhelika.

— Nós somos anarquistas, não seguimos regras. — Talya piscou para ela.

— Inclusive, recomendo, Anzhelika. — Disse Daniel. — Ia te fazer ver as coisas de outra forma. Uh, seria uma viagem e tanto!

— Não vai na deles, não, Anzhelika. — Falou Lana. — Depois, você se vicia e termina transando com um e outro por um pouco de erva.

— Ah, cala boca! — Falou Abel. — Você nem sabe o que está dizendo, garota! É muito careta!

— Melhor ser careta que ser uma viciada. — Falou Lana.

— Por que você não vem aqui e paga uma? — Disse Abel.

— Vai se ferrar! — Falou Lana irritada.

— Aí, vamos parar com isso! Paz e amor, galera? — Falou Talya como se estivesse chapadona e jogou seus braços em volta dos ombros de Anzhelika e Lana. — Vocês não precisam fumar o cachimbo da paz se não quiserem. É bom que sobra mais.

— Vendo por esse lado… — Disse Talya sorrindo.

Eles pararam próximo a um rio e desceram do carro. As garotas foram as únicas que trouxeram barracas.

— Eu só quero saber onde é que vocês vão dormir. — Veronika disse aos rapazes.

— Com vocês… — Falou Abel, sorrindo com malícia.

— Eu fico com a Lana! — Falou Daniel levantando a mão.

Ela virou o rosto, corada.

— Vou avisando, Nika, que durmo pelado. — Falou Abel.

— Se mata, Abel! Não durmo com você nem a pau! — Falou Veronika.

— Podemos dormir juntas, Nika? Assim, sobra uma barraca. — Falou Anzhelika.

— Ah, a estraga prazeres! — Abel revirou os olhos.

— Não, meninas. Relaxem? Só estamos brincando. — Falou Daniel rindo. — Trouxe um saco de dormir e o doido ali trouxe uma rede.

— Uma rede? — Repetiu Talya. — Legal…

— Eu gosto de redes. Problema? — Falou Abel dando de ombros.

— Não. Cada louco com sua mania. — Veronika disse.

Depois que arrumaram tudo, eles jogaram baralho, valendo um beliscão aos perdedores. Lana e Anzhelika foram as mais beliscadas. Abel foi maldoso com Anzhelika, já, que não ia com a cara dela e caprichou nos beliscões. Já, com Lana, pegou mais leve. Ela era bonita, o beliscava fraco e, também, o deixava maluco quando olhava para ele e dizia com cara de coitadinha:

— Devagarinho, por favor?

Ou então:

— Ai! Isso dói!

Não era difícil de imaginar que tipo de pensamentos passavam pela cabeça de um garoto quando uma garota dizia aquilo.

— Ah, palhaçada isso! Vocês nem estão beliscando ela. — Falou Veronika, indignada. — Isso, por quê? Só porque ela é gostosa? Espera aí… — Veronika tirou sua blusa e ficou só de sutiã. Então, encarou Daniel, sorrindo. Ele se aproximou dela como se fosse beijá-la. Veronika fechou os olhos. Daniel deu um beliscão no braço dela e recuou, rindo. — Seu miserável! — Veronika bateu em Daniel, furiosa.

— Essa foi boa! — Disse Abel rachando o bico.

Veronika aproximou seu rosto do dele e disse-lhe:

— Se me beliscar fraco, mostro os meus seios para você.

— Feito! — Disse Abel sem nem pensar e beliscou ela, fraco.

Veronika levantou-se e se afastou dos outros. Abel a seguiu. Ela abaixou seu sutiã. Abel sorriu com malícia e quis tocar os seios dela, mas ela recuou e ajeitou seu sutiã. Então, voltou para perto dos outros. Sentou-se em seu lugar e mostrou o dedo médio a Lana.

— Acabou a putaria! Vamos jogar sério essa porra, agora.— Falou Veronika.

Daniel deu azar e perdeu as próximas rodadas, sendo beliscado. Abel, Talya e Veronika judiaram dele. Só Anzhelika e Talya que não. No fim do jogo quem venceu foi Abel.

Veronika, Talya e Lana foram nadar no rio. Anzhelika ficou sentada, só olhando as outras se divertindo.

— Ei, Anzhelika? Vai ficar só olhando? — Veronika jogou um pouco de água nela.

— Eu não trouxe biquíni. — Falou Anzhelika.

— Vem de calcinha e sutiã mesmo? — Disse Talya.

— É, a água está tão gostosa. — Falou Lana.

— Gostosa está você! — Falou Abel rindo.

