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Três

A manhã inteira, minhas damas ficaram sorrindo para mim após encontrarem o imperador em meu quarto. Eu não poderia tirar a graça delas, já que se eu tivesse visto de fora, também não conseguiria digerir o acontecido. Ainda assim, nenhuma delas quis saber se realmente não havia ocorrido algo. Como o próprio imperador lhes deixou claro que nada aconteceu, elas aceitaram suas palavras, então pensei que talvez seus sorrisos fossem exatamente por isso. Por encontrarem um homem no quarto de uma mulher que estava esperando até o casamento dos dois para tocá-la. Eu não tinha como negar que Tadaki diferia de todos que conhecia.

O grande problema da nossa sociedade era impor regras exorbitantes e desconexas que tornavam qualquer coisa vinda de uma mulher, um completo absurdo. Como o fato de que mulheres deveriam se casar virgens. Claramente essa regra não era aplicada aos homens e era certo que cada um já havia conhecido o mundo libidinoso. Isso porque ao chegarem em sua adolescência os pais os levavam aos cabarés para terem a primeira relação. Alguns, claro, — crianças assustadas de 13 ou 14 anos — não conseguiam e eram levados diversas vezes até que tivessem sua experiência. Outros eram educados demais pelos pais que os deixavam descobrir isso com a amada escolhida para o casamento. Mas a maioria — digamos que muito mais da maioria — passavam pela primeira opção. Esses rapazes quando encontravam alguém para se casar, estavam tão sedentos pelo ato libidinoso que convenciam suas amadas a se entregarem antes da hora, o problema era que depois da noite de núpcias, os lençóis tinham que estar sujos ou elas eram devolvidas.

Isso me fazia questionar. Se eu fosse julgar o antigo imperador, diria com toda certeza que ele levara seu filho ao prostíbulo. O que tornava o novo imperador experiente. Porém, o mais engraçado é que — diferente dos outros rapazes — ele não era obcecado por isso, havia algo gritando dentro de Tadaki para que ele não fosse tão longe e seu autocontrole era incrível. Então as risadas de minhas damas poderia ser por não entenderem esse lado do atual pai da nação. Claro que o novo imperador tinha um desejo enorme, pois era fato que toda aproximação nossa o fazia querer algo a mais de mim. No entanto, todas as vezes que ele notava a adrenalina se expandir em nosso meio e o impulsionar de nossos corpos para o errado, ele mesmo interrompia tudo. Como era possível se conter tendo provado o proibido antes? E, de repente, eu estava desconfortável ao pensar naquilo, me sentindo estranha ao imaginar aquela situação específica. Por boa parte do dia não consegui me concentrar devido a tantas perguntas surgindo em minha cabeça. Por mais que devesse focar-me na única tarefa que eu tinha ali, nem isso estava conseguindo.

Meu amigo já havia partido, pois, recebera sua nova leva de futuros soldados, deixando-me sozinha com a cabeça abarrotada de deveres e besteiras. Enquanto Tadaki estava ocupado com o conselho e Sasato treinava um grupo de adolescentes trazidos das ilhas vizinhas, eu me incomodava com a vida sexual do passado de meu futuro marido. E toda aquela história estava ficando cada vez pior em minha mente.

— Minha senhora? — Moho tinha um pequeno bilhete entre seus dedos, havia acabado de pegá-lo das mãos de um dos guardas após abrir as portas do salão. Enquanto Anika tentava me ensinar a fazer um ponto-cruz, a jovem trazia o recado até mim. — É do imperador.

Respirei aliviada por poder deixar aquela aula de lado. Minha mãe havia tentado me ensinar diversas vezes a arte do bordado e eu sempre acabava por querer picotar o tecido com uma tesoura para jogar fora. Anika sabia que eu estava desesperada para acabar com aquilo, mas achava necessário que eu aprendesse algo para passar o tempo e eu já havia lido tantos livros e pergaminhos da biblioteca principal, que logo saberia mais da geografia de Chogo do que o próprio conselho. Eu sabia que ela estava tentando me ajudar, mas bordar definitivamente não era minha vocação.

Entendi à mão, peguei o pequeno papel dobrado dos dedos de Moho e passei os olhos pela letra trabalhada de Tadaki.

