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Dois

O sol havia nascido a poucas horas, mas eu não conseguia sair da cama só por pensar que seria abarrotada de perguntas ao decorrer do corredor até a mesa do salão para o meu café. Aquele seria outro dia em que eu estaria comendo sozinha, pois não sabia muito bem sobre a rotina do imperador. Mas após o conselho de Sasato, até cogitei ficar na cama por um tempo enquanto deixava meus pensamentos tentarem se tranquilizar. Contudo, o ar do quarto não era apenas meu naquela manhã e pude sentir sua presença ao meu lado enquanto lutava para abrir os olhos.

— Tadaki, se observar meu sono for uma de suas táticas para que eu me apaixone, sinto dizer que isso é assustador. — Falei de maneira preguiçosa e ouvi seu riso.

O perfume do imperador me lembrava íris, era aveludado com um toque de madeira e feno e levemente ácido com especiarias, não tinha como confundi-lo com o de qualquer outra pessoa daquele palácio, então era claro para meu olfato que ele estava ali. A cama se mexeu no momento em que minha frase foi dita, me fazendo abrir os olhos para encontrar os castanhos orbes do imperador.

— Desculpe-me — sussurrou. — Pensei que estivesse acordada quando entrei, mas te vi dormindo e não quis despertá-la.

— Se entendi bem, você invadiu meu quarto e então teve a brilhante ideia de me vigiar por estar dormindo. Percebeu o quanto foi estranho? — Ele deu de ombros de maneira sem graça. Porém, havia também desconforto em seu olhar naquela manhã, algo que se mesclava ao leve rubor de suas bochechas. — O que aconteceu?

Perguntei-lhe ao perceber aquilo e Tadaki suspirou arrumando o corpo na cama para poder observar o teto de mogno, enquanto sentia o colchão acariciar suas costas.

— Queria ver você. Faz tempo que não conversamos. — Concluiu após muito pensar.

— O pai da nação é um homem ocupado — falei a ele, a mesma frase que ouvi em todas às vezes que perguntei a alguém no palácio sobre seu paradeiro. O imperador trouxe o rosto em minha direção para fixar o olhar no meu.

— Norman… — repreendeu-me.

— Eu sei, vamos devagar. — Observei seu jeito cansado, por mais que estivesse acordado há pouco tempo, estava claro que havia passado muitos dias conturbados e que já começava a demonstrar isso em sua expressão. Essa exaustão era o que mais me incomodava. Ele não estaria assim se eu pudesse auxiliar. — Mas queria ajudar em algo, você parece estar tão abatido.

— Exatamente por isso queria vê-la. Você me tranquiliza.

— Tranquilizo? A mulher temperamental? — brinquei. Isso causou uma pequena reação em seu rosto, mas nada que tirasse seu olhar cansado. Era realmente desconfortável vê-lo daquela forma. — Depois do incidente com sua prima, você mandou seus familiares para casa, tem tido toda uma semana atarefada e não nos vemos mais, nem mesmo no jantar. Agora aparece aqui em meu quarto com todo esse desânimo — disse mostrando a ele que seu estado era péssimo. — Está realmente em busca de tranquilidade ou precisa de algo a mais?

Tadaki fixou ainda mais o olhar no meu, seu corpo se arrastou pelos lençóis suavemente até que o rosto estivesse próximo o suficiente para que eu sentisse sua respiração e; após longos dias distantes dele; pude ter de volta os arrepios percorrendo meu corpo causando o calor que sempre se alastrava por mim em sua presença. Seus dedos também caminharam, dominando a distância até meu rosto enquanto ele me mantinha presa em seu olhar. Amorosamente o senti acariciar minha pele quando finalmente a alcançou, fazendo com que a sensação se tornasse mais intensa.

Me movi para quebrar aquele contato e encostei as costas nas cobertas da cama, observando o teto de mogno do móvel. Ele sorriu com a atitude repentina e se sentou.

— Você disse que me deixaria tentar.

— Eu ainda estou absorvendo tudo isso — confessei, suspirando para tomar impulso e me sentar na cama também.

— Ao menos posso chamá-la de: meu amor? Como as pessoas normais fazem? — Franzi as sobrancelhas durante a análise ao rosto dele, mas Tadaki focou seu olhar na janela com um sorriso simplório. Pareceu uma pergunta ingênua que o deixou constrangido, mas não ao ponto de não fazê-la. — Esses dias longe de você me fizeram ver o quanto estou apaixonado…

— Já ficou muito mais tempo longe de mim.

— Pare de questionar tudo. — Ele me repreendeu e eu apenas deixei meu olhar pedir desculpas. Desde nossa última discussão, Tadaki havia assumido mais rigidez em sua forma de falar comigo. Quando via que eu estava passando dos limites, me repreendia. O que logo o fazia se arrepender e tornar a falar de maneira doce. — Antes eu não havia a beijado, nunca a tive tão próxima e pior, nunca tive o risco de quase lhe perder por conta de uma intriga criada por uma garota mimada.

