Capítulo 3
Gustavo
— Eu já falei pra você, não adianta adiar o que é inevitável!
— Tudo tem o seu tempo, pai, eu não estou preparado, eu tenho só vinte e um anos, não tenho a cabeça tão formada, preciso tomar muitas decisões ainda.
— Você é um idiota que pensa que a vida é um parque de diversões! Onde já se viu você abrir mão de um casamento tão vantajoso como esse por causa de futilidades com os seus amigos Zé ninguém e putas baratas?
— Não tem nada a ver com isso, eu só não quero me casar pra viver igual você e a minha mãe, a única coisa que eu quero é ser feliz, coisa que eu não consigo ser naquela casa perturbada onde nós vivemos.
— Você pensa que a vida é uma novela, é isso? Pensa que pode ter uma vida como naqueles comerciais de TV onde as famílias estão sempre sorrindo e dando as mãos?
— É que...
— Veja bem, olhe pra você e olhe pro seu primo Lucas, veja a diferença entre vocês.
— Ele é mais moreno do que eu?
— Ele é só um merdinha de um cozinheiro, você é o herdeiro da Brastlimp, tem noção?
— Não entendi qual é a relevância disso.
— O que eu fiz pra merecer um filho tão burro igual você?
— Pai, eu te ajudo em tudo no que eu posso, aceito os seus conselhos, faço tudo o que você pede, mas casamento? Eu não achei que você fosse me pedir isso tão cedo, então me perdoe, mas, no momento a minha resposta é não.
— Eu tenho coisas mais importantes pra resolver do que ficar aqui ouvindo as suas birras, você parece um moleque de seis anos que não sabe o que é melhor pra si próprio.
— Isso, vai lá pai, porque comigo o senhor não vai conseguir nada, a minha cabeça já está feita e nada do que o senhor diga poderá mudar isso.
— Depois terminamos essa conversa, seu moleque estúpido.
Meu pai saiu batendo a porta com o celular na mão. Ele é um homem difícil, acostumado a conseguir o que quer, o que não consegue entender é que eu sempre fiz as suas vontades por livre e espontânea vontade, não só porque era a vontade dele. Casamento com a Lívia está fora de questão e eu não tenho dificuldade em falar não. Quanto a forma baixa que ele se dirigi à mim é normal em nossa casa, eu tenho como latidos de um cão que não morde.
Ajeito os papéis bagunçado sobre a mesa e faço umas ligações antes de descer para o café da tarde. Hoje preciso comer aqui na empresa, o meu pai também, fazemos isso às vezes sem aviso prévio para sabermos como estão indo as coisas, geralmente eu almoço no escritório ou vou em algum outro lugar. Detesto ser reconhecido e tratado como o herdeiro Brastlimp, isso apaga tudo o que eu realmente sou... Ninguém me conhece pelo que eu realmente gosto. Enfim, melhor eu descer, está na hora.
(...)
Quando coloquei os pés no refeitório ouvi uma discussão, reconheci a voz do meu pai no mesmo instante, me apressei em saber do que se tratava.
— Onde já se viu, você deveria ter seguido o roteiro, temos um cardápio profissionalizado com as mais saudáveis receitas para o café da tarde — meu pai estava bravo como nunca vi antes.
Certamente a minha recusa em fazer a sua vontade o irritou e agora ele está descontando em outra pessoa.
— Eu pensei que dar uma inovada faria bem, mas me enganei, perdoe-me, senhor, isso não irá se repetir — a jovem cozinheira tentou se explicar, ela parece bem nervosa e com medo, bem diferente de hoje na hora do almoço, lembro-me que quando a olhei fiquei tão perturbado que desviei o olhar, mas me arrependi porque percebi que ela me abriu um sorriso.
Senti-me mal por perder isso.
— Isso é inadmissível! Eu não te pago para pensar, eu te pago para cozinhar! É só seguir o calendário, onde está o incompetente do Lucas? Quero resolver esse assunto com ele.
— O chef saiu, ele precisou ir embora mais cedo, mas a culpa é minha, eu peço perdão.
— Saiu mais cedo hoje de novo? Estou cercado por incompetentes irresponsáveis.
— Pai, está tudo bem aqui? — intervi, sinto-me culpado pela confusão, afinal eu tenho culpa por ele estar tão irritado, — o que aconteceu, pai?
— O que aconteceu? Olhe para isso, veja se eu mereço depois de anos e anos de esforços para manter essa empresa em pé, uma desfeita dessas.
Olho para a direção que o meu pai apontou e vejo bolos e tortas, belas e vistosas.
— Ah, que bom, eu estava enjoado daqueles pães amargos e frutas, — eu sei o quanto o meu pai preza por manter a sua palavra acima de tudo.
Ele é controlador e adora ver a sua palavra sendo cumprida. Ele não pode comer qualquer tipo de comida, e por isso o resto da empresa precisa pagar.
— O Lucas não deveria ter deixado uma responsabilidade gigantesca como essa nas mãos de uma pirralha que não deve ter nem dezoito anos, quem contratou você, garota?
— Eu tenho dezoito anos, senhor, é o meu primeiro dia e eu ainda estou em adaptação, por isso peço que compreenda e perdoe esse meu erro, prometo que não vai mais acontecer.
— É claro que não vai, sabe por que? Você está demitida, não está aprovada.
— Pai, isso não é uma atitude inteligente, estão todos olhando.
— Que olhem! Olhem e vejam o que acontece com incompetentes dentro da minha empresa.
— A moça não sabia, pai, não pode demiti-la por um simples erro como esse, afinal, só o senhor não pode comer isso, e o senhor nem come na empresa! Pois saiba que isso é egoísta da sua parte.
— Quer mesmo falar sobre ser egoísta?
— Depois falamos disso, vim lhe informar que o Edson Kooc está te esperando no telefone do seu escritório.
— O Kooc?
— Sim, eu vim lhe informar o mais rápido possível, pois todos queremos que o contrato com a empresa dele seja assinado, então acho melhor o senhor não deixá-lo esperando por muito tempo.
— Será que ele mudou de ideia?
— Se eu fosse o senhor eu iria conferir agora mesmo.
Meu pai deu uma olhada torta pra moça da cozinha e saiu em passos apressados, eu o segui sem pensar duas vezes.
(...)
— E você acha que eu sou tolo? Você me enche de decepções atrás de decepções, não vou perdoar essa sua mentira... Ou você se casa com a Lívia, ou eu demito aquela moça.
— Por que o senhor está fazendo isso?
— Se você foi capaz de inventar uma falsa ligação para salvar o emprego daquela garota, isso significa que ela é importante pra você, então você poderia fazer um sacrifício por ela, não poderia?
— Faz-me rir, pai, eu nunca a vi antes, a primeira vez que eu a vi foi no almoço e agora no café da tarde foi a segunda vez... Quer demiti-la? Pois siga em frente, saiba que ela não significa nada para mim, só não se esqueça de que esse seu comportamento será levado até o conselho e nem sempre o seu dinheiro consegue salvá-lo da justiça.
— Gustavo, eu já não sei mais o que fazer com você...
— Tenta fingir que você está morrendo, talvez isso me fizesse fazer a sua vontade de me casar com a Lívia.
— Eu deveria ter tido uma filha, pelo menos ela não me daria tantas dores de cabeça.
— Pai, não seja melodramático, observe-me bem, eu serei o melhor líder que essa empresa verá, e não será um casamento vantajoso com a companhia adversária que me fará ter esse resultado.
— Não seja arrogante, pensar que tem tudo sob controle é o maior erro de um principiante.
Olha só quem está falando, né?
— Pai, tenho assuntos a resolver, preciso ir — caminhei em direção à porta da sua sala.
— Você cederá, verá que na vida precisamos ser calculistas nos mínimos detalhes, ao contrário disso só temos decepções.
— A gente se fala, pai.
Fechei a porta do escritório dele atrás de mim e soltei o ar. É um pouco tenso vê-lo fazer tanta cena, mas no final do dia eu sei que ele é um homem bom que pensa estar fazendo o melhor para todos. Inclusive para a jovem cozinheira, de alguma forma.
(...)
Ao final do expediente aceitei o convite de alguns amigos para um churrasco à moda antiga na casa do primo de um deles, o Felipinho. Eu gosto bastante de estar no meio de pessoas leves e livres de preocupações ambiciosas, que preferem viver a vida intensamente do que ficar se preocupando com economias, aplicações, contratos e etc. Por isso ao longo da minha vida até aqui, com os meus vinte e um anos, eu só trouxe relações saudáveis com as pessoas que me tratam como um ser humano normal, fazem piadas, me zoam e não tem medo do que eu penso deles. Acredito que seja porque eu cresci vendo os meus pais fazerem e serem tudo o que eu não queria pra mim.
(...)
Já em casa tomei um banho demorado no chuveiro fresco e em um certo momento eu me lembrei da jovem na hora do café da tarde, a pobre coitada deve estar se sentindo muito mal e confusa com o comportamento do meu pai. Ainda com o chuveiro ligado eu liguei para a minha secretária e pedi para ela providenciar o número e o nome da nova cozinheira o mais rápido possível e me enviar por mensagem.
Quando terminei o banho, antes mesmo de me vestir a minha secretária me enviou o número e o nome dela, eu digitei uma mensagem e enviei:
"Ana, olá, sou o Gustavo Brastlimp, filho do Rafael Brastlimp, venho por meio dessa mensagem me desculpar pelo ocorrido, saiba que você não será demitida e espero que você esteja bem e que continue cozinhando as suas tortas tão lindas para nós, sinto-me triste por não ter provado nenhum pedaço, acredito que haverá novas oportunidades. Atenciosamente, Gustavo."
Acho que está bom, eu sendo o filho do dono deve significar alguma coisa.
(...)
— Gustavo, hoje a cozinheira vai fazer o seu prato preferido, foi eu quem a instrui, eu mereço um beijinho no rosto?
— Mãe, sinto muito, tenho um compromisso com uns amigos e vou ter que recusar a sua generosa demonstração de afeto, eu quase perdoo você por ter me esquecido no dia das mães — sorri de forma sarcástica.
— Gustavo, quando vai parar de ser tão egoísta e pensar um pouco na empresa e nas outras pessoas?
— E quando você vai parar de me deixar em segunda opção?
— Você sabe que tudo o que eu faço é por você.
— Mãe, vou nessa, tô atrasado.
Praticamente corri dela. Não gosto quando ela decide me dar atenção assim do nada. Acredito que infelizmente eu me acostumei a não tê-la.