Capítulo 5
Valentina estava preocupada com a situação dela e de Carmem. O pai Donato era o principal provedor da casa delas e agora não estava mais ali para mantê-las e não queriam depender da ajuda dos outros homens e muito menos de Benício ou Salazar. Apesar de Carmem contribuir com a renda fazendo as leituras de tarô na cidade, apenas aquilo não seria capaz de suprir as suas necessidades integralmente.
– Vó eu pensei e irei procurar um trabalho na cidade. Apesar de ser mais difícil encontrar um emprego de meio período, por causa da faculdade...
– Nem pense em trancar seu curso Valentina. Você lutou muito por essa bolsa de estudos e não abro mão de te ver formada. Eu posso ficar mais tempo na cidade e tentar pegar algum serviço de faxina ou costura.
– De jeito nenhum, a senhora já fez demais por mim a vida inteira. Chegou minha vez de retribuir. Eu vou conversar com Sofia ela conhece muita gente e talvez possa me ajudar a conseguir algo.
Naquela semana Valentina se dedicou a tentar encontrar algum trabalho na cidade que pudesse conciliar com seu estudo, mas estava difícil. Benício a cada dia estava mais fissurado por ela a olhava sempre e parecia se perder em seus traços e em cada em cada detalhe dela, procurava cada vez menos por Adriana na cama e quando raramente acontecia, ela sabia que ele fazia com Valentina em seu pensamento.
Karen irmã de Benício se aproximava de Salazar, ela tinha ficado encantada com ele desde o dia em que chegaram de volta ao clã. Porém, ele não tinha olhos para ela, pois seu coração sempre teve dona.
Karen estava indo buscar água no rio e estava sozinha, viu Salazar andando por lá e logo se aproximou.
– Oi. – Karen toma coragem de iniciar uma conversa com ele.
– Oi, tudo bem?
– Tudo sim...é que meu irmão Benício saiu cedo de casa e não o vi. Eu queria saber se você vai até a cidade hoje? – Karen pergunta timidamente, sentia que ele tinha um jeito mais reservado de ser, assim como ela e isso exercia um verdadeiro fascínio.
– Talvez mais tarde para buscar algumas coisas. Por que?
– Posso ir contigo?
Ele pensou bem e até relutou, mas não viu nada demais em apenas concordar com aquela carona inocente, mesmo sendo para a irmã do seu pior inimigo.
– Claro. Umas 16:00 estarei te esperando então. – Ele responde sorrindo levemente, depois se arrepende de ter concordado com a carona, pois Valentina poderia não gostar disso.
Salazar
Ou quem sabe ela sinta ciúmes ao me ver próximo a Karen, ela é bonita e jovem. Qualquer homem daqui se sentiria envaidecido ao ser visto com ela, Valentina pode se sentir ameaçada.
...
Valentina foi para seu curso a tarde como todos os dias, mas sua cabeça ainda seguia preocupada com a situação financeira delas. Carmem estava junto com as outras mulheres do assentamento fazendo o artesanato, quando Domênica, mãe de Benício chega e se senta com elas, o clima naquele lugar fica pesado.
– Boa tarde. – Ela diz e apenas as outras respondem. – Carmem estamos vivendo agora em comunhão, sei que é difícil pedir que esqueçamos o passado, mas temos que aprender a coexistir. – Domênica tentava inutilmente fazer com que Carmem, ao menos fosse cordial com ela.
– É fácil falar em coexistência quando a garganta cortada não foi de sua filha. – Carmem se levanta e sai visivelmente alterada, ela pedia tanto que a neta tivesse calma, mas ela mesma, se deixava levar pelo sofrimento e revolta.
Domênica a segue.
– Minha família e eu também sofremos com tudo, como acha que fiquei ao ver meu marido matar alguém e nos condenar a tudo o que passamos nessa vida?
– Só posso sentir por mim e pela minha neta. Que além de tudo o que tem sofrido a vida inteira sem a mãe, ainda foi enganada pelo seu filho para trazer vocês de volta para cá! – Carmem diz com expressão de revolta.
– Não foi justo terem nos expulsado daqui assim sem mais nem menos. Kayon foi condenado pela justiça e isso teria sido o suficiente.
– Minha família não faz as leis desse povo. Nós apenas as cumprimos e diga a seu filho para ficar longe de Valentina, eu não admito que ele tente tirar proveito dessa mentira de casamento para querer abusar dela!
– Meu filho não faria isso! Ele já tem uma mulher que o ama. – Domênica responde, mas por dentro sabia que aquela acusação era verdadeira.
– Então me diga, o que ele pretende cercando-a por todos os lados como tem feito desde que se casaram? E o beijo que forçou na frente de todos, inclusive da mulher que você afirma que ele ama?
– Ele deve estar enfeitiçado, sabe como são os homens perdem a cabeça muito fácil! – Domênica diz deixando Carmem em estado de total ira.