— Ficou com tanta raiva dela assim?

Finalmente ele voltou os olhos para mim, assentindo. Seus orbes escuros sempre se tornando mais intensos, mostrando o tamanho de sua raiva apenas por lembrar do nosso quase fim. Era incrível como ele demonstrava minha importância em sua vida e saber daquilo fazia algo dentro de mim se sentir bem.

Novamente ele tentou se aproximar, usando o mesmo truque de deslizar a mão pelo colchão até tocar meus dedos. O arrepio sempre era inevitável, mas consegui manter o equilíbrio e recuar a mão. Isso não o impediu de segurá-la firme, olhando fixamente em meus olhos.

— Não fuja de mim. Sabe que não vou fazer nada. Só quero poder demonstrar carinho por você, pois tive uma semana horrível. Preciso ter um pouco de paz.

— Então eu que deveria te dar esse carinho — disse de maneira descontraída, mas o olhar de súplica do imperador tocou meu coração.

— Eu aceitaria se quisesse me dar de verdade.

Sua forma de falar me veio como um pedido, ele realmente parecia querer muito aquilo. Pela expressão abatida do líder, — a mesma que invadiu o quarto junto a ele e não o deixou em nenhum momento — aquilo era tudo o que ele precisava para ter um alívio. Me senti vencida. Não seria um bicho de sete cabeças, já que Perrie e Néfler sempre se deitavam em meu colo para papearmos.

Coloquei um travesseiro sobre a perna para formar volume e bati levemente ali, indicando a ele que deitasse a cabeça no objeto macio. Rapidamente ele entendeu a ideia e inclinou o corpo para pousar os cabelos amarrados em um coque em meu colo, fazendo o peso de sua cabeça pressionar minhas pernas, nada que incomodasse tanto.

Ele concentrou o olhar nos meus cachos que acariciaram seu rosto. Seus olhos eram sempre brilhantes, sem deixar de me dizer o quanto de esperanças tinha ali. Contudo, eles se fecharam quando deslizei os dedos em seu couro, puxando delicadamente a joia trançada em seu coque para não o machucar. Quando as madeixas longas e brilhantes do imperador já estavam livres, comecei a acariciar toda aquela extensão até as pontas de suas mechas escuras. Percebi que ele sempre tinha a mesma reação com qualquer toque meu. Parecia estar hipnotizado por ter minha pele em contato com seu corpo e ele apreciava cada momento.

Se eu fosse dar um significado à paixão, descreveria exatamente essa cena.

— Por que sua semana foi horrível? — Iniciei, queria poder ajudá-lo a tirar o peso das costas, mas sua expressão mudou com a pergunta, formando uma careta. Ele não queria me dizer. — Me deixe te ajudar e tento parar de fugir.

Seus olhos se abriram para mim e novamente havia o costumeiro brilho amoroso dentro de suas orbes. Ele hesitou em dizer a princípio, no entanto, seu desejo era tão grande que o fez bufar.

— O conselho tem sido rigoroso comigo desde… — Tadaki procurou a melhor forma de me revelar, mesmo que parecesse não ter. Ele deixou escapar outro suspiro impaciente. — Eles não aceitaram muito bem a retirada da lei do casamento e querem outras medidas. Tento ser firme, mas são homens ardilosos.

Só havia um casamento que eles seriam contra, além do nosso.

— Querem separar Perrie e Mariko?

Os olhos cansados do imperador voltaram a se fechar, fora a sensação de meus dedos lhe acariciando que o devolveu a calmaria e, mesmo que tivesse assentido para o meu questionamento, ele parecia estar em outro lugar.

— Mas eu não vou revogar, prometo. — Tadaki segurou a mão que o acariciou para deixar seus beijos em minha pele. — Gosto tanto disso.

— Eu também — admiti. Percebi que disse de maneira que ele entendera, pois o escuro de seus olhos se expandiu fixados em mim.

Em mais uma tentativa, Tadaki me olhou profundamente e alisou minha bochecha com o dedo macio. Ainda estava deitado em meu colo. Tinha o olhar mais tranquilo do que quando entrou no cômodo e a respiração estava até mais relaxada. Senti seu indicador acariciar meus lábios, trazendo os arrepios mesclados às borbulhas em meu estômago. Havia tanto desejo em sua expressão que mesmo eu tentando mostrar minha força, não conseguiria me segurar por muito tempo.

