Prólogo
Todos os reinos possuem histórias. Lendas e fábulas que se embalam eternamente em um conto feito para aclamar a realeza. Lendas para apaziguar o povo e aumentar a fé deles em seus governantes.
Eu poderia contar aqui sobre várias dessas fábulas. Poderia contar sobre quando a Grande Rainha Akilina Ivanski destruiu sozinha uma horda de guerreiros do Palácio e matou o antigo e cruel rei Rurik… apesar de a história verdadeira ser um tanto quanto diferente.
Ainda lembro de ter visto como o piso de mármore branco reluzia em carmesim e de pé, observando o corpo caído, estava a rainha, segurando a espada ensanguentada como se fosse uma deusa da guerra.
Akilina Ivanski, a fêmea que foi abençoada pela própria deusa Deika. Seus olhos já não eram mais de um simples azul… Não. Agora eles brilhavam em um mais puro azul, diferente de qualquer outro. A marca deixada por Deika para ela e para sua irmã mais nova. Mas nem mesmo uma deusa seria o suficiente para impedir o que viria em um futuro mais próximo do que gostariam.
A rainha caminhou com calma até o mastro que continha a bandeira da família Vlarguel e a puxou ateando fogo. O som da batalha abaixo foi cessando aos poucos. O rei não havia se juntado ao exército e Akilina não poderia esperar menos de seu ex marido. Um covarde que possuía apenas crueldade em si.
Ela esperou a onda de alívio invadir seu corpo. Esperou a felicidade invadi-la... ela havia conseguido, afinal. Matou o monstro que sentava naquele trono. Assassinou o homem que se casou quando possuía apenas quinze anos, o homem que havia matado Elias, seu primeiro amor, a sangue frio bem diante de seus olhos. Ela ainda podia sentir a dor das surras que recebia, as torturas que foi submetida. Ainda assim, não sentiu nada.
Sua mão repousou em sua barriga, enquanto ouvia os gritos e comemorações de seus homens. Os sinos começaram a ser tocados e ela se permitiu sorrir para os céus. Aquilo era por sua filha também… a filha que havia perdido no início de sua gestação, quando foi submetida a outra surra. Foi ali que se ergueu pela primeira vez, foi ali que Akilina Ivanski decidiu que acabaria com o reinado de Rurik Vlarguel. Mas ainda assim, ela não fez aquilo sozinha. Haviam muitos cansados da crueldade do rei de Lupirlan. E certamente a rainha teve ajuda.
Ou eu poderia contar a história sobre como o mundo foi feito, a história dos quatro guerreiros que lutaram contra os merbs… apesar de não terem obtido o mesmo final que a história pregada conta.
Poderia falar sobre as riquezas do Palácio de Aljanub. Sobre como ele foi cuidadosamente trabalhado em ouro puro, de modo que cada pedra e tijolo fosse uma extensão reluzente de luz solar. Ou poderia contar as histórias dos deuses que existem nesse mundo, afinal, lendas existem para ser contadas.
Poderia falar sobre quando Lig desceu em Aljanub abençoando os feéricos com asas e os transformando em dralekins. Ou sobre quando Helba deu o dom da magia para a terra de Azuril, para que eles sempre pudessem se defender.
Talvez queiram ouvir sobre quando Yazul fez a terra de Moscóv subir do fundo do mar e a deu de presente para o primeiro rei, ou quando a deusa Évora se apaixonou pela deusa Nair.
Ou talvez, eu deva contar a verdadeira razão dos deuses virem a terra no passado… Ou melhor, a razão deles terem fugido da terra, afinal, a melhor história é a que contém a verdade… Ou não.
Muitos preferem acreditar em contos de fadas. Então, ficam contentes em pensar que a princesa salvou seu povo com a ajuda de um príncipe bastardo. Fique contente com ideias de economia e tecnologia serem fatores chaves para a vitória dessa guerra. E é claro, havia magia.
Não a magia que transforma abóboras em carruagens, muito menos a magia que coloca uma princesa para adormecer por cem anos, certamente não é a magia que faz animais virarem humanos, ou deixa príncipes amaldiçoados na forma de uma besta. Ainda assim, havia magia… oh sim, havia muita magia.
Mesmo assim, a história original é mais uma questão de alianças políticas, traições, tragédias e perdas, do que um amor inquebrável, ou de amizades sólidas e, muito menos, uma guerra que foi facilmente vencida. Não me entendam mal, houve sim muito amor envolvido, mas o mundo certamente não foi salvo por isso e principalmente, não foi de um jeito fácil.
Obviamente, para lendas como essas, os bardos tiveram que modificar muitas coisas para melhorar o brilho da história e encantar o público. Para restaurar a fé do povo em seus governantes. "Não tenham medo, nossos reis estão aqui por nós."
Afinal, o que tem mais poder do que uma história? Fique contente em permanecer na ignorância, pois quando souber verdadeiramente o que aconteceu, certamente desejará não possuir tal conhecimento.
Essa história não é nada como as fábulas contadas pelos reinos. Eles não se apaixonaram à primeira vista e certamente ambos não foram movidos pelo amor ao próximo. Eles dois foram egoístas e lutaram apenas por seus objetivos. Somente no final lutaram pelo povo. E eles se odiavam. Odiavam um ao outro por se verem no outro. Ambos estavam tomados pelo ódio e pela raiva. Porque a raiva era melhor do que as lágrimas, raiva era melhor do que o luto e principalmente, raiva era melhor do que a culpa.
A verdadeira história não é nada como os contos de fadas, não há um príncipe salvando a donzela em perigo, não há amor à primeira vista e não certamente não há fadas madrinhas ou rosas enfeitiçadas. Por isso, caro leitor, o aconselho fortemente a fechar esse livro e continuar acreditando em qualquer que sejam as histórias que tenha escutado por aí.
Mas se ainda assim, persistir nessa leitura, devo avisa-lo: Apenas as famílias reais dos quatro reinos principais possuem tal conhecimento. Portanto, se certifique de se manter silencioso após descobrir a verdade.