Capítulo 06
Betina
Pois é, eu havia transado com o Cristian...
Eu havia transado com o Cristian????
Me levantei da cama de supetão, lembrando com riqueza de detalhes da noite anterior. No final de tudo Cris me deu carona até minha casa e durante todo o trajeto trocamos beijos e afagos, como se não houvesse amanhã.
Eis que o amanhã chegou e eu comecei a medir tudo o que aconteceu.
Por Deus, eu dormi com o Cris! Meu amigo Cris, o irmão do meu ex-noivo!
Na noite anterior, eu fui à uma festa a fantasia super badalada a convite de Tricia. Almejava me divertir, queria flertar e quem sabe, ser arrebatada por um homem bonito e atraente...
E eis que o cara atraente foi justamente meu amigo!
Cristian se aproximou daquele jeito másculo e ousado, seu olhar pousou sobre mim de um jeito que me consumiu, deixando claro o quanto se sentia atraído e isso massageou meu ego ferido.
Sai do meu noivado com Robert Servantes me sentindo uma mulher fatigante, sem sal e nem açúcar; Cristian fez com que eu me sentisse sensual.
Devo admitir que foi bom. Caraca, foi bom demais! Com meu ex-noivo eu estava sempre tensa, reprimida e talvez por isso a química não rolou. Com meu amigo eu estava tranquila, relaxada e lânguida. Acho que outro homem não teria dado uma primeira vez melhor para mim. Ele foi perfeito...
Mas não podia ter sido com outra pessoa? A última coisa que eu queria era proximidade com a família Servantes. Com nenhum deles. Todos sabiam que Robert estava me traindo e foram coniventes. Enquanto meu ex-noivo rolava nos braços da amante deixaram que eu seguisse iludida. Fecharam os olhos. Cristian também; para alguém que se dizia meu amigo, ele não se importou nenhum pouco e colocou os interesses da família Servantes em primeiro lugar.
Esse sentimento ainda pesava muito. Não era algo que eu pudesse esquecer do dia para a noite.
Nesse momento uma mensagem chegou ao meu celular. Vi o ícone com a foto do Cristian e dei um longo suspiro antes de ler:
"Bom dia. Me diga que tipo de feitiço você lançou sobre este pobre vampiro: Ainda estou sob os efeitos dele e confesso que a sensação não é nada ruim."
Eu mordi os lábios. A mensagem me deixou feliz e acho que ele foi delicado em me abordar, sem fingir que nada aconteceu; mas as coisas não eram tão simples.
Eu não sabia exatamente o que pensar sobre toda a nossa situação. Respondi de maneira muito imparcial, sem deixar transparecer meus sentimentos:
"Bom dia. Podemos nos ver amanhã no almoço? No Matteo? Te encontro lá às doze horas."
Me joguei na cama novamente, com o coração batendo acelerado.
— Posso entrar? — Rosita perguntou, após dar duas batidinhas na porta. Eu respondi que sim e ela adentrou — Menina, sua amiga Ana Clara está aqui.
— Ana Clara veio? Perfeito! — Seria ótimo conversar com minha amiga — Eu vou trocar de roupa, enquanto isso serve alguma coisa para ela.
— Pode deixar, temos suco de goiaba e um bolo que a Gladis acabou de fazer — Rosita disse e logo se retirou.
Coloquei um vestido leve e simples para receber minha amiga. No geral eu preferia os vestidos e saias pois me sentia mais confortável com eles. Amarrei os longos cabelos loiros com um lacinho, sem nenhum esmero e desci para a sala de estar.
Ana Clara largou o copo de suco e sorriu quando me viu, me abraçando com entusiasmo. Minha amiga sempre me tratava muito bem e eu me sentia à vontade para conversar sobre qualquer coisa. Além disso, ela tinha minha sincera admiração: mesmo não vindo de uma família privilegiada, conquistou suas coisas com muita garra e hoje cursava Engenharia da Computação numa universidade pública em São Carlos.
— Que surpresa maravilhosa ter você aqui logo pela manhã, Clarinha.
— Estou em São Paulo desde sexta-feira. Eu quero saber todos os detalhes da festa da Tricia! Como você sabe, não fui convidada...
— Você teria adorado. A decoração estava linda. Tricia é uma esnobe, mas mandou muito bem na festa.
— E aí?
— E aí o quê?
Eu dei um meio sorriso, insegura. Se tinha alguém para quem eu poderia contar os últimos acontecimentos era para Ana Clara, mas sei que ela reprovaria, pois sabia o
quanto eu sofri por causa da família Servantes.
— Então, conheci algumas pessoas e reencontrei outras. — Mordi o lábio — Eu encontrei o Cristian.
— Ah é? E ele veio com a cara lavada conversar com você?
— Estávamos numa festa, eu fui lá para me divertir e não para passar nervoso.
— Eu sei que sempre teve muita simpatia pelo Cristian, mas depois de tudo, é melhor se afastar de todos dessa família...
— Nem sempre é possível. Eu não seria grosseira com ele.
— Eu não sei como acabou noiva do Robert Servantes se você obviamente sempre foi mais próxima do Cristian — comentou Ana Clara.
Eu não respondi nada. A verdade é que Ana Clara sempre achou Cristian um tremendo galinha e o considerava o tipo de homem que mulheres como nós deveriam evitar. No entanto, Cristian sempre namorou uma garota de cada vez; diferente do irmão.
— Apesar de qualquer coisa, eu tenho muita simpatia pelo Cristian. E foi legal encontrá-lo ontem na festa, fizemos companhia um para o outro e...
— Aí caraca, ele te beijou? É por isso que está aí defendendo-o? — Ana Clara ficou visivelmente desapontada comigo e por isso decidi não contar que havíamos feito muito mais do que nos beijar.
— Qual o problema, Clara? Era uma festa e...
— É que você não pode ser burra nesse nível, me recuso a pensar que minha amiga é tão otária!
— Ei!
— Desculpa. — Ela percebeu que estava exagerando na reação — Tina, você já foi iludida por Robert e ele te trocou por outra. Tá esquecendo da outra irmã metralha, a tal da Lisa? Já ouvi uma vez aquele amigo dele, o grandão...
— Victor.
— Isso, Victor. — Tomou fôlego e prosseguiu — Já não ouviu o Victor insinuar que essa Lisa e o Cristian são íntimos?
— Sim — eu confirmei, sentindo um aperto no peito.
Eu havia me esquecido completamente dessa mulher. Aliás, hoje em dia a Lisa era secretária do Cristian e passava o dia todo perto dele. Diziam que era inteligente, eu mesma já tinha visto o quanto aquela mulher era ousada e atrevida. Despudorada também.
— Não dá para ter certeza... — Comecei a falar.
— Aquelas irmãs metralhas são espertas! Vão ficar com os dois herdeiros da família Servantes!
Será que Ana tinha razão? Será que se eu me aproximasse do Cristian iria me apaixonar por ele só para ser trocada outra vez? É que meu amigo foi tão incrível comigo, como se eu fosse realmente especial para ele.
Fechei os olhos absorvendo essas conclusões e minha cabeça começou a girar a mil por hora. Ana Clara pareceu perceber e se inclinou para mim, passando a mão na minha cabeça.
— Isso chateou você, Tina? Eu só falei essas coisas porque não quero que você entre numa furada novamente.
— Eu sei, eu sei! — Não consegui mais ficar sentada, o sofá parecia estar cheio de espinhos. Levantei-me — Eu preciso de um pouco de ar.
— Você não me engana, Betina. — Ana levantou-se também — Nossa conversa te chateou sim! Mas olha, é melhor sofrer agora por causa de um beijo do que amanhã por coisa pior.
— Eu sei. Estou sendo boba. — Sacudi a cabeça, desapontada comigo mesma.
