Capítulo 3 O amuleto budista de Camila
Renata percebeu que seu filho parecia ter mudado um pouco, mas ela não perguntou muito. Após passar quase um ano no hospital, ela entendia que as mudanças em Vitor eram compreensíveis.
Ela também não perguntou sobre Eduardo, temendo que isso trouxesse mais dor para Vitor.
De volta ao apartamento alugado, Vitor pagou o aluguel atrasado e então, levou a mãe embora. Eles fizeram isso não apenas para evitar o assédio das empresas de empréstimo, mas também para escapar da vingança de Rafael e seus capangas.
Embora Vitor tivesse a capacidade de se proteger, Renata era vulnerável. Ele alugou um quarto na Vila Urbana Floresta, onde sua mãe poderia se recuperar em paz.
A saúde de Renata melhorou gradualmente, e a pressão dos custos médicos diminuiu, mas Vitor não estava aliviado. Ele ain da devia um empréstimo online e estava procurando desesperadamente por seu pai adotivo, Eduardo. Vitor precisava de uma resposta definitiva, vivo ou morto.
Na manhã de cinco dias após Renata ter deixado o hospital, ela já estava bem o suficiente para cuidar de si mesma. Vitor ligou o celular, que estava desligado há cinco dias, e imediatamente recebeu dezenas de mensagens. Logo em seguida, uma chamada entrou.
Vitor colocou os fones de ouvido e atendeu. Do outro lado da linha, a voz fria e urgente de Camila perguntou:
— Finalmente ligou o celular? Achei que tivesse fugido com o dinheiro. Esses dias, sem atender minhas ligações, sem responder mensagens, ninguém em casa. O que você está fazendo? Se não quer mais ficar na família Marinho, então saia logo.
— Desculpe, eu estava cuidando da minha mãe. Ela acabou de sair do hospital e precisa de cuidados. — Vitor rapidamente explicou, sentindo o peso das palavras dela como um soco no estômago. — Desliguei o celular porque as empresas de cobrança estavam ligando o tempo todo. Não queria que ela se preocupasse, então desliguei. — Ele perguntou com uma mistura de urgência e arrependimento.. — O que você precisa?
Apesar de ter sofrido humilhações na família Marinho, Vitor sabia que não tinha o direito de ficar bravo. Afinal, foi a família Marinho que deu cinquenta mil reais para salvar a vida de sua mãe.
Ao ouvir que Vitor desligou o celular para cuidar de Renata, o tom de Camila suavizou um pouco:
— Me mande sua localização, vou te buscar.
— Vocês voltaram da viagem? — Vitor ficou surpreso.
Uma semana antes, a família Marinho tinha ido viajar para o exterior, deixando Vitor sozinho em casa.
— Você não entendeu o que eu disse? Mande a localização. — Camila desligou impacientemente.
Vitor enviou a localização.
Meia hora depois, um BMW vermelho parou na frente de Vitor. A porta se abriu e uma mulher deslumbrante apareceu do interior do carro. Ela vestia roupas de preto, tinha traços delicados, pele clara como a neve, um ar distante, mas ao mesmo tempo sensual. As suas longas pernas, brancas e delineadas, eram um verdadeiro espetáculo, capturando olhares e prendendo a respiração dos transeuntes.
Camila, a mulher mais bonita do Cidade Z, era também a esposa de Vitor.
— Deixar sua mãe morar nesse lugar horrível, você é realmente um filho dedicado. — Camila, com seu sarcasmo habitual, entregou a Vitor algumas garrafas de vitaminas e flores. Sua voz estava carregada de ironia. — Isto é para sua mãe. Ela precisa se recuperar bem. Você não disse que ela precisava de cirurgia? Por que devolveu o dinheiro? — Ela jogou um cartão de banco para Vitor. — A família Marinho já gastou seiscentos ou setecentos mil com você. Não fará diferença mais cem mil.
— Não precisa, ela está muito melhor, não precisa mais de cirurgia... — Vitor imediatamente recusou.
— Pegue, é para sua mãe. — Camila interrompeu Vitor sem rodeios. — Assim você não precisará mendigar por aí. Não me venha com essa de dignidade. Se você tivesse dignidade, não teria se casado comigo, nem aceitaria meu dinheiro todo mês para os remédios da sua mãe.
As palavras de Camila eram cortantes, sugerindo que a recusa de Vitor era apenas uma fachada de orgulho.
Vitor sentiu-se humilhado, queria devolver o cartão, mas Camila já estava de volta ao carro.
— Obrigado. Seus pais já voltaram? — Vitor agradeceu, com as vitaminas e o cartão na mão.
— Isso importa para você? — A voz de Camila continuou fria. — Leve essas coisas para sua mãe, precisamos conversar.
Vitor não disse mais nada, subiu ao apartamento de sua mãe para entregar os suplementos e, depois de se despedir, saiu.
Assim que entrou no banco do passageiro, Camila acelerou, fazendo o carro disparar.
Vitor se desequilibrou e acidentalmente tocou a perna de Camila. A suavidade e a sedosidade de sua pele contrastavam com a tensão no ar. Ao mesmo tempo, uma mensagem apareceu na mente de Vitor.
[Estado: Energia negativa intensa, má sorte persistente, ameaça de morte...]
[Causa: Amuleto budista obtido na viagem foi amaldiçoado...]
[Reparar ou destruir?]
Vitor queria escolher “reparar”, mas antes que pudesse decidir, o olhar de Camila se tornou gélido.
Ele rapidamente afastou a mão e queria ajudar Camila a se livrar da energia negativa, mas a reparação exigia contato físico, algo que Camila nunca permitiria. Ele então sugeriu gentilmente:
— Camila, parece que você tá passando por algo ruim. Aí, seu astral tá meio turbio, sua energia não tá muito forte. Talvez seja hora de procurar um mestre espiritual, buscar um pouco de orientação para resolver esses problemas.
— Há quanto tempo você se tornou vidente? — Camila riu com desdém.
— Não, você realmente está com energia negativa. Alguém amaldiçoou o amuleto que você trouxe da viagem, não é? Você está usando um amuleto, certo? — Ele falou tudo de uma vez, com um tom de urgência.
— Cala a boca! — Camila gritou. — Você é quem está amaldiçoado, não eu! — Sua raiva era evidente, os olhos faiscando de fúria. — Estou perfeitamente bem. Se continuar me amaldiçoando, eu vou te jogar para fora do carro. — A voz dela estava cheia de desprezo e incredulidade.
— Eu não estou te amaldiçoando. — Vitor suspirou.
— Então, cale a boca. — Camila o cortou e o sarcasmo em sua voz era evidente. — Você não sabe do que está falando. Um simples cozinheiro agora acha que pode ler o futuro das pessoas?
Vitor fechou a boca. Sentia-se impotente e frustrado. Ele sabia que Camila não acreditaria nele, mas queria protegê-la de qualquer maneira.
Vendo o silêncio de Vitor, Camila ficou ainda mais irritada. Além de inútil, ele era covarde. Para que ele servia? Ela se perguntava como Vitor sabia sobre o amuleto? Ela o guardava perto do peito, como ele poderia ter conhecimento disso? Camila concluiu que ele deve ter espionado e estava tentando impressioná-la. Certamente era isso. Isso a deixou ainda mais decepcionada.
Vitor não era apenas inútil, ele era um pervertido.
— Vitor, este mês, quando eu resolver meus assuntos, vou pedir o divórcio. — O olhar de Camila era firme. — Quer você concorde ou não, vou me divorciar de você.
Um ano atrás, a família Marinho enfrentou uma onda de má sorte e Camila adoeceu gravemente. Para afastar o azar, Vitor foi aceito na família. Nesse período, a má sorte se dissipou, a saúde de Camila melhorou, e agora a família queria se livrar de Vitor. Todos na família Marinho o desprezavam. Camila, que inicialmente sentia pena dele, passou a vê-lo com repulsa, sem perceber nenhum valor nele.
Ao ouvir falar do divórcio, Vitor permaneceu em silêncio, mas seus olhos se tornaram melancólicos. Ele se sentia como um paria.
— Você sabe por que meus pais e meu cunhado estão decepcionados com você? — A voz de Camila era fria e distante. — Não é porque você é pobre, ou porque entrou para a nossa família, mas porque você é fraco e inútil. — Vitor ouviu em silêncio enquanto ela continuava, sua voz carregada de desdém. — Neste ano, além de fazer as tarefas domésticas, você não fez nada de útil. Você é patético e incompetente. Não quero passar minha vida com um homem assim, mesmo que você tenha sido trazido para afastar o azar. Não se preocupe, vou te dar quinhentos mil no divórcio. Assim, sua mãe não precisará se preocupar com os remédios. — Camila fez uma pausa, olhando fixamente para Vitor. — Vamos terminar bem, para que eu não perca totalmente o respeito por você.
Terminar bem?
Os olhos de Vitor mostraram dor. Ele ainda se lembrava daquela tarde nevada, da menina de trança e vestido vermelho, a mesma que lhe deu um saco de pão e salvou sua vida. Embora dezoito anos tivessem se passado, Vitor lembrava claramente do rosto e da bondade daquela menina. Foi a principal razão pela qual ele aceitou entrar na família Marinho. Os quinhentos mil reais eram importantes, mas pagar aquela dívida de gratidão era ainda mais. Ele suspirou, talvez fosse hora de deixá-la ir...
— Você me ouviu? — Vendo Vitor perdido em pensamentos, Camila falou com raiva. — Estou pedindo o divórcio...
Antes que ela terminasse, Vitor, que estava quieto até então, moveu-se repentinamente. Ele inclinou-se sobre Camila, a força esmagadora restringindo seus movimentos. Na próxima fração de segundo, ele girou o volante com a mão esquerda e pressionou a coxa de Camila com a direita. O BMW, que estava prestes a parar no sinal vermelho, acelerou como uma flecha.
— Vitor! — Camila gritou. — Você enlouqueceu?
O carro mal havia cruzado a rua quando um caminhão desgovernado varreu a esquina, colidindo com seis carros e espalhando destroços por toda parte. Gritos ecoaram. Camila empurrou Vitor e freou bruscamente, virando-se para ver.
Uma cena de horror e sangue se desdobrava diante deles. Carros destroçados, pessoas feridas e gritos de desespero preenchiam o ar. Camila estava tremendo, seu rosto pálido.