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Capítulo 04

Theodora

Cheguei sábado à noite tão cansada em casa que praticamente desabei na cama. Acordei no dia seguinte do mesmo jeito que me deitei: de bruços, o pescoço de lado e a coberta jogada no chão.

Me levantei sentindo o pescoço doer e segui para o banheiro tal como uma zumbi. Percebi, ao passar pelo corredor, (minha casa tem um banheiro só para todos nós) que eu estava sozinha. Meus pais e minha irmã deviam ter ido ao culto de domingo.

Mirei-me no espelho e vi que meus cílios postiços ainda estavam no lugar e os cabelos lisos na força da chapinha continuavam bonitos.

— Só vou lavar o cabelo amanhã — decidi.

Enquanto tomava banho a imagem de Robert Servantes me surgiu: como um homem podia ser tão atraente? O irmão dele, Cristian, era mais bonito, Robert porém possuía uma aura tentadora, um sorriso malicioso e contido. Sei lá, me pareceu tentador demais.

— Ele disse mesmo que se sentia atraído por mim? — me perguntei em voz alta.

A mão firme dele na minha cintura, o hálito quente perto do meu ouvido enquanto ele falava, o jeito como ele me olhava...tudo isso me deixou enlouquecida. O bom senso me livrou de desfalecer nos braços dele enquanto dançávamos.

Será que dançamos de verdade? Eu fiquei tão absorta nele que não me lembro de termos nos movido direto, talvez estivéssemos apenas abraçados enquanto fingimos um dois pra cá e pra lá.

— Enfim, tive minha noite de Cinderella — ri.

Sim, naquela noite eu estava fingindo ser quem eu não era e chamei a atenção de um homem que com certeza não me enxergaria se nós cruzássemos na rua.

Corri do banheiro para o meu quarto enrolada na toalha. Escolhi um conjunto bonito e confortável para usar no domingo em casa.

Enquanto me arrumava antes de ir tomar o café da manhã, lá estavam meus pensamentos em Robert novamente!

Que tipo de interesse será que ele tinha em mim? Com certeza estava acostumado a ter as mulheres à sua disposição, mas no final das contas deveria ter uma namorada ou até mesmo esposa! Seria aquela moça tão meiga que chegou com ele? Ela estava agarrada em seu braço como se dissesse ao mundo: "Para tudo, que esse homem é meu"!

Eu não sirvo para amante, não mesmo. Eis uma coisa que não conseguiria dividir: homem!

Provavelmente Robert e eu não nos cruzaremos mais. Tenho certeza de que frequentamos lugares de níveis diferentes, então fica a boa lembrança de que um dia eu conquistei a atenção de um homem rico, lindo e sexy.

Fui para a cozinha bem humorada e liguei o rádio. A música animada tocava enquanto eu me servia de café e tentava cantar ao mesmo tempo.

Logo minha família chegou. Estavam alegres e conversando sem parar.

— Filhota, você acordou — meu pai disse, beijando minha testa. — Veja quem encontramos no culto e aceitou tomar um café com a gente, o Ector!

Vi meu ex-namorado entrando em casa com um sorriso de orelha a orelha.

Que raios ele estaria fazendo aqui?

— Entre, querido! — minha mãe falou, com voz doce, enquanto minha irmã vinha atrás me fazendo sinais de que ela não tinha nada a ver com aquilo.

— Olá Ector, você por aqui...

— Tessy, ele estava no culto também. — Era óbvio que minha mãe ainda gostava muito do antigo genro.

— E sua namorada? — eu perguntei, ressabiada.

— Nós terminamos, ela era uma moça com valores muito diferentes dos meus, não daria certo. Por isso eu estava na igreja, orando para que Deus me mostrasse um caminho melhor — ele disse e olhou diretamente para mim. — E encontrei seus pais.

— Tenho certeza de que uma jovem de boa família vai aparecer pra você — minha mãe declarou, cheia de esperanças.

— Eu sei que este nosso encontro, Dona Esmeralda, não é por acaso.

Minha irmã Lisa revirou os olhos e eu me segurei para não sair correndo.

Era só o que me faltava, depois de uma noite de princesa ter que lidar com o fantasma do Natal passado.

Ector tomou café conosco, perguntou como estavam os reparos na casa depois da enchente, contou um pouco da vida dele no trabalho como segurança num banco e falou da Igreja. Eu via meus pais olharem para mim de esguio, tentando avaliar se eu estava feliz por aquela oportunidade divina. Eu não tinha contado para meus pais o motivo real do nosso término, era um assunto um pouco constrangedor.

— Eu preciso ir — ele disse, se levantando.

— Tão cedo! Não quer ficar para o almoço? Eu tirei um frango para descongelar e vou fazer assado.

— O frango dela é divino — elogiou meu pai.

— Desculpa, Seu Reginaldo, eu realmente preciso ir, mas com certeza vou aceitar se me convidarem novamente.

— Filha, acompanha o rapaz até o portão — disse minha mãe, praticamente me empurrou na direção dele.

Eu ia sugerir que minha mãe o acompanhasse, já que ninguém estava mais feliz que ela pela presença do meu ex em casa, no entanto o olhar repressor do meu pai não me permitiu contestar e eu fui com ele, disfarçando o desgosto.

— Então é isso, bom domingo para você. — Eu fui me despedindo logo que chegamos ao portão.

— Espera Tessy. — Ele segurou minha mão, me impedindo de ir — Estou feliz em te ver, fazia tempo que não conversávamos.

— Você estava namorando então não tinha muito sentido mesmo ficar de conversa com a ex.

— É compreensível que você tenha ciúmes...

Argh! Que convencido! Ele achava que eu tinha ciúmes? Não era óbvia a nossa falta de química?

— Meu relacionamento com a Tamara me ensinou muitas coisas e acho que agora sou um homem mais maduro e...

— Então você estava fazendo um estágio com a Tamara? — Tentei ser irônica.

— Mas meu coração sempre teimou em lembrar de você Tessy. Estou feliz por ter vindo aqui. Você está maravilhosa.

— Ah, agora você me acha maravilhosa — eu indaguei ressentida. Tantas vezes ele me diminuiu...

— Eu sempre falei que você de cabelos lisos ficaria melhor...

— Eu adoro meus cabelos crespos. Isso aqui é só uma chapinha que vai sair quando molhar.

— Alguma ocasião especial?

— Sim, fui numa festa ontem com meu namorado — menti.

— Sua irmã disse que você foi com o Kaique e ele não engana ninguém.— riu de maneira desdenhosa. — Já me disseram que depois que terminamos você não ficou com ninguém.

Era verdade, como eu poderia ter ficado com alguém se minha auto estima estava tão destruída? Olhei para o Ector e um filme da nossa história passou por minha mente:

Minha colega de trabalho reuniu uma galera para assistir os últimos episódios de Game of Thrones na casa dela e eu como uma super fã achei o convite muito oportuno. A reunião se repetiu pelos últimos cinco capítulos da série e em todos eles o Ector estava lá. Diferente dos outros rapazes com quem eu estava acostumada a conviver, ele era muito animado e engraçado, do tipo que todo mundo gosta. Além do mais, preenchia um requisito que eu julgava muito importante: era mais alto do que eu. Ele se aproximou rapidamente de mim e um mês depois já estava conhecendo meus pais.

No entanto, no âmbito sexual eu não conseguia sentir química. Meu coração palpitava quando o via, eu acreditava ter sentimentos fortes por ele, mas não permitia que nosso relacionamento passasse de beijos e carícias.

Ector sempre fazia questão de me lembrar da sorte que eu tinha em ter um homem como ele. E sempre repetia que no geral não gostava de mulheres negras e que eu era uma exceção por ser bonita demais. O que deveria ser um elogio na cabeça dele só me deixava ainda mais insegura comigo mesma. E cada vez mais ele apontava meus defeitos e esquecia minhas qualidades. Eram críticas sutis como: "Se eu tivesse dinheiro poderia pagar um silicone para você ficar ainda melhor" ou a constante implicância com meu cabelo que ele chamava de "armado".

E talvez porque eu estivesse me sentindo tão diminuída que quando eu finalmente aceitei ceder aos anseios dele, nossa experiência na cama foi um desastre. Simplesmente não deu certo. Ele tentou por três vezes tirar minha virgindade, mas começou a doer demais e eu implorava para ele parar. E ele parava, até porque ele não estava conseguindo entrar em mim. Eu fiquei muito apreensiva de forma que tencionava meu corpo todo, enrijecido como uma pedra. Sugeri até que usássemos um lubrificante, no entanto ele disse algo sobre "homens de verdade não precisam de subterfúgios".

Ector ficou frustrado e me mandou procurar uma médica. Fiquei realmente pensando se tinha alguma coisa errada comigo. Esse sentimento me perseguiu nas semanas seguintes e quando Ector quis tentar pela quarta vez eu já estava com muito medo de não dar certo novamente, de ver outra vez a frustração dele, indo ao banheiro dar um jeito sozinho em sua excitação. Eu não queria lidar com o olhar reprovador do meu namorado me acusando de ser frígida por não conseguir me empolgar com os avanços desajeitados dele.

Foi por gostar do Ector que achei que o correto seria deixá-lo livre para encontrar alguém com quem poderia viver um relacionamento completo.

Quando falei que o melhor seria terminarmos, Ector concordou imediatamente. Na minha ingenuidade achei que iríamos manter contato por um tempo, afinal, meus pais tinham muito apego por Ector. Engano meu, pois um mês depois ele já estava namorando uma moça branca como papel, de madeixas tão lisas quanto macarrão na qual ele muito orgulhosamente vivia postando foto nas redes sociais.

Entender que o sentimento que nutrimos era muito maior do meu lado do que o dele, me fez ficar feliz por ter terminado nossa história.

Infelizmente a cicatriz ficou cravada em mim: não tinha coragem de estar com outro homem. Tinha medo de ser um desastre novamente.

Eu fui à ginecologista e ela disse que meu hímen estava intacto, que eu ainda era virgem...mas eu não me sentia assim. Uma mulher que já ficou nua na cama com um homem e deixou ele tocá-la poderia ainda ser virgem? Não sei se o termo existe, mas desde então me considero uma semi-virgem.

No final das contas contei essa história apenas para minha irmã mais velha, Lisa e para o Kaique.

— Estou muito feliz sozinha, não se preocupe. — Dei um sorriso amarelo — Bem, vou entrar agora.

— Tudo bem, nos veremos mais vezes.

Eu ia dizer que não precisava, mas Ector saiu assobiando, se sentindo a última bolacha do pacote.

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