— Vem cá, amiga. — Ana me abraçou. Ela era mais alta e corpulenta que eu, fiquei parecendo uma criança perto dela — Você é especial, ok? Não precisa ter pressa em encontrar alguém. No que precisar pode contar comigo.
— Valeu — eu agradeci, mas estava ansiosa para ficar sozinha novamente.
Ana Clara foi embora na sequência. Geralmente eu a convidaria para almoçar comigo, mas a verdade é que me senti sem apetite.
Passei o domingo em volta da piscina com um livro na mão, mas a verdade é que não consegui ler nada. Meus pais e meu irmão caçula passaram o dia fora, então a casa ficou vazia e eu me senti ainda mais melancólica.
"— Estou feliz por estar dentro de você..."
A lembrança da voz rouca de Cristian sussurrando em meu ouvido vinha e voltava na minha memória. Eu tinha me sentido tão sexy, tão bonita e desejada.
— Arg! — bradei, jogando o livro para longe. — Você não pode ser tão ingênua, Betina!
Cristian devia ser muito experiente na cama e saber muito bem como agradar uma mulher. Todas as garotas que dormiram com ele deviam ter se deslumbrado, assim como eu; não tinha nada de especial entre nós.
— É melhor arrancar o curativo de uma vez!
Sim, no dia seguinte eu deixaria claro que não era preciso sentir qualquer obrigação quanto a mim e que cada um seguiria com sua vida como se nada tivesse acontecido.
Na segunda-feira eu novamente acordei tarde. Olhei para o relógio e percebi que já poderia começar a me aprontar para o almoço com o Cristian.
Revi em minha mente todo o discurso que eu faria. Estava segura do que ia dizer e acreditei que Cristian se sentiria aliviado em saber que eu era uma mulher madura o suficiente para saber separar as coisas.
Às onze e meia cheguei no restaurante, estava um pouco adiantada, isso era um costume meu. Para minha surpresa, meu ex-noivo estava sentado na mesa que reservei.
Robert Servantes olhou diretamente para mim.
Eu pensei em girar os pés e ir embora, mas não fui. Precisava enfrentar meus fantasmas.
— O que faz aqui, Robert? — Fui direto ao ponto.
— Olá, Betina. Estou tão surpreso quanto você. Por favor, sente-se. — Indicou a cadeira próxima a mim.
Eu me sentei, e o encarei com o olhar duro, numa tentativa de me mostrar segura e firme, como se estar pela primeira vez cara a cara com Robert depois do nosso término não me fizesse sentir nada.
— Cristian me mandou uma mensagem pedindo para encontrá-lo aqui — Explicou Robert.
— Eu também marquei com o Cristian...
— Bem, comentei com ele que gostaria de te pedir desculpas de maneira mais apropriada e ele deve ter organizado esse encontro surpresa — Robert disse, tranquilamente.
As palavras de Robert me desapontam, ainda mais se fosse verdade que nosso encontro tivesse sido armado por Cristian.
— O que você está bebendo? — Perguntei repentinamente. Eu estava nervosa.
— É uísque — respondeu e eu peguei seu copo. — Calma, isso é forte, Betina...
Não dei ouvidos e virei o conteúdo de uma vez. Engasguei-me com o ardor da bebida e meus olhos lacrimejaram. Fiz uma careta.
Eu devo ter feito uma cara muito ridícula pois Robert não conseguiu segurar a risada e eu me vi rindo por causa da minha própria bobagem.
Agora, depois de beber aquela bebida horrível, talvez eu relaxasse o suficiente para encarar meu ex-noivo e jogar na cara dele tudo o que eu queria.
Eu sorri, me sentindo mais segura. A surpresa inicial havia se esvaído.
Foi então que senti uma presença se aproximando. Olhei para o homem parado em frente a mesa. Era o Cristian.
— Pelo jeito vocês estão se divertindo. — Ele falou.
Pela expressão em seu rosto, pude perceber que Cristian não estava nada feliz.