— Por que correspondeu meu beijo na primeira vez? — Sua pergunta vinda do nada me fez voltar alguns dias no tempo. Quando estávamos em meu pequeno quarto de leituras, onde ele me contou sobre a vida de sua mãe e até eu achei aquela uma boa pergunta. — Você me disse que nunca sentiu vontade antes disso e que depois se sentia atraída por mim, mas eu não consigo parar de me questionar sobre aquele beijo. Se sempre relutou contra isso, por que correspondeu?

Seu questionamento havia me pego de surpresa. Eu me lembrava de ter me desesperado naquele instante e agido por impulso, mas o gosto dos lábios do imperador contra o meu, havia me dado uma sensação real daquilo que sempre ouvi depois de tantos anos. Assim que senti o calor de sua boca contra a minha, não soube recusar e isso me levou a outra questão: Se outra pessoa tivesse me beijado, eu teria correspondido?

— Para ser sincera, eu também não sei. Algo realmente me atraiu em você e eu nem sei dizer qual foi o momento exato.

— Por isso acredita ser apenas um desejo passageiro? — tornou ele a questionar e eu apenas assenti. — Você nunca se interessou por nenhum rapaz? — Tentei pensar se alguma vez eu já havia me interessado daquela forma por alguém, mas nada vinha. Eu realmente me achava uma pessoa sem emoções desse gênero, então neguei. — O que, de verdade, te levou a se tornar esse repelente de pessoas?

— Qual o motivo de tantas perguntas? — questionei em tom de resmungo.

O imperador apoiou os cotovelos na cama erguendo seu corpo ligeiramente, conseguindo aproximar o rosto do meu. Sua frase a seguir foi dita pausadamente.

— Pare de questionar tudo. — Ele me encarou por poucos instantes, mesmo que parecesse uma eternidade. Depois voltou a recostar sua cabeça em meu colo. — As pessoas conversam entre si antes de se casarem, Lilah. Considerando que dividem a mesma cama depois, é válido saber com quem estão indo se deitar.

Um de nossos acordos era manter os quartos separados, mas eu sabia que ele havia dito aquilo para me provocar e dessa vez, não seria repreendida por encontrar empecilhos ou questionar algo.

— Está com medo de acordar e ver seu travesseiro em chamas? Dormiremos separados, não? — brinquei, mas a expressão do imperador se manteve dura.

— Temo que aconteça um arrependimento no futuro e que você não consiga se sentir feliz. — Ele passou as mãos em seu rosto para limpar um pouco da tensão. — Fizemos tudo às pressas e nenhum dos dois pensou com clareza. Eu queria você e você queria uma saída. Unimos o útil ao agradável, mas às vezes penso se fizemos o certo, se não fomos precipitados.

Outra vez deslizei os dedos por seus cabelos e o rosto de Tadaki se suavizou por breves instantes. Pensei com carinho sobre aquele medo do imperador, tentando ver uma desculpa melhor para nossa pressa em tudo. No entanto, ele estava certo, tínhamos focados apenas em nosso benefício próprio ao invés de pensar com calma sobre os passos seguintes. Lembrei-me também que estávamos tentando prever o futuro, pois imaginar que eu pudesse me arrepender depois de casada era algo que ainda estava muito longe. Não estávamos pensando no agora, como o mestre das tropas havia me aconselhado.

— Eu não costumo me arrepender fácil de uma ideia — falei por fim. — Mas se está aflito por tudo ter ocorrido rápido demais, podemos puxar as rédeas agora.

— Como assim? — Suas pupilas dilataram, enquanto ele se fixava ainda mais em meu olhar.

Agitei as pernas para que ele se levantasse e segurei seus ombros quando o corpo do imperador já estava de frente para mim. Ergui da cama ainda com as mãos nele e levei ambos para o centro do quarto onde pudemos ficar em uma distância aceitável. Tratei de usar tudo o que Sasato havia dito para abrir a mente, deixando um pouco da arrogância de uma princesa fujona de lado e dei um sorriso sutil ao rapaz em minha frente.

— Vamos retornar ao baile. Visualize o grande salão de Folks e as pessoas ao nosso redor. — Ele assentiu, mesmo não entendendo nada. — Olá, imperador. Eu sou Norman Lilah Fleur, a terceira filha do rei de Gogh. Prazer em conhecê-lo.

Tentei ser o mais cordial que poderia. Há anos eu não sabia o que era ser educada com alguém e precisei vasculhar minha mente para me lembrar de cada aula de etiqueta com a rainha. Segurei uma pequena quantidade de pano nas laterais de minha camisola e reverenciei o homem em frente a mim. Tadaki deu um sorriso discreto com aquilo e fez sua reverência para mim também.

— O prazer é todo meu, princesa — falou ele. Seu rosto parecia bem mais sereno naquele instante, a voz mais aveludada e os olhos completamente extasiados pelo momento. Então, ele se inclinou ligeiramente para sