Capítulo III - Anne
Acordei animada, lavei o rosto e desci correndo as escadas. Meus pais e meu irmão estavam na cozinha me esperando e assim que entrei cantaram parabéns para mim. Até meu irmão me abraçou! Eu me sentia muito especial em momentos como aquele em família, razão pela qual amava aniversários.
Tomei um farto café da manhã, preparado por minha mãe especialmente para mim com tudo o que eu mais gostava antes de ligar para Nanda. Precisava que ela viesse me ajudar com a arrumação da festa.
Ela veio logo que pôde e assim que chegou me perguntou sobre Amir.
— E aí, amiga, como foi ontem com o gato do Amir?
— Nada demais, Nanda. Não sei o que você esperava que acontecesse.
— Amiga! Não é possível que você não tenha reparado no jeito que ele te olhou! Parecia ter encontrado um baú de tesouro! Deve ser algum complexo de príncipe que amparou a princesa... Saí de fininho para vocês se acertarem e nada aconteceu? Eu esperava novidades picantes!
— Boba! Pois ele foi bem normal. Parecia até não querer vir hoje para o meu aniversário.
— Então você o convidou, né, sua espertinha?
— Sim, e ele deu uma de gostoso, disse que ia ver se vinha ou algo assim...
— Se ele estiver à fim de você como eu acho que está, hoje ele te pega de jeito! Seria um presente e tanto hein?
— Nanda, você sempre acha que todos os rapazes estão à fim de mim!
— Claro! Você é que parece ser cega! Olha pra você, linda, com o corpo lindo, cabelos negros, longos ,lisos e perfeitos, dentes brancos, lábios de modelo... às vezes, mesmo sendo sua amiga, sinto uma pontada de inveja de você.
Nós duas rimos diante da brincadeira de Nanda. Apesar do jeito de falar meio brusco e, devo dizer, muitas vezes irritante, eu sabia que sempre poderia contar com ela. Logo ficamos ocupadas com os preparativos da pequena festa que estávamos organizando. Quando terminamos, já passava das três horas da tarde e meus pais estavam de saída.
—Filha, confiamos em você, aproveite sua festa com seus amigos. Voltaremos pra casa segunda-feira. Pelo amor de Deus, tenha juízo, hein!
— Não se preocupe, mamãe, não se arrependerão por terem confiado em mim!
— Pode deixar que eu tomo conta dela — Disse Nanda.
— Acho que agora poderemos ficar tranquilos, querida. — Disse Papai sorrindo com uma piscadela para mamãe.
Papai me pegou delicadamente pelo braço e nos afastamos um pouco dos outros. Disse em voz baixa:
— Filha, nós te amamos muito e queremos que seu dia hoje seja perfeito. Quando voltarmos precisamos conversar com você um assunto muito importante. Não se esqueça disso, O.k.?
— Tudo bem, papai! — Respondi um tanto surpresa com o ar de mistério dele.
— Não acredito ainda que sua mãe concordou em te deixar o final de semana inteiro sozinha aqui!
— Sou uma adulta agora, pai, cofie em mim, vai!
— Eu confio, filha! — Mamãe o chamou da porta e ele soltou um suspiro. — Hora de ir antes que sua mãe me puxe a orelha, juízo, hein!
As horas passaram, Nanda foi para casa se trocar e eu fui me arrumar. Mamãe tinha me dado de presente um vestido lindo. Era branco, com um belo decote nos seios, como ela gostava de dizer: "Insinue, mas não mostre". Decidi deixar meus cabelos soltos. Há muito tempo só os usava presos por causa do calor, mas para meu aniversário queria estar mais à vontade.
Estava ansiosa como sempre ficam os anfitriões. Dei mais uma olhada no salão, na mesa de frios, nas bebidas... Tudo parecia estar em ordem. Havia marcado para as dezoito horas o início do evento, faltavam dez minutos e ninguém apareceu. Pronto, bastou para me deixar insegura pensando que ninguém viria. Será que todo mundo tem essas crises de ansiedade? Quando o relógio despertador de meu quarto tocou avisando que eram seis da tarde, no mesmo instante alguém tocou a campainha.
Quem seria tão britanicamente pontual hoje em dia?
— Olá, Anne! Resolvi aceitar seu convite.
— Entre, por favor, Amir. Que bom que aceitou!
— Ah! Isto é pra você. — Disse me entregando uma caixa preta retangular que trazia consigo.
Aceitei agradecida. Amir estava diferente, apresentava um sorriso meio tímido, jeito acanhado e ao mesmo tempo um olhar atrevido...Ou seria cínico?
Acho que a Nanda estava me influenciando demais, pois achei Amir incrivelmente atraente quando abri a porta pra ele. Abri a caixa do presente como uma criança, afinal, sempre adorei ganhar presentes. Nunca entendi as pessoas que dizem que não precisamos dar presentes para elas. Como podem dizer isso? Ganhar presente é maravilhoso, ainda mais quando não estamos esperando.
— Nossa, Amir! — Eu me senti hipnotizada pela bela joia que estava em minhas mãos. — Que pulseira incrível, deve ter sido caríssima! Eu...Não posso aceitar. — Eu ainda não acredito que tenha dito isso, mas como disse, acho que realmente estava hipnotizada por aquela belíssima pulseira.
— Se não aceitar, me sentirei ofendido. — Ele pegou a pulseira das minhas mãos e a prendeu em meu pulso.
— O melhor a fazer é aceitar e não ofender ninguém. — Agora eu estava sendo eu mesma! — Muito obrigada, Amir, não sei o que dizer.
— Não diga nada, então. — Ele sorriu — Apenas a use essa noite, combina com você.
Não agradeci de novo como seria natural, achei realmente que aquela pulseira combinava comigo. Olhei novamente para ele, com mais atenção. Vestia apenas uma calça jeans e uma camiseta de malha, mas estava tão bonito...E a camisa não escondia o corpo bem definido.
O pior sobre mim é que eu não sou muito discreta, e acho que ele percebeu o meu olhar para seu peito, porque deu um meio sorriso e apertou os olhos me encarando e disse:
— Espero que não esteja vestido inapropriadamente...
— Claro que não! — Respondi de pronto. — Não era a sua roupa que eu estava reparando.
Como eu disse antes, não sou nada discreta. Ele sorriu e eu oferecia ele uma cerveja, que ele aceitou.
Ele bebeu um gole da cerveja e olhou em volta.
— Acho que fui o primeiro a chegar.
— É o que acontece quando somos pontuais hoje em dia. Venha, vamos sentar.
Seguimos até o sofá da sala onde sentei ao lado dele.
— Precisa de ajuda pra alguma coisa?
— Não, é só uma festinha simples, já deixamos tudo pronto. Falando nisso, quer comer alguma coisa? Tem sanduíches e os salgadinhos ainda estão quentinhos...
— Não, obrigado! Estou bem aqui.
Nos olhamos me silêncio por alguns instantes e senti o olhar dele se tornando mais intenso, até que ele ergueu a mão e tirou uma mecha de cabelos da frente dos meus olhos.
— Você está muito bonita, Anne!
— Obrigada! — Respondi, imensamente encabulada.
—Desculpe, deixei você com as bochechas vermelhas. — Ele comentou simpático
— Dá pra perceber?
—Sim...E ficou ainda mais bonita assim, tímida.
A campainha tocou e eu não sabia se deveria ficar aborrecida pela interrupção ou agradecida.
Os convidados foram chegando quase que ao mesmo tempo e apresentei todos os que não se conheciam. Como aniversariante e anfitriã, dei atenção a todos sempre que podia, até finalmente relaxar e aproveitar a noite. Estava conversando com a Nanda na varanda, quando olhei distraidamente para dentro da sala, e meu olhar encontrou com o de Amir. Sorri para ele, mas uma onda de calor percorreu meu corpo. Amir franziu o cenho e abaixou a cabeça. A sensação de calor intenso aumentou e as batidas do meu coração aceleraram.
A campainha tocou e fui atender. Abri a porta, era Rose, uma colega da faculdade. Mandei-a entrar e ela me disse pra esperar um amigo a quem queria me apresentar. Ele tinha ido procurar uma vaga para estacionar o carro. Olhei na direção da rua e prendi a respiração. O amigo dela vinha caminhando em minha direção e, de repente, toda a realidade a minha volta pareceu desaparecer. Tudo o que eu via era ele, e tudo o que eu ouvia eram seus passos.
— Anne, deixe-me te apresentar um amigo-
As palavras de Rose quebraram o encanto e a realidade pareceu voltar de supetão.
— Muito prazer! — Disse estendendo a mão para me cumprimentar e interrompendo a fala de Rose. — Meu nome é Ezequiel.
— Ezequiel Vladmir. — Disse Amir aparecendo por trás de Anne. — Que surpresa!
— Amir Borislav... Não sabia que se apresentavam pelo sobrenome nesta cidadezinha tão familiar.
— Na verdade não, mas Amir também não é daqui. — Falei depois do aperto de mãos. — Vocês se conhecem?
— Apenas de vista. — Respondeu rapidamente Ezequiel sorrindo. — Bela pulseira a sua, é de família?
— Não, acabei de ganhar, Amir me deu de presente. Não é linda?
— Sim! Certamente ele soube o que te dar! — Respondeu Ezequiel olhando para Amir, em seguida voltou a olhar para mim e completou: — Infelizmente não trouxe nenhum presente para você, Anne, mas prometo que em breve te darei um presente do qual nunca se esquecerá. Dou minha palavra!
Voltou a olhar para Amir e os dois se encararam de uma maneira estranha, pareciam se odiar. Ezequiel olhou para mim e sorriu simpático.
— Espero não ser um incômodo por ter vindo até sua casa como penetra.
Garanti a ele que não, que era bem-vindo e ele sorriu novamente agradecido.
Enquanto conversávamos, começou a tocar uma música mais lenta e Ezequiel me convidou para dançar com ele. Aceitei por educação e por curiosidade. Precisava saber quem era aquele homem misterioso. Fomos para o meio do salão e ele colocou suas mãos em minha cintura. Olhou-me bem nos olhos, o que me deixou meio intimidada, desviando meu olhar.
— Você dança muito bem, Anne!
— Obrigada!— Respondi timidamente, não estava acostumada a dançar daquela maneira.
— Porque você não me olha nos olhos? — Perguntou colocando uma das mãos sob meu queixo erguendo suavemente minha cabeça.
— Ontem, no consultório.... O que foi tudo aquilo?
— Se eu te disser que não estava lá de verdade, você acreditaria em mim?
— Claro que não! Eu te vi, falei com você! Fingiu que era médico e agora está aqui... O que está havendo?
— Te procurei por tantos anos, Anne... Só conseguia te visitar em seus sonhos.
Ele ignorou minhas perguntas, ergueu uma das mãos da minha cintura, deslizando pelas minhas costas, até tocar meus cabelos.
— Me procurou? O que quer dizer?
— Vou te contar tudo o que precisa saber se me acompanhar para um lugar mais reservado. — Olhei em volta, hesitante e ele notou minha apreensão. — Não está com medo de mim, está?
— Claro que não! — Menti.— Não tenho motivo algum para ter medo, ou estou enganada?
— Não sei, Anne... Talvez devesse ter medo, ou talvez devesse confiar em mim, é sempre uma questão de escolha. Eu nunca te privarei de suas escolhas.
— Mas eu mal te conheço...
Ele me puxou mais para junto de si, nossos corpos se tocando, seu rosto estava colado ao meu, sua mão deslizou até minha nuca.
— Talvez nos conheçamos de uma outra vida. — Sussurrou em meu ouvido.
A voz dele, grossa e melodiosa, acariciava meus ouvidos, enquanto os lábios tocavam minha orelha, aumentou o calor que sentia. Eu não conseguiria me mover nem mesmo se desejasse. Ali, no meio de todos os convidados, Ezequiel pôs-se a beijar meu pescoço. A música acabou e ficamos parados, um nos braços do outro. Nossos rostos tão próximos que eu podia sentir o calor de sua respiração.
— Hey! Acho que agora é minha vez de dançar com o Ezequiel! — Disse Rose nos interrompendo com as feições mostrando contrariedade ao nos ver juntos.
A frieza com que ele a olhou me causou calafrios. Ele a acompanhou em seguida, mas não sem antes me prometer que continuaríamos nossa conversa mais tarde.
Enquanto ela o arrastou para um canto qualquer, eu segui um tanto desnorteada para a varanda que era separada do salão por uma porta de vidro dupla que estava aberta, pois precisava de ar puro e fresco. Sentei em uma cadeira tentando entender o que estava acontecendo comigo e dar sentido as palavras daquele homem. Depois de um tempo, decidida em esperar até que tal conversa ocorresse para fazer perguntas, passeia observar os convidados.
Ezequiel, sem dúvidas, foi a atração da festa. Todos pareciam encantados com a personalidade dele, seguro, intrigante e muito bonito. Apenas duas pessoas não estavam em volta dele como satélites o tempo todo, uma delas era eu e a outra, Amir.
Amir parecia carrancudo e sério, peguei-o diversas vezes me olhando com as sobrancelhas franzidas. Estava cabisbaixo, em nada parecido com o jeito que tinha quando chegou e me deu a pulseira.
Eu me sentia estranha, me lembrava perfeitamente da experiência que tive no consultório do doutor Rodrigues. Mas o Ezequiel do consultório desapareceu como por um passe de mágica. Isso não poderia ser possível, coisas assim não acontecem. Ao me lembrar do sonho em que morria, tive um calafrio.
Sentia por Ezequiel uma mistura de atração e medo, não confiava nele e, ao mesmo tempo, não conseguia parar de pensar nele. O mistério ao seu redor me fascinava.
Fui para a cozinha beber alguma coisa, não me sentia nada bem, estava zonza e não queria desmaiar de novo na frente de todos.
— Você está bem, Anne? — Perguntou Amir entrando na cozinha logo depois de mim.
— Não sei, estou com muito calor e me sinto meio zonza.
— Sente-se um pouco. — Ele puxou uma cadeira para que eu me sentasse enquanto falava. — Quer um pouco de água?
—Sim, por favor!
Amir me deu entregou o copo e eu bebi devagar tentando me acalmar.
— Onde está a pulseira que eu te dei?
—Aqui no meu bolso, caiu, acho que o fecho quebrou.
— Deixe-me dar uma olhada. — Ele tirou a pulseira de minhas mãos e mexeu no fecho.
— Pronto, está perfeito, não vai cair de novo, não se preocupe.
Estendi o braço para que ele a colocasse de volta. Ele segurou minha mão e começou a massagear meu pulso. Me senti melhor logo em seguida. Ao levantar o olhar para seu rosto ,percebi que tinha o rosto sério e a testa franzida.
— Está aborrecido com alguma coisa?
— Não.
— Você não está gostando da festa, está, Amir?
—Não.
— Nossa! Você é bem sincero!
— Escute, Anne, não vim aqui por causa da festa, vim por sua causa. Não gostei nada desse Ezequiel entrar aqui.
— Por quê?
— Você não pode confiar nele, Anne!
— E por que não?
— Você nem mesmo o conhece! Porque não pode simplesmente escutar o que eu estou lhe dizendo sem fazer tantas perguntas? — Amir se levantou impaciente, sem soltar minha mão.
— Porque não sou um cachorro obediente. E se você teve problemas com esse cara no passado, eu não tenho nada a ver com isso e nem tenho que tomar partido.
— Não acha que foi imprudente ao deixá-lo entrar? Ao deixá-lo te tocar da maneira que fez?
— Escute, Amir, você é um gatinho, me deu uma pulseira linda, mas está falando como um lunático e sendo extremamente mal-educado!
— Tem coisas que você ainda não sabe, mas posso te adiantar que ele não é de confiança. Não teme pela sua vida?
— Pronto, já chega Amir, está indo longe demais! Resolva seus problemas com esse seu amigo em outro lugar!
— Não somos amigos! — Atalhou Amir ainda sério.
Aporta da cozinha se abriu e Ezequiel entrou.
— Estou interrompendo alguma coisa?
Perguntou Ezequiel ao entrar, olhando animosamente para Amir. Seus frios olhos negros tinham um brilho estranho e seu olhar o fazia parecer com um lobo irritado.
Amir largou minha mão no mesmo instante em que Ezequiel entrou, e como por instinto, se afastou um pouco de mim.
— Eu não me sentia muito bem e Amir me trouxe para cá.— Respondi, mais uma vez mentindo para Ezequiel.
— Muito bom trabalho, Amir, o velho Lorde Barrington vai ficar orgulhoso de seu cão de guarda. — Ezequiel sorriu debochado.— Não sabe que é falta de educação monopolizar a atenção da aniversariante desse jeito?
— Não ouço nenhum dos convidados reclamar de meu comportamento... Pelo que sei, você não consta nessa lista.
Olhei para os dois, que pareciam prestes a brigar, sem conseguir identificar a razão. Imaginei que fosse alguma coisa no passado deles e não estava disposta a estar no meio "dessa coisa" da qual nem faço ideia. Levantei-me e voltei para o salão, sem dizer nem uma palavra aos dois homens que deixei para trás.
Que clima absurdo era aquele?
Fui para perto da Nanda, que estava mais animada do que eu em minha própria festa.
— Amiga, esse Ezequiel é um arraso! E ainda tem o Amir o tempo todo atrás de você, creio que esse é o melhor aniversário que você já teve, pelo menos para meus olhos.
— Boba! Deixei os dois na cozinha, pode ir atrás deles se quiser, parecem cão e gato. Aliás, parece que vão se atracar a qualquer momento.
— Eu adoraria assistir isso, não sei por quem eu torceria. Mas vou ficar aqui com você e te mostrar um gatinho que acabou de me dar o número do celular.
Saímos em direção à varanda para que Nanda me mostrasse seu novo pretendente.