Lana mandou um beijinho para ele e mergulhou.

— Ah, depois dessa, me animei! — Falou Abel tirando sua camisa. Daniel passou por ele e o empurrou de propósito, derrubando-o no rio. Abel riu e gritou: — Vai se ferrar, Daniel!

Daniel mostrou o dedo médio para ele e se sentou ao lado de Anzhelika.

— E aí, está se divertindo? — Daniel perguntou a ela.

— Não muito. Não está sendo como imaginei que seria. — Respondeu Anzhelika.

— E como imaginou que seria? — Perguntou Daniel.

— Não sei… Como o ano passado, em que Talya e eu nos divertimos sem sair de casa, pregando peças no Abel. — Anzhelika riu ao se lembrar do primo, furioso, por ter comido um bolo de terra com cobertura de chocolate, ideia de Talya.

— Já está na hora de se soltar um pouco, Anzhelika. Você é tão bonita. Não devia ser tão tímida. — Daniel sorriu.

— Me acha mesmo bonita ou só está dizendo isso para… — Ela virou o rosto.

— Não. É verdade. — Daniel passou a mão na cabeça dela. — Sei que é difícil se soltar, mas é só no começo. Depois, fica mais fácil com o tempo. Vai por mim? Não fica aqui parada. Vai se divertir com os outros? Nem que seja de roupa mesmo.

— Mas eu… — Anzhelika o encarou.

— Vem? Eu vou com você. — Disse Daniel pegando na mão dela e os dois foram para a água com roupa mesmo.

Todos se divertiram, jogando água uns nos outros, afundando uns os outros e etc. Quando a noite caiu, acenderam a fogueira e brincaram de verdade e desafio.

— Desafio a Nika e a Anzhelika a se beijarem! — Falou Abel.

— O q-quê? — Anzhelika disse, nervosa.

— Essa, eu pago para ver! — Falou Talya, sorrindo com malícia.

— Você não é obrigada a nada, Anzhelika. — Falou Daniel.

— Cala boca! — Disse Abel olhando Daniel de cara feia.

— Eu quero que se foda. — Veronika se aproximou de Anzhelika e lhe roubou um beijo.

Mais um giro na garrafa e Lana escolheu Verdade.

— Com quem você transaria e quem você mataria? Daniel? Abel? — Perguntou Talya.

— Essa, quero ver. — Falou Abel encarando Lana.

Daniel riu, como se soubesse a resposta daquela pergunta.

Lana alternou olhares entre Abel e Daniel. De uma coisa, ela tinha certeza… Transaria com Daniel se tivesse coragem, mas não mataria Abel porque ele era seu amigo e, sua irmã, Elizaveta gostava dele.

— Ah, não vou responder essa! Não vale! Os dois são gatos! — Falou Lana.

— Como assim? Quer ajuda para matar o Abel? — Brincou Daniel.

— Eu sou ótimo em ocultar cadáveres. — Brincou Abel, também.

— Assim, vocês me assustam! — Falou Lana.

Mais algumas verdades e mais alguns desafios, depois, e eles comeram cachorros-quentes, encheram a cara, fumaram e dançaram. Lana foi a primeira a deixar a festa. Anzhelika permaneceu por insistência de Talya e Veronika. Daniel foi atrás de Lana e entrou na barraca dela quando ela acabava de colocar sua camisola.

— Daniel? O que faz aqui? — Perguntou Lana. Para ela era sempre mais fácil seduzir um garoto na frente dos outros, mas difícil quando estava a sós com o mesmo. Talvez, porque ela soubesse que não era só uma brincadeira e que a coisa ficasse séria de repente.

Ele fechou o zíper da barraca e se aproximou dela, sorrindo.

— Você nem adivinha?

— Não. — Ela se apressou em cobrir seu corpo com o edredom.

— Tá frio lá fora. Será que não posso dormir com você? — Ele deitou ao lado dela, se metendo embaixo do cobertor e abraçando-a.

— Então… Não sei se é uma boa ideia. — Falou ela, nervosa.

— Você prefere o Abel? — Disse ele, subindo em cima dela e beijando seu pescoço.

— Não é isso. — Falou ela sem saber como explicar.

— É sua primeira vez? — Ele a encarou. — Serei delicado, prometo. Não vai doer nada.

— Não! Não é minha primeira vez, só que… — Falou ela, tremendo.

Ele riu, incrédulo.

— Não precisa mentir para mim. Acha que nunca percebi? Você provoca, mas na hora H sempre se esquiva. Mas, não mais. Essa noite, você será minha, enfim. — Ele abriu as pernas dela e levantou a camisola dela.

† † †

— Aí, quem está a fim de ir até a cidade, zoar? — Veronika perguntou.

— Estou dentro! — Falou Talya.

— Estou de boa. — Falou Abel, quase pegando no sono ali mesmo onde estava, encostado no tronco de uma árvore, entornando uma garrafa de cerveja.

— Ah, você é um fraco! — Veronika chutou Abel. Ele tentou agarrar o tornozelo dela, mas caiu e riu feito um idiota.

— Você vem com a gente, Anzhelika? Ou prefere fazer companhia ao Abel? — Falou Talya.

Anzhelika olhou para Abel e, depois, para Veronika e Talya. Era claro que ela não ficaria ali com Abel. Do jeito que ele estava, poderia… Não sabia, mas tinha motivos para não confiar nele.

— Vou com vocês. — Anzhelika disse.

A cidade não estava longe, então, só foi preciso esticar um pouco as pernas. Durante todo o caminho, Veronika e Talya não falavam coisa com coisa e riam de bobagens. Anzhelika até estava achando divertido vê-las daquele jeito porque elas ficavam mais legais.

Kadykchan era assustadora à noite, mas Veronika e Talya trouxeram lanternas e, Veronika tinha um canivete suíço. Elas entraram em uma casa e começaram a explorar os cômodos, revirando tudo. Veronika se afastou de Talya e Anzhelika.

Anzhelika tropeçou em algo e quase teve um treco quando ouviu uma melodia tocar. Talya saltou para trás e focou sua lanterna na direção de sua prima.

— Ai, calma! É só uma caixinha de música! Nossa! Você me assustou! — Falou Talya.

— Me desculpe? — Anzhelika se abaixou e pegou a caixinha, fechando-a para a música cessar.

Veronika gritou. Anzhelika soltou a caixinha de música, deixando-a cair no chão e a música voltou a tocar. Anzhelika agarrou a prima, assustada.

— Me solte! Temos de ir atrás da Nika! — Falou Talya empurrando Anzhelika.

— Não vai! Por favor? — Pediu Anzhelika.

— Ela é minha amiga! — Talya saiu correndo. Anzhelika a seguiu. Elas desceram a escada e viram uma trilha de sangue que começava na sala e seguia para o corredor à esquerda.

— Ai, meu deus! — Anzhelika agarrou o braço de Talya.

— Nika? — Chamou Talya seguindo a trilha.

— Não! Cala boca! — Anzhelika tampou a boca dela.

Talya tirou a mão de Anzhelika de sua boca e seguiu a trilha até a cozinha, encontrando Veronika em cima da mesa, com as tripas expostas. Anzhelika e Talya gritaram. Ouviram uma risada e se viraram, dando de cara com um homem vestido de preto, usando uma máscara de arlequim e segurando em uma das mãos, uma machadinha.

Talya correu para um lado da mesa e Anzhelika para o outro. O arlequim riu e ameaçou ir para o lado de Talya. Ela gritou e recuou. Então, ele fez o mesmo com Anzhelika. As garotas correram em direção à porta de vidro, que dava para os fundos, mas ela estava trancada.

— Não! Não! — Gritou Talya forçando a maçaneta.

Anzhelika viu o arlequim vindo na direção delas e gritou, desesperada. Ela morria de medo de palhaços e qualquer coisa semelhante a um, desde criança.

O arlequim agarrou Anzhelika pelo braço e Talya bateu nele, gritando para que deixasse sua prima em paz. Ele soltou Anzhelika e agarrou Talya, levantando sua machadinha.

— Anzhelika? Corre! — Gritou Talya, chorando.

Anzhelika correu, tropeçou e caiu, sujando-se no sangue de Veronika. Levantou-se e virou para trás, a tempo de ver Talya cair no chão, de costas para ela, agonizando. O arlequim inclinou a cabeça para o lado esquerdo, encarando Anzhelika. Ela levantou-se e saiu correndo, mais tropeçando e caindo que correndo. Não olhou para trás um só momento para saber se estava ou não sendo seguida. Apenas correu, correu e correu… Até se cansar, e se escondeu em um antigo colégio.

O arlequim vinha, raspando a lâmina da sua machadinha pelas paredes enquanto percorria os corredores atrás de Anzhelika.

Agachada, no canto de uma sala, ela podia ouvir o som da lâmina raspando as paredes e o assobio inconfundível do Tordo. Anzhelika ainda não conseguia acreditar que sua prima e Veronika estavam mortas, e que ela seria a próxima.