Carmem
Como pode querer comparar a dor da minha neta e minha com as dela? Seja como for Kayon ainda está vivo e quanto a mim e Valentina, temos que nos conformar em visitar um túmulo.
...
Eram 16:00 e como combinado, Salazar esperava por Karen para irem até a cidade e ela surge pontualmente. Arrumada demais para um simples passeio de rotina, mas ele apenas sorriu e eles partem para lá, logo a moça toma coragem para entrar no assunto que tanto queria.
– Salazar posso te fazer uma pergunta? – Ela diz com pouca força na voz, talvez com medo da resposta.
– Faça! – Ele diz sem fazer contato visual, apenas prestando atenção na estrada.
– Valentina e você têm algo mais que amizade?
– Sim, eu a amo e em breve iremos nos casar. – Ele foi curto e direto ao ponto. Sabia que ela poderia querer sondar isso e contar para o irmão, então seria bom deixar tudo bem explicado.
– Mas não existe divórcio e pelas nossas leis nem mesmo se meu irmão morresse ela poderia se unir a outro homem, nem a você!
– Iremos embora assim que ela decidir, estou pronto para tirá-la desse lugar e em breve.
– Irá abandonar nosso povo por ela Salazar? – Karen perguntou tentando controlar a revolta.
– Sim e a muito tempo já desconsidero este clã como meu povo.
– Por que diz isso?
– Por que Benício foi recebido de volta com status de líder, ao invés de filho de assassino! – Falar desse homem sempre o deixava assim, daquela amizade infância nada além de ódio havia restado e um forte desejo de vingança.
– Então odeia a todos nós, pelo que meu pai fez?
– Não odeio você e sua mãe Karen, mas seu pai e seu irmão, ambos pelo que fizeram a Valentina e sua avó!
– Acha justo então que tenham nos mandado, embora? Acha que isso é justiça? – Ela chora ao perguntar.
– Todos nós estamos submetidos a leis moça!
Karen ficou abalada com tudo o que ouviu e até se arrependeu de ter perguntado, sentiu que não só ele abominava sua família, mas tinha planos de largar tudo e partir com Valentina em breve. Eles chegam a cidade, a vontade que ela tinha era de acabar com a existência de sua rival.
Karen
O que ela tem de especial? Por que todos querem protegê-la e amar? Meu pai devia ter matado Eulália enquanto estava grávida dela! Valentina não devia existir, antes que eu saísse da frente de Salazar ele segurou meu punho e olhei para trás.
– Vou até o centro e às 17:00 passo aqui de volta para te buscar. – Ele diz soltando-a e saindo em seguida.
– Obrigada.
Karen não tinha muito o que fazer na cidade, aquilo era apenas uma desculpa ficar a sós com ele e todos os seus planos fracassaram ao ouvir o quanto ele se importa com Valentina e que está disposto a tudo por ela. Ficou dando voltas pela feira até que o tempo passou, eram 17:00 e Valentina saia da faculdade e ia até o ponto de ônibus. Salazar e Karen já estavam na caminhonete e ele resolve dar uma carona.
– Valentina vamos? – Ele diz sorrindo para ela.
Valentina retribui o sorriso dele, Karen queria sumir daquele lugar e daquela situação constrangedora de estar no mesmo carro que a rival. Eles vão no mais profundo silêncio, Valentina estava cansada e tão pouco Karen queria iniciar um diálogo ali.
Eles chegam e Karen desce.
– Obrigada Salazar! – Ela diz sem nem olhar para Valentina.
Ele sai e acompanha Valentina.
– Eu soube que aceitou uma carona de Benício é verdade?
– Pelo amor de Deus, não começa! – Valentina responde andando mais rapidamente.
– Eu só fiz uma pergunta.
– Está bem Salazar, eu respondo. Sim eu tive que aceitar a carona dele, mas foi só isso e não precisa me fazer um interrogatório.
– Eu sei que sim. Ele não se atreveria a nada, não é Valentina?
Valentina
Fiquei pensativa com medo de que minha expressão entregasse que ele estava sim, fazendo tudo o que podia para tentar que houvesse intimidade entre nós. Mas eu me contive.
– Não! – Respondi friamente.
– Por favor, apenas uma vez em sua vida me escute. Eu posso ter muitos defeitos, esse meu ciúme possessivo e dominador e eu sei que é errado. Mas com tudo isso, o que de maior eu tenho dentro de mim é o amor que sinto por ti, por favor Valentina se desfaça de toda essa carga de sofrimento que tem te mantido aqui neste lugar submetida a humilhação desse homem. Vamos embora daqui com dona Carmem e minha mãe...hoje mesmo, agora!
– Eu não sou covarde Salazar. Seria fácil virar as costas e partir deixando meu povo para trás, nas mãos deste homem. Mas eu não posso ser egoísta e pensar só em mim mesma e na minha dor, eu confesso que cheguei a pensar nisso, mas não conseguiria partir daqui sem olhar para trás.
– Então prefere ser pisada assim por ele?
– Eu não me importo. Só quero seguir, com sua amizade e o amor da minha avó...que são tudo o que me resta agora. – Valentina o abraça.
Benício chega do trabalho e encontra Domênica na cozinha.
– Hoje eu disse que iria ver seu pai, mas preferi ajudar as mulheres no artesanato. Já não nos querem aqui e imagine ainda se não ajudarmos nas tarefas.
– Alguém a distratou? – Ele questiona.
– Não, apenas tive uma conversa acalorada com Carmem.
– Por favor mãe, não quero que fiquem relembrando o passado, isso não é bom para nenhuma de vocês.
– Não quer que sua mãe fale a verdade na cara daquela mulher, para não te deixar mal com a neta dela, não é? – Adriana grita da porta da cozinha ao ouvir a conversa da sogra com ele.
– Estou falando com minha mãe, por favor pare de colocar mais lenha na fogueira. Não se esqueça de que aqui nossa família não é bem-vinda. – Benício diz lembrando a ela da situação que estão.
– Mas ainda assim viemos por você! E nos paga ficando do lado da outra. – Adriana deixou transbordar a dor e ciúme em lágrimas.
– Estou do nosso lado, sempre do nosso. Mas para que nos aceitem temos que mostrar valor e arrumando briga com elas será impossível. – Benício disse ao se aproximar, Domênica não interveio entre os dois.
Adriana deixa os dois a sós e vai consumir sua raiva sozinha.
– Filho, tem que ser mais compreensivo com sua mulher. Ela vai acabar nos deixando.
– Para ser sincero talvez seja melhor mesmo que Adriana vá embora de uma vez.
– O que está dizendo? não a ama mais é isso?
– Estou confuso mãe, não sei o que sinto por ela!
– Pois pense direito para não fazer bobagem. Espero que Valentina não tenha a ver com isso, por que Carmem veio me alertar sobre investidas suas filho! Eu não quero nem pensar no que aconteceria se você tocasse nessa garota.
– Não pode me julgar por querer consumar meu casamento, Valentina é linda e me deixa louco.
– Mas desde o início você sabia que seria apenas para voltarmos para cá, como pode querer agora usar disso para deitar com essa moça?
– Eu a quero mãe, desejo essa mulher. Talvez mais do que desejava que nos aceitassem aqui de volta, é algo que não consigo transformar em palavras. Todos os dias tenho necessidade de ouvir a voz dela, de vê-la...
– Já chega de tantos absurdos, se eu estava com medo de tudo o que pudesse acontecer aqui, agora eu tenho certeza de que não foi boa ideia voltarmos. – Domênica se apavorou com o relato de Benício sobre essa obsessão, saiu andando pela tenda de um lado para o outro sem saber o que fazer.
– Eu sei que estou perdido por isso. Que talvez eu esteja pagando a parte que me corresponde nesse castigo, (suspiro) eu vou tentar me afastar dela. Mas não sei se conseguirei, tentei dizer a mim mesmo muitas vezes para não pensar nela, mas não posso!
– Vai conseguir e eu vou te ajudar filho!!!!! – Ela se aproximou e tocou o rosto do filho, precisava livrá-lo desse desejo absurdo.
Depois do jantar, Domênica saiu sorrateira e foi até Josélia uma de suas amigas antigas do clã.
– Vim te pedir que me ajude e só confio em você para esta missão. – Domênica diz a ela.
– Sente-se e diga no que posso te ajudar?
– Eu quero que você faça um dos seus feitiços.
– De que tipo de trabalho precisa?
– Quero afastar duas pessoas definitivamente. Quero que Benício sinta mais ódio ainda por Valentina. – Domênica sabia que só assim podia conseguir, algo forte e poderoso o bastante para fazê-lo se esquecer do que sentia por ela.
– Valentina! ela e sua família. Sempre fazendo os homens se perderem em sua maldição feminina. – Josélia tinha uma rixa antiga com Carmem e aquela seria uma boa oportunidade de cobrar.
– Eu quero que meu filho Benício a odeie. Que deseje a morte dela se possível.
– Tenho o trabalho perfeito para isso. Me traga algo que seja dele, de preferência um colar, pois pretendo que esse ódio o sufoque contra ela.
– Perfeito, amanhã bem cedo eu trago o que precisa. Eu sou capaz de tudo para libertar o meu filho e quem sabe se eu tivesse feito o mesmo por Kayon, a maldição não teria nos tirado tudo!
– Eu aguardo ansiosa. – Josélia responde e as duas se despedem, tendo em suas mentes um plano macabro para tentar eliminar qualquer sentimento de amor que Benício tivesse por Valentina.