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Capítulo 02

Betina

Acabei de completar vinte e três anos e o que seria uma fase de muitas aventuras e diversão para a maioria das jovens da minha idade, para mim não significava nada. Não fui para a universidade de moda como queria. Meus pais tinham dinheiro, mais que o suficiente para me bancar em qualquer universidade do mundo, mas não! Para que me graduar se logo me casaria com o filho primogênito da família Servantes? Eu não precisaria trabalhar nunca… Não que tivessem me proibido de estudar, mas sinto que persuadida a não sonhar com isso.

Mamãe planejou minha vida ao redor de uma ideia de matrimônio entre Robert Servantes e eu, como se fosse a coisa mais certeira a respeito de mim e por isso ela ficou muito insatisfeita quando seus planos não se concretizaram.

Desliguei a máquina de costura, meu passatempo favorito. O curso de costura foi uma das poucas coisas que escolhi fazer, principalmente porque não era longo. Hoje, nem mesmo costurar conseguia aplacar aquele aperto no peito. Eu andava me afogando em comida.

Saí do meu quarto e fui até a cozinha. Rosita, nossa governanta, já sabia que eu queria beliscar algo e me deu uma tigela de arroz doce.

Minha mãe, Estefânia Santoro, logo apareceu com seu olhar repreendedor:

— Você está comendo demais, Bebê! — disse ela, arrancando a tigela das minhas mãos. — Você sempre teve tendência a engordar e está jogando pela culatra todo o sacrifício que já fez na academia. Aliás, você realmente parou de malhar?

— Eu preciso disso! — Puxei a tigela novamente — Não existe mais motivos para eu ficar fazendo as dietas doidas que a senhora me impõe. O Robert está casado, mas com outra mulher.

— Uma mulher magérrima, por sinal, que com certeza não fica se afogando em comida como você. Em poucos meses estará gorda como uma porca! — Mamãe bradou, olhando para minha silhueta que já começava a mudar.

Estefânia era uma mulher magra e esbelta, mesmo no auge dos seus cinquenta anos. Muito vaidosa, ela passava a maior parte do dia cuidando de si mesma e nada mais. Mesmo meu irmão caçula, o favorito, não recebia mais do que uma ou duas horas diárias de sua atenção.

E quanto a mim, só passei a ter certo valor quando ela percebeu que eu poderia ser uma boa moeda de troca para participar de grupos mais influentes.

A família Santoro era podre de rica, mas não tinha sangue azul. Meu avô foi pobre e meu pai nasceu numa casa humilde; entre os ricos isso fazia diferença. Minha mãe queria ser bem aceita pelas mulheres da alta sociedade e ser a sogra do filho primogênito dos Servantes era a escada que lhe daria acesso às dondocas que ela admirava.

Então minha mãe me culpava pelo fracasso do meu noivado. Não bastava eu mesma me martirizar, ainda tinha que ouvir as reclamações frequentes da minha mãe sobre eu não ter um pingo de sensualidade para segurar um homem.

— Você vai voltar a dieta, certo Bebê? — A mulher arrancou mais uma vez a tigela de arroz doce das minhas mãos. Foi até uma cesta de frutas e trouxe uma maçã sem graça — Robert Servantes era excelente, mas não deu certo e nem por isso vamos desistir de te conseguir um bom marido. Ontem seu pai me apresentou uma família muito interessante e o filho deles seria uma boa opção. Não tão bonito, mas talvez seja melhor assim. Talvez ele seja menos exigente.

— Credo mãe, eu acabei de passar por uma decepção...

— Pelo que entendi, você e o Robert nem tiveram nada — Suspirou. — Talvez tenha sido este o erro. Achei que os homens da alta roda ainda dessem valor a essa coisa de ser casta e tal... Não vamos cometer esse erro novamente!

— Eu não vou me casar, mãe! Vou tirar um tempo solteira e priorizar os estudos — Respondi.

Estefânia Santoro, porém, não parava de especular e mal ouvia meus protestos. Continuou falando de oportunidades de casamentos para mim, enquanto eu apenas fugia da cozinha e corria para a área de lazer, longe dela. Respirei fundo. Estava difícil viver na minha própria casa.

Nosso quintal era grande e muito arborizado. Vi meu irmão Gui, de apenas catorze anos, lendo um livro embaixo da sombra do abacateiro com sua instrutora de inglês. Deus abençoe a professora Kátia que sabia ser uma companhia para o meu irmão melhor que a própria mãe.

Passei por eles e dei um beijo em meu irmão lindo que fingiu sentir nojo, mas eu sabia que ele gostava. Depois fui até o guarda-sol montado perto da piscina.

Meu celular tocou. Era minha amiga Ana Clara:

— Você vai ao baile da Tricia?

— Olá para você também, Clara.

— Desculpe! Como você está, Tina? — Clara se corrigiu.

Ana Clara era minha melhor amiga desde o ensino médio. Ela sabia cada detalhe da minha vida e era alguém que eu prezava demais.

— Recebi o convite hoje bem cedo. Tricia veio trazer pessoalmente, e você? — Eu disse.

— Nada! Acho que não serei convidada...

— Ora essa, mas por quê? — Perguntei, mas na realidade já sabia a resposta. Ana Clara havia sido bolsista no colégio e era pobre. — Eu já estou sem disposição para ir, sem você então...

— Não se prenda por minha causa. — Trícia se alarmou — Você precisa sair e se divertir.

— Sem você vou me sentir um peixe fora d'água.

— Imagina! Vai ser um baile à fantasia, você pode ir coberta da cabeça aos pés e fingir ser outra pessoa.

— Até parece que eu consigo!

— Consegue sim. Ah, e tem uma fofoca em torno dessa festa: Parece que a família da Tricia está falindo! — Deu uma risadinha — A festa é uma maneira de promover a Mansão Toledo que logo será posta à venda.

— Sério?

A fofoca rendeu longos minutos no telefone. No final eu estava convencida de que deveria ir. Pensei que seria uma boa oportunidade para costurar algo para mim mesma.

Além do mais, o que de ruim poderia acontecer? Robert com certeza não iria nessa festa, ele morava bem longe daqui. E quanto ao Cristian, o meu ex-cunhado... bem, ele andava ausente das festas. Ele estaria namorando ainda? Na minha festa de noivado ele trouxe uma namorada, mas Cristian não durava muito tempo com ninguém, então a fila já poderia ter andado novamente.

Mesmo que ele fosse, isso não deveria ser um problema. Eu não poderia viver com medo de esbarrar com a família Servantes! Não fui eu quem enganou e mentiu, muito contrário, fui a vítima! Não deveria ser eu a ter vergonha da situação.

Passei tempo demais trancada dentro de casa, com vergonha dos julgamentos. Quando fiquei noiva de Robert Servantes eu anunciei isso aos quatro cantos do mundo e quando terminamos, pouco tempo depois, foi muito humilhante, principalmente porque ficou claro para todos que ele estava me traindo.

Respirei fundo e me levantei, cheia de energia e determinação. Eu iria costurar minha própria roupa de fantasia. Iria beijar alguém naquela festa. Eu precisava desesperadamente ser tratada como uma mulher atraente e bonita e não como uma moça sem sal ou açúcar.

Peguei meu celular e encontrei o número da Tricia.

"Oi, pode confirmar meu nome; eu irei com certeza!”

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