Querida Norman;

Pensei melhor.

Tenho um primeiro encontro mais agradável e relaxante em mente. Não me entenda errado, descobri que jantares a dois me deixam nervoso e queria me preparar para este em especial.

Ainda acontecerá, não se preocupe, mas tendo em vista que será nosso primeiro, eu quero estar bem preparado para ele.

Me encontre assim que ler esse bilhete no corredor próximo ao salão de jantar. Já estou te aguardando.

Tadaki Amino.

Duas damas curiosas estavam em minha frente esperando que eu lhes dissesse o que havia naquela folha. Animada com o recado, pois havia despertado minha curiosidade para saber onde era esse encontro. Coloquei as agulhas em cima da mesa para poder me levantar completamente feliz por poder parar de furar meus dedos com aquelas enormes e pontudas.

— Ele quer me ver. — Disse com naturalidade. Ambas sorriram como vinham fazendo a manhã toda, parecia que eu e Tadaki estávamos escondendo algo.

Essa reação era o que eu achava cômico nas garotas. A maioria teria feito o mesmo que ambas, pois sempre estavam agitadas e quando se tratava de algum encontro para promover um laço entre os futuros noivos, elas faziam daquele um evento histórico. Por mais que eu ficasse irritada com muitas atitudes femininas, aquela era uma das que eu mais gostava. Afinal, ao menos elas estavam se abraçando e comemorando umas com as outras.

A mulher havia criando um conceito de que toda jovem era inimiga até que ela tivesse agarrado seu pretendente. Então, todas viviam em uma guerra constante entre si. Bastava alguém de nome aparecer para uma amizade de anos se acabar em segundos, pois o casamento era tudo o que elas tinham sobre o futuro.

Eu via minhas irmãs brigarem entre si a cada vez que surgia um pretendente, mas quando eles partiam sem levar ninguém, uma se apoiava na outra para chorar durante dias e depois que a dor do abandono passava, lá estavam às duas se divertindo e rindo pelo castelo.

Acredito que crescer no meio dessa guerra vendo também o lado masculino de alguns fatores que meu pai havia me dado, fora o que me tornara aquela pessoa que queria distância de tudo. A arrogância, era única amiga de uma mulher e eu havia me agarrado a ela de uma forma que deixei tudo ao meu redor se focar apenas em mim.

Quando o imperador surgiu com sua afronta, seus bilhetes charmosos, toda a elegância de uma criação imperial e devoto a um amor por mim, essa bolha que criei ao meu redor para não ser atingida ou ver tantas besteiras, estourou. Gradualmente, eu passei a observar mais algumas coisas.

Por mais que fôssemos uma família unida em partes, nunca percebi o quão sensível e gentil estava ficando meu irmão. Afinal, em todas as conversas discutíamos apenas assuntos vagos e em sua grande maioria focados em mim. Percebi depois de dias que Brienne e Cármen não brigaram no meio do salão quando viram o imperador e até esperaram seus encontros sem me procurarem aos prantos. Na verdade, eu só havia visto às duas durante aqueles dias durante os jantares.

De alguma forma conhecer Tadaki havia me tirado de um isolamento que eu nunca quis, mas achava necessário para me proteger. Algo que passou a me impedir de ver a vida das pessoas ao meu redor por pensar que tudo fosse irrelevante e depois de tantos anos maldizendo sobre tudo, eu estava empolgada devido a um encontro, rindo de duas damas contentes por mim que saltavam alegremente com os dedos entrelaçados e nervosa, porque aquele seria o primeiro evento que eu iria prestar realmente atenção em outra pessoa.

Tentei me manter calma, levantei-me e respirei profundamente enquanto às duas se controlavam. Pensei em assuntos que pudessem parecer interessantes, coisas que não me fizessem uma estúpida de proporções estrondosas. Eu havia dito a Tadaki que o deixaria tentar de verdade e, de maneira inacreditável, eu estava torcendo por ele.

— Espere, alteza! Não irá vê-lo assim, certo? — Moho colocou seus olhos em minha vestimenta, uma das roupas mais confortáveis que eu havia levado comigo. O longo vestido em uma tonalidade verde-escura, que não marcava meu corpo em lugar algum e nem era preciso me espremer em um espartilho. Havia pouco tecido, mas ainda era pesado e apresentável para qualquer evento. E mesmo que eu o tivesse há mais de dois anos, estava em ótimo estado.

