Capítulo 7
Amir andava em direção ao Palácio de forma pensativa. A estrangeira havia roubado, mas ele não conseguia descobrir como. Até mesmo com sua visão aprimorada, não conseguiu vê-la fazer nenhum movimento suspeito. E não foi porque se distraiu com a beleza da estrangeira, mas sim porque ela manteve as mãos sob a mesa e em nenhum momento sequer as baixou, ou até mesmo as moveu mais do que o necessário.
Ele ainda estava de mal humor quando chegou ao palácio, mesmo com Calleb falando sobre coisas aleatórias. A águia de June também estava demorando para chegar e Amir odiava aquilo. Odiava como se sentia sozinho sem ela… Eles dois se enxergavam completamente. June era como ele e ele sentia falta de alguém que o entendesse completamente.
— Mas acho que ela está namorando.
A voz de Calleb interrompeu seus pensamentos, fazendo Amir o encarar confuso.
— Quem?
Calleb revirou os olhos, o encarando com exasperação.
— June. Não ouviu nada do que eu falei?!
Amir deu de ombros.
— Me distrai. Por que acha isso?
Calleb deu de ombros levemente.
— Ela não para de mencionar essa tal fêmea nas cartas…
Amir sorriu levemente. June não era do tipo apaixonada, mas definitivamente deveria ser divertido vê-la nervosa por alguma fêmea.
Os dois mal entraram no pátio e Amir logo avistou a irmã brincando com uma lâmina, enquanto conversava distraidamente com Harum, seu sūdus. As asas marrons amareladas de Hadia estavam cuidadosamente fechadas, como se para impedir alguém de tocá-las, mesmo que fosse apenas seu sūdus ali.
Hadia ergueu os olhos verdes em sua direção e deu um pequeno sorriso, sinalizando com a cabeça para o chamar.
— Preciso ir para a cozinha, mas nos falamos mais tarde.
Calleb falou acenando para Hadia, antes de piscar para o amigo. Amir sorriu levemente concordando com a cabeça, antes de seguir na direção de Hadia
Sua irmã mais nova era linda. Ele já perdera a conta de quantas pessoas ouviu elogiando a beleza da irmã. Ele a observou, sua pele era morena, como as planícies e dunas do deserto. Os fios de cabelo escuro balançavam de forma um tanto quanto bagunçada por conta do vento e seus olhos verdes pareciam ter ainda mais destaque por conta do kajal, mas ao contrário dos próprios olhos de Amir, os de Hadia tinham aquele círculo dourado em torno da pupila.
Amir já havia perdido a conta de quantas pessoas haviam pedido a mão de sua irmãzinha ao sultão. Ele odiava todos. Hadia tinha apenas dezesseis anos. Mas ele sabia que idade não era algo que preocupava o sultão, até porque ele já havia casado uma de suas filhas e ela possuía quinze anos, na época.
Mas não Hadia… o Sultão não casaria Hadia até ela dizer que ele poderia. Não porque ele valorizava a opinião dos filhos, mas porque Hadia era sua protegida. Ele sequer se esforçava para tentar esconder a preferência.
Essa era outra das razões de ela receber tantos pedidos… a princesa de gelo, a filha preferida, a única exceção para o monstro que se sentava naquele trono.
Chegava a ser irônico o fato de Hadia e Amir se parecerem tanto. Ela era chamada de sua versão feminina. Além da aparência de ambos que era parecida, eles ainda possuíam uma personalidade mais parecida do que ele próprio gostaria. Ainda assim, o sultão mostrava uma devoção inigualável à Hadia.
— O sultão quer falar com você.
Hadia disse como cumprimento, quando ele já estava próximo o suficiente para ouvir. Amir arqueou uma sobrancelha de forma interrogativa e ouviu um baixo riso de Harum.
O sūdus de sua irmã sequer conseguia esconder que era filho de uma estrangeira. Apesar de bronzeado por conta do sol, ele ainda assim era mais claro do que a maioria dos aljuanos. Os cabelos loiros também acabavam o fazendo se destacar, apesar dos olhos cor de avelã.
— Relaxe, Amir… não é para falar sobre seu chifre recente. - Ele comentou de forma sarcástica, fazendo Amir o encarar de forma mortal, ao mesmo tempo em que sua irmã encarava o sūdus com repreensão. - O que? Foi engraçado, vai… Além do mais, não é como se não tivéssemos avisados. Eu disse para Amir que Bahi não prestava, estava na cara dele. Eu nunca acreditei em nenhum daqueles sorrisinhos sonsos que ele dava quando vinha visitar Amir, além do mais…
Ele teve sua fala interrompida por Hadia, que basicamente enfiou uma fruta na goela do sūdus. Amir revirou os olhos. Hadia era a única que sabia que seu término recente com Bahi envolvia traição. Mas ele deveria ter imaginado que Harum saberia daquilo, até porque contar algo para Hadia e não especificar que era segredo, basicamente era contar para Harum. E dependendo da pessoa que pedisse o segredo, Harum acabava por saber também. Eles eram como unha e carne. Se um dia pedissem a definição de sūdus para Amir, ele diria o nome daqueles dois.
Ele tinha apenas sete anos e meio quando Hadia nasceu, mas sabia que Harum era filho de uma das serventes de sua mãe. A mãe de Harum entrou em trabalho de parto um dia antes da mãe de Amir entrar em trabalho de parto. Mas ao contrário de sua mãe, a mãe de Harum morreu no parto e Amyra, mãe de Amir e Hadia, pediu ao sultão para ficar com Harum.
O pai de Hadia, que ainda estava desesperado para tentar reconquistar Amyra, após ter matado o pai de Amir na frente dela, permitiu. E talvez aquilo tivesse sido a última coisa boa que sua mãe fez para qualquer um. Desde então, ambos cresceram juntos. Harum aos cinco anos começou a trabalhar no Palácio como mensageiro, mas aos dez, Hadia exigiu que o pai retirasse ele daquele trabalho e o deixasse ser apenas o acompanhante dela. E o sultão permitiu. E Lig que os protegesse daqueles dois.
— Ele estava conversando com o general. Acredito que seja algum… trabalho.
Hadia falou, voltando a encarar o irmão. Amir percebeu o ódio nos olhos dela ao falar aquilo. Ela odiava o que o irmão era obrigado a fazer, odiava o pai por fazer aquilo com ele… Hadia conseguia tudo de seu pai, ela não precisava sequer se importar em parecer agradável para pedir algo. O que ela pedisse, o sultão faria. Qualquer coisa, menos libertar Amir. Havia apenas uma coisa que o sultão aparentemente amava mais do que Hadia… fazer a vida de Amir um verdadeiro inferno. Talvez como forma de punir sua mãe por ter o traído, ou talvez para punir o próprio Amir por ter nascido.
Ele perdeu a conta de quantas vezes foi torturado e "forjado" para ser o soldado impecável que era. E a única coisa que o impedia de partir, era ironicamente, a única pessoa que o sultão aparentemente amava.
— Não se preocupe com isso. Voltarei a tempo do seu treinamento.
Amir falou baixo, antes de deixar um beijo na testa da irmã. Hadia o encarou com atenção e sorriu.
— Cuidado para não bater seu chifre na porta.
Ela brincou, fazendo Harum cair na gargalhada. Mas quando Amir a encarou para dar uma resposta, sentiu o próprio sangue poderia parar de circular por um momento. Hadia sabia o que ele havia ido fazer fora do palácio… Ela sabia quem ele havia ido encontrar. De alguma forma Hadia sabia que seu irmão fazia parte da rebelião e Amir sabia que aquele segredo ela guardaria até mesmo de Harum.