Capítulo 03
Cristian
— Cris, vou buscar sua roupa na loja de aluguel. — Anunciou Lisa, entrando de repente na minha sala e me dando um susto. — Certo?
— Não quer que eu peça para outra pessoa buscar? — Perguntei, olhando o tamanho do salto alto que minha secretária usava e imaginando como ela ia andar pelas ruas com aquilo.
— Eu estou precisando tomar um pouco de ar. Seu pai acabou de passar por minha mesa. — Revirou os olhos — "Até quando meu filho Robert vai ficar brincando de casinha com sua irmã? Ele tem que voltar para a direção da empresa!" — Lisa disse, imitando a voz de Octávio Servantes.
Eu ri. Robert havia se casado com a irmã de Lisa e por isso meu pai achava que podia mandar indiretas ao filho através da cunhada.
— Tudo bem, vai lá.
— Certo, chefe. Estou louca para ver a fantasia que você alugou! Em cinco minutos estarei de volta.
E Lisa saiu como um furacão.
Eu decidi ir à festa sozinho. Não estava namorando ninguém e a garota que conheci na semana anterior não era importante; levá-la a um evento público como minha acompanhante, poderia dar ideias precipitadas a Suellem e eu já estava percebendo que meu bolso a atraia muito mais que meu sorriso.
Minutos depois ouvi uma batida na porta e eu pedi que entrasse. Victor, o Diretor de Operações, veio em minha direção com um documento nas mãos.
— Cristian, porque a sua secretária está negociando diretamente com a vinícola de Mendoza?
— Aconteceu algo de errado?
— Ela não tem a competência necessária para estar à frente de uma negociação tão importante!
— Lisa é esperta e me acompanha em todo o processo da filial da Argentina, eu estou monitorando o que ela faz.
— Você não deve misturar as coisas, meu amigo. — Victor balançou a cabeça, contrariado — Já não deveria ter transformado sua amante em secretária, agora começa a dar poderes para ela na empresa?
— Eu já cansei de dizer que a Elisabete não é e nunca foi minha amante, ela foi contratada por seu bom currículo — Respondi. Já estava cansado de explicar aquilo ao meu amigo, mas decidi repetir mais uma vez — Inclusive, já estou achando que ela está sendo desperdiçada no cargo de secretária. A mulher é formada e tem mestrado.
— Isso não significa nada. Olha Cris, essa garota deve ter feito uma lavagem cerebral em você! — Revirou os olhos — Ela deve ter o QI de uma ameba!
Nesse instante Lisa entrou na sala, sem bater.
— Sua roupa, chefe. — Me entregou e saiu.
Victor e eu ficamos um tempo calados e então meu amigo quebrou o silêncio:
— Será que ela ouviu? — o diretor perguntou, olhando para os próprios sapatos.
— Não faço ideia. Quer que eu pergunte, Victor?
— Com certeza não ouviu, caso contrário teria entrado aqui soltando fogo pelas ventas. — Victor levantou-se da cadeira — Presta atenção no que eu falei, você não sabe dizer não para uma mulher bonita.
— Você disse que ela não é bonita. — Provoquei.
Victor resmungou alguma coisa e saiu da sala.
Já era tarde e organizei as coisas para ir embora. Lisa ainda estava em sua mesa e ficaria até mais tarde terminando uma apresentação para a semana seguinte. A mulher me desejou um bom final de semana antes de voltar sua atenção para o computador.
As vinte e duas horas eu cheguei na Mansão Toledo. O bairro Morumbi tinha diversas propriedades encantadoras, mas aquela, em especial, era magnífica: a arquitetura era neoclássica, mesclando os estilos Vitoriano e Georgiano que chamavam atenção pela brancura das paredes. Do lado de fora havia grandes pinheiros que escondiam os muros e, após o portão, uma piscina toda iluminada à frente do hall principal.
Eu mostrei meu convite e o segurança pegou as chaves do meu carro para manobrar. Enquanto o funcionário se afastava com meu veículo, eu ajeitei a capa da fantasia. Estava vestido de Drácula, mas renunciei aos dentes postiços que simulavam as presas; meus cabelos estavam penteados para trás com muito gel e eu tinha sangue falso nos cantos da boca.
A festa começava próxima à piscina e se estendia pelo restante das áreas sociais da Mansão Toledo. Havia muito mais gente do que eu havia imaginado, a maioria permanecia do lado de fora da construção e estava com copos de bebida nas mãos conversando animadamente.
— Cristian? — Tricia, que permanecia mais próxima da entrada da casa, me reconheceu e veio em minha direção — Que bom que veio! — Ela parecia genuinamente feliz.
A jovem loira estava fantasiada de princesa e parecia que o vestido espalhafatoso a condenava a esbarrar nas pessoas o tempo todo. Ainda assim era um belo figurino que combinava demais com ela. Tricia e eu não fomos próximos na época da escola, mas lembro-me que ela sempre foi simpática comigo.
— Eu não perderia uma festa na Mansão Toledo. Acho a propriedade linda e sempre tive curiosidade de vê-la por dentro.
— Sério? Então fique à vontade para explorar tudo. Mas antes, pegue uma bebida. Tem muita gente conhecida na festa.
Concordei e entrei. A sala principal tinha o pé direito duplo, permitindo um mezanino que agora estava repleto de convidados. A música eletrônica invadiu os meus ouvidos com força, era uma batida intensa e forte, me senti instantaneamente motivado a dançar, como os demais.
Estavam todos fantasiados, a maioria com temas divertidos e cruzei com pelo menos quatro imitações da Carmem Miranda. Mas no meio daqueles personagens cômicos uma figura exótica e misteriosa se destacava.
Uma bruxa.
Aliás, uma bela bruxa…
Ela dançava sozinha e absorta em si mesma. A cabeleira amarelada e bagunçada estava em parte, escondida por um chapéu pontiagudo e estiloso, uma máscara que lhe cobria o rosto do nariz para cima não conseguia ocultar a boca pintada de marrom. O vestido preto era curto e terminava alguns dedos antes do joelho enquanto o corpete era apertado e moldavam os seios lindamente. Era difícil não olhar para eles...
Fiquei alguns instantes observando aquela mulher. Havia algo de familiar nela. Era a Betina? Seria surpreendente se fosse, pois nunca a vi usar nada tão sexy.
Me vi andando em direção daquela personagem maléfica, cuja feitiçaria já estava começando a surtir efeito em mim. Os olhos da mulher cruzaram com os meus; assim que me aproximei eu percebi que era realmente a Betina.
Meu primeiro pensamento ao reconhecê-la foi ficar feliz por vê-la se divertindo na festa da Tricia, mas parecia que a fantasia de bruxa possuía um significado a mais, como se ela estivesse tentando colocar para fora um lado seu que sempre manteve trancado...
— Dança comigo, Drácula. — Disse Betina, dando início a um diálogo que eu não sabia como manter. — Somos poucos os seres das trevas nessa festa.
Betina tinha me reconhecido? Porque era impossível que ela não percebesse meu rosto, uma vez que minha maquiagem consistia em apenas pó branco e um pouco de sangue falso.
— Como recusar o convite de uma bruxa tão bonita? — Eu perguntei. Se ela queria fingir que éramos desconhecidos, eu entraria na brincadeira — Você deve ser uma bruxa muito poderosa.
— Por que acha isso?
— Porque eu sou o mestre dos vampiros, mas você conseguiu me deixar hipnotizado. Não consigo parar de te olhar.
Betina riu. Eu não sei porque estava flertando com minha ex-cunhada, empregando o mesmo tipo de artifício que eu costumava usar com outras garotas.
Sempre houve uma barreira de respeito entre nós, um limite entre nossas brincadeiras, principalmente depois que nossas mães se agarraram a ideia de casá-la com meu irmão Robert. Eu passei a encará-la como algo proibido e a tratei com o devido respeito, mesmo já tendo nós beijando, mas agora...
Na verdade, eu estava confuso.
A mulher me puxou pela mão, me convidando para dançar. Eu nem sabia que ela conseguia se mover daquele jeito sensual, pois minha amiga sempre foi muito recatada. Aliás, eu sabia que a mãe dela a tinha direcionado a uma educação muito mais rígida que as outras garotas da mesma idade.
— Seu feitiço continua fazendo efeito, senhora bruxa.
Me permiti pousar as mãos nas curvas de sua cintura, sentindo o balanço dos quadris ao ritmo da música. Achei que talvez ela fosse me afastar, no entanto o efeito foi o contrário; Betina se aproximou mais, enquanto continuávamos dançando.
Para nossa sorte o ambiente estava escuro, ocultando aquela dança que poderia parecer indecente aos olhos mais maliciosos. Mas achei gostoso demais sentir o corpo daquela bruxa se esfregando no meu.
Betina teria bebido? O comportamento era atípico. Não havia cheiro de álcool nela e a festa não havia começado há muito tempo para que ela já pudesse estar embriagada com ponche ou cerveja. A Tricia não havia disponibilizado bebidas mais fortes que essas.
Se eu fosse um homem mais ajuizado, iria frear a brincadeira a partir daquele ponto, pois estava começando a ficar muito afetado por sua proximidade, no entanto continuei.
Eu havia crescido um homem responsável e competente, que era diretor na maior cadeia de supermercados do Brasil, entretanto naquela noite eu me sentia novamente como o Cristian do ensino médio: meus hormônios estavam falando mais alto do que nunca.
A deliciosa bruxa se colou mais em mim. Betina parecia ter perdido totalmente o juízo.
— Vamos lá, Drácula. Me beije.
E eu obedeci.