— Eu sei o que você está pensando. — Iniciou Anika, tentando parecer o mais discreta possível. — E é uma péssima ideia dizer.

Moho arqueou as sobrancelhas sem entender o que as palavras de sua amiga significavam e ainda focada em mim, deixou escapar;

— Mas ela não está apropriada. — A ruiva bateu levemente a palma da mão na testa, após a frase de Moho que permanecia sem entender muita coisa.

Eu sabia que ela havia dito por costume, mas a frase me lembrou da criatura arrogante dentro de mim e quase me tirou do estado aceitável para a fúria extrema. Anika tinha plena noção do que aconteceria se eu não me controlasse, por mais que eu estivesse iniciando o processo de mudanças, não era fácil ouvir algo sem rebater.

— Seja paciente. — Disse minha dama antes que eu mandasse Moho ir à merda. Respirei profundamente outra vez, para não enlouquecer por completo e coloquei os sapatos para sair dali.

— Não tenho tempo para isso. — Falei por fim, seguindo meu caminho.

A brisa abafada do palácio imperial ergueu meus cabelos ao abrir as portas. O corredor se estendeu para ambos os lados enquanto eu vislumbrava a bela paisagem montanhosa de Chogo, em minha frente. O imperador estava me esperando no pátio aos fundos, onde ficava o salão principal de jantar, então tomei o rumo para o local.

Já havia explorado boa parte daquela enorme morada e por mais que fosse um palácio grande, ele era mais aberto do que Folks e isso foi uma enorme vantagem para me localizar. Não demorou muito para que visse o fim do corredor e com isso, também encontrei o rapaz caminhando de um lado a outro como se tentasse manter a sanidade. Ele se virou em minha direção, talvez para continuar seus passos pensativos enquanto me aguardava, porém se deteve ao me notar.

— Norman. — Disse ele. Mesmo que ainda estivesse um pouco agitado, parecia que minha presença ali, como ele já havia dito, o tranquilizava.

— Tudo bem? — Questionei ao me aproximar. Seus dedos vieram tocar meus antebraços com doçura enquanto seus olhos brilhantes se fixavam aos meus.

O imperador sorveu uma boa quantidade de ar antes de se jogar em meu ombro, inclinando-se completamente para poder tocar sua testa naquela região.

— Tadaki? — Seu corpo estava tenso, o peso quase me derrubou, no entanto, suas mãos seguraram firme meus braços para que eu pudesse me sustentar. Me mantive imóvel, deixando-o usar-me como pilar.

— Estou tão cansado. — Confessou o rapaz, quando já estava menos tenso. — Tenho mais de quatro milhões de habitantes para cuidar, um conselho de homens antigos e impacientes, estou chegando aos dezenove anos sem saber o que fazer e tudo parece dar errado. Política, religião, habitação, agropecuária. Vou enlouquecer.

— Tadaki. — Ergui minhas mãos para poder tocá-lo e devolver sua postura, podendo vê-lo de frente. Foi quando percebi que sua expressão era extremamente desesperada, ainda mais do que estava quando passou em meu quarto. A testa tinha uma pequena ruga de preocupação, o rosto estava pálido como se ele tivesse visto uma aparição e os ombros tão encolhidos que chegava ao ponto de passar uma impressão de desconforto.

Ele estava mesmo enlouquecendo.

— Esteve ocupada pela manhã? — Perguntou então, talvez tentando descontrair toda a situação. Percebi que ele tinha esse costume de se expor e se fechar segundos depois, mas se não deixasse tudo fluir, iria enlouquecer de vez.

— O que aconteceu? — Falei ao ignorar sua pergunta e isso o levou de volta aos olhares perdidos. Um longo suspiro escapou do imperador, antes de me revelar:

— Não se preocupe, foi um momento de fraqueza. Não irá se repetir. — Tentei questioná-lo, mas sua mão segurou meu pulso com agilidade, puxando-me para caminhar. — Venha, tenho algo para te mostrar.

— Tadaki, espere. — Relutei, mesmo que fosse inútil tentar me livrar de sua mão ou não caminhar. Ele já me arrastava pelo corredor. — Tadaki!

Outra vez fui ignorada e isso me enfureceu. Travei as pernas para que ele sentisse o peso de meu corpo e rapidamente ele percebeu que eu não colaborava com seus passos, então parou no meio do caminho. Sacudi a mão quando o vi tentar retornar à caminhada e deixei que um grito fluísse de dentro para fora.

— Imperador! — Com meu bradar, ele parou por completo e pude ver o arrepio percorrendo todo seu corpo. Eu já havia percebido que chamá-lo daquela forma o incomodava e testei naquele momento para ter a total certeza.

O rapaz se virou para mim, com suas pupilas dilatadas e os olhos brilhando como o de um garoto assustado.

— Não me chame assim. — Sua voz saiu de forma autoritária. Então ele se apegara realmente à forma como nos chamávamos.

— Por que não? Isso é o que você é. — Se eu dissesse a ele que ainda não o considerava tão íntimo ao ponto de me sentir confortável o chamando apenas de Tadaki todo o tempo, talvez ele ficasse ainda mais tenso do que já estava. Mas Gaya havia pegado tanto em meu pé para ser cordial com nomes que quando dizia Tadaki algumas vezes, eu conseguia ouvi-la gritar que eu estava sendo mal-educada.

Minhas palavras fizeram seus olhos percorrerem os locais pelo palácio de modo impaciente. Ainda que fosse claro para mim que o imperador estava segurando sua rigidez comigo, aquilo era algo que eu já havia percebido também há algum tempo. Ele sempre tentava me mostrar o real Tadaki por trás do novo imperador.

Acreditei que minhas palavras tenham o motivado a ir além, até então, ele só havia se aberto para mim de verdade para falar de sua mãe, por ter que me explicar o motivo de ainda não ter me obrigado a ir ao altar. Afinal, por mais que eu tenha dito “não” a príncipes e lordes, não seria louca ao ponto de desacatar a ordem da pessoa que poderia matar toda minha família. No entanto, ao invés de me tomar de uma vez, Tadaki preferiu aguardar uma decisão minha, me deixando a par dessa história para que eu soubesse diferenciá-lo do próprio pai e só por essa razão estávamos naquele pátio.

— Você foi a única pessoa que viu apenas um rapaz com muita responsabilidade, ao invés de um grande homem. — Contou-me ele. — E sinceramente, eu nunca me senti esse ser que todos esperam de mim, por mais que tenha sido treinado dia e noite para isso. — Tadaki suspirou completamente exausto. Ainda que deixasse claro seus sentimentos afetivos por mim, ele não gostava de demonstrar fraqueza sobre as outras questões e dava para perceber em sua voz o quão angustiado ele estava ao deixar aquela parte de si vulnerável. Acredito ser um mal de todos os homens. — Estou cansado de ser assim.

— Eu não convivi com o imperador ainda, não o suficiente. — Ele olhou em meus olhos tentando entender. — Você tem duas versões. O Tadaki e o imperador. — Vi uma pequena ruga se formar em sua testa. Segurei uma de suas mãos com delicadeza para que pudéssemos voltar a caminhar, mas dessa vez com calma. Esse gesto causou uma reação engraçada no rapaz. Um arrepio e um suspiro empolgado me revelaram que ele havia adorado aquilo e foi o que lhe motivou a seguir em silêncio no aguardo de minha explicação. — Bom, o imperador eu vi no primeiro dia e nos jantares com minha família, também o vejo quando tem pessoas perto de nós dois. Você atua muito bem nesse papel, não posso negar que ele me assusta.

Tadaki deixou um riso sutil surgir, talvez satisfeito por conseguir passar a impressão que deveria, ou achando graça de ter me ouvido falar sobre temores, já que eu não deixava muitas pessoas saberem desse meu lado. Ainda assim, se manteve calado para ouvir tudo sobre seus dois eus. Provavelmente, porque ele nunca havia reparado.

— Mas eu conheci o Tadaki um pouco melhor e ele é tão puro, tão paciente e ligeiramente iludido. — Naquele instante ele parou no meio do caminho com as sobrancelhas erguidas e uma indignação gigantesca nos olhos.

— Iludido? — Questionou com um exclamar na voz e eu deixei que o riso escapasse. — Norman!

— Eu não resisti. — As bochechas de Tadaki tomaram uma tonalidade rosada, um misto de vergonha e fúria pairava por sobre ele.

— Vai ficar rindo de mim por gostar de você?

— Ei, não leve tão a sério. Foi só para descontrair. — Expliquei ao notar que aquilo havia se tornado muito tenso. Ele estava tão cheio de coisas na mente que não havia percebido a brincadeira. Novamente o rapaz suspirou, como uma forma de aliviar o estresse e deu um sorriso fraco para tentar esconder o desconforto. Isso me levou a perguntar. — Eles ainda estão tentando reverter o casamento dos dois?

— Estão tentando controlar os dois casamentos, não concordam que Mariko esteja lá enquanto você estiver aqui e tudo o que dizem me irrita. Eu tento ser firme, mas eles são terríveis.

— Eles querem ver perspicácia e audácia no novo líder, ver firmeza e temerem o imperador.

— Não quero que as pessoas me respeitem por medo.

— As pessoas não precisam te respeitar por medo, só o conselho precisa. — Apertei firme meus dedos em torno de sua mão. — Eles esperam que você diga o que seu pai diria e mesmo que o odeie, precisa ser mais firme como ele. Você sabe fazer isso, eu já vi. Bata o pé como Tzuki faria.

Ouvir o nome do próprio pai fez uma expressão enojada surgir no rosto de Tadaki. Tinha muito rancor morando no imperador.

— Eu sei que você detesta essa possibilidade, mas eles só vão te respeitar se verem isso. Porque são velhos e é o que estão acostumados a ver.

— O problema de começar a ser assim, é que isso pode me influenciar a ser pior depois, a ser como ele.

Coloquei minha mão livre em seu rosto, acariciando as bochechas do rapaz, que deixou um suspiro escapar. Era um efeito que eu havia passado a gostar.

— Eu penso que estou aqui exatamente para isso não acontecer. — Deslizei a mão pelo caminho de seu rosto até o queixo, podendo erguê-lo para que seus olhos se fixassem aos meus. — E não vou deixar isso acontecer com você. — Me aproximei ligeiramente para sussurrar. — Quebrarei um vaso na sua cabeça se você exagerar.

Ele finalmente deu um sorriso mais aberto, mesmo que ainda se controlasse para não mostrar tanto, mas era muito bom vê-lo se descontrair. Sair daquele clima me fez recordar que eu fui chamada ali para ver algo e me animei por completo.

— Então… O que você iria me mostrar?

— Você disse que iria cuidar de mim ou eu fiquei maluco de verdade?

— Bom, se formos analisar os contras desse relacionamento — apontei para nós dois, explicando com aquele gesto a que estava me referindo. Em seguida, iniciei uma contagem nos dedos enquanto falava os tópicos dos contras. — Eu não sei bordar. Não sei ser sutil. Já quase fiz um homem perder a cabeça no meu primeiro dia no império. Sou péssima andando com esses sapatos. — Ergui o vestido para mostrar as sandálias que estavam machucando meus pés fazia horas, por Anika querer me ensinar a andar com mais graça em cima de um pequeno salto. — Não tenho uma postura delicada e acabei de te mostrar meus tornozelos. O que me torna uma queimadora de qualquer lista de etiquetas.

Tadaki estava se divertindo com cada tópico e o último lhe arrancou um riso que eu poderia jurar ser uma gargalhada disfarçada, por seus lábios estarem se apertando um contra o outro com extrema força.

— Norman, eu já vi um pouco mais do que seus tornozelos. — Ele gaguejou, quase me arrancando a postura por lembrar dos momentos que estivemos presente em frente um ao outro com roupas nada convencionais.

— Então, meu querido imperador. — Pigarreei para afastar aquilo e segui. — Algo preciso fazer para não ser devolvida. — Coloquei uma mão no rosto e me inclinei em sua direção para fingir discrição no que iria dizer. — Vai que meu futuro marido descobre a pretendente horrível que arrumou.

— Eu tenho um pró. — Disse ele, tentando se segurar para não rir. Arqueei as sobrancelhas para sua interferência na minha lista de desastres. — Você é divertida.

— Maravilha! Então se não der certo como imperatriz, eu poderei ser boba da corte. — Brinquei novamente, Tadaki manteve seu sorriso sutil para mim e vê-lo mais calmo era gratificante. Parecia mesmo que havíamos criado um bom vínculo, como disse o mestre Sasato e isso me fazia lembrar dos perigos também. — Só me prometa uma coisa?

Ele nada disse, apenas assentiu para que eu continuasse.

— Que quando conseguir cuspir a história sobre ele, sobre o que ele te fez, irá me contar.

Tadaki deixou o suspiro escapar. Parecia frustrante demais voltar no tempo para falar de seu pai e eu não queria deixá-lo nervoso novamente, muito menos acabar com aquele clima bom que havíamos criado.

— Não precisa responder agora. Você tinha algo para me mostrar. — O lembrei, tentando deixar todos os desconfortos para trás.

— Ah! Claro. — O rapaz olhou para o longo corredor e estendeu o braço para que eu o seguisse. — Eu estive pensando em itens para lhe presentear.

— Não me diga que vamos ter mais uma surpresa inusitada do Tadaki? — Outra risada abafada saiu do rapaz enquanto ele dava de ombros.

— Eu realmente não sabia o que poderia lhe dar de presente sem que você arrumasse alguma desculpa para recusar. — Ele falou com mistério na voz.

Continuamos nossa caminhada pelos corredores do palácio, enquanto debatíamos sobre aquele suposto presente. O imperador parecia preocupado em me presentear por conta do primeiro ‘item’ que tentara me dar. Um buquê de flores, o qual acabei lhe dando uma bronca enorme por colher as pobres rosas.

— Não precisa me dar presentes. — Disse com o seguir do trajeto. — Eu não me importo com essas coisas se não estivermos comemorando algo. — De repente notei a grosseria daquela frase, pois o rosto do imperador tomou uma certa tensão, mesmo que ele estivesse ao meu lado caminhando com o seu foco no fim do corredor, sua expressão foi óbvia. “Pare de questionar tudo”. — Me desculpa, eu não quis dizer que não é importante.

— Quis sim. — Tadaki me olhou pelo canto dos olhos com um sorriso irônico. — E sei que não é importante para você, não se preocupe com isso. Mas estamos em Chogo e é tradição.

Não soube o que dizer com aquilo, Tadaki tinha uma firmeza enorme em suas análises sobre mim e uma forma intimidadora de dizer isso. Além também de estar certo que uma hora me conquistaria e talvez fosse por essa razão que sempre acabava falando de maneira objetiva, tanto o que queria de mim, quanto como eu era ao saber daquilo.

— Enfim, pensando no que poderia lhe

dar, já que a mocinha não gosta de flores... — Ele tentou continuar dizendo, porém, intervi.

— Pelo contrário, eu apenas não gosto de recebê-las. — Corrigi o rapaz, ele parou nas portas de saída do palácio imperial, as mesmas que davam acesso ao vasto jardim, ligando a morada do imperador ao enorme penhasco por onde o rio cortava ao fundo.

Dizer sobre as flores me fez voltar no tempo, imaginando seu rosto no dia em que recusei o presente e o que veio horas depois. Deixei o pigarro escapar antes que o rapaz abrisse as portas para seguirmos nosso passeio.

— Ah! Isso me faz lembrar que também não gosto de receber árvores.

Brinquei completamente descontraída e Tadaki não conseguiu esconder aquele riso maior que os anteriores ou o rubor de suas bochechas. Ele deixou um novo longo suspiro se soltar de seu interior e abriu as portas para me mostrar o ambiente.

— Então temos um grande problema. — Falou por fim quando a imagem surgiu em minha frente.

— Por todos os deuses, diga que já estavam aqui quando cheguei.

— Algumas. — Ele confessou, enquanto contemplávamos a paisagem.

O jardim diferia ali, havia muitas flores rosadas e em tons de vermelho e laranja. O verde dava um toque de natureza enquanto as cores quentes se alastravam por cada canto.

Flores exóticas, dignas de sua morada. Tão belas e delicadas quanto a cultura da própria Chogo. Eu já havia ouvido falar do jardim do palácio imperial por diversas vezes e na influência que sua cor tinha nas bandeiras. Porém, nunca imaginei nada tão incrível. Para completar toda aquela surpresa em mim, havia um canteiro cheio de árvores minúsculas, um caminho enorme das coisinhas mais fofas que eu já havia visto na minha vida.

Nunca vi os ‘bonsais’ de perto, apenas em figuras de livros e me encantei por eles na época. Vê-los em cores era ainda mais fascinante.

— Árvores.

— Pequenas árvores. — Tadaki corrigiu e seu curto sorriso dessa vez estava com aquele efeito apaixonado.

Voltei meus olhos ao canteiro de árvores em miniatura. Havia tantas e de tantas formas que quase formavam um arbusto, mas tinham toda a graça das árvores convencionais.

— Como podem ser tão pequenas? — Perguntei abaixando-me para ver mais de perto.

— Bem — iniciou ele copiando meu gesto. — O ‘bonsai’ não é uma espécie específica. Precisa das técnicas dos jardineiros para que a árvore evolua sem assumir uma forma gigantesca. O objetivo é mantê-la miniaturizada, usando as formas convencionais da natureza. — Ele pegou dois pequenos vasos em suas mãos para me entregar um enquanto mostrava o outro. — Observe que ambas têm seu estilo próprio de crescimento, isso é o que precisa ser mantido das árvores para que não percam sua essência, mas continuem do tamanho apropriado. É preciso uma poda e adubação mais cuidadosa do que das outras espécie, além de mãos extremamente hábeis e uma mente paciente.

— Incrível.

Talvez a palavra não fosse especificamente para sua explicação, mas sim para a forma como foi feita. Tadaki tinha relaxado completamente, as palavras estavam calmas, pacientes e amáveis. Era como se ele descrevesse um sentimento enquanto explicava. Deveria ser assim a forma de cultivar aquela espécie de planta. No entanto, esse jeito do rapaz me prendera em seu olhar.

O imperador estava próximo o suficiente para que pudesse se inclinar ligeiramente e os olhos presos aos meus deixavam escapar um forte desejo dentro dele mesmo. Seu olhar foi em direção aos meus lábios, sua mordida sutil nos próprios era um convite e a tensão em nosso meio se tornava deliciosa.

Tudo acabou quando passos nos despertaram. Desviei os olhos do rapaz para observar mais plantas enquanto alguns jardineiros passavam por nós, regando as que haviam pelo caminho e conversando entre si em seu idioma. Tadaki se ergueu para que não desconfiassem de nossas intenções e ao nos notarem ali, fizeram suas reverências e rodearam seu mestre para apertar as mãos do pai do império.

Me ergui também, ainda tentando manter os olhos nas pequenas árvores para não deixar transparecer meu rubor. Sentia meu peito disparado, meus hormônios saindo de controle e estava brigando comigo mesma por desejar aquele beijo com todas as minhas forças.

Os homens também fizeram suas reverências para mim antes de se retirarem e eu apenas sorri o mais gentil que poderia.

— Me desculpe. — Disse o imperador, quando tudo já estava mais calmo.

— Tudo bem. Preciso me acostumar. — Tentei não passar o desconforto para ele. — Não tinha muita privacidade antes como filha de um rei. Não será uma grande novidade não ter por ser esposa do imperador. — Ele tentou iniciar o assunto, mas as horas iam se passar muito rápido e ainda tínhamos um segundo encontro naquele dia. Então quis espairecer sozinha por um tempo e antes que ele deixasse algo fluir eu disse: — Eu preciso voltar, foi divertido conhecer as miniaturas, mas Anika deve estar desesperada para que eu prove um vestido.

— Isso nunca foi importante para você. — Interveio ele, entendendo que eu queria fugir dali.

— Eu sei. — Sussurrei.

Coloquei o vaso, que ainda segurava, nas mãos do imperador e o reverenciei lembrando-me que estávamos nos comportando como pessoas civilizadas desde mais cedo quando decidimos que tudo começaria do zero. Então saí dali, para poder aliviar a tensão dentro de mim.

O fato de estar querendo cada vez mais ser tocada por ele, já não estava me incomodando. Apenas me deixava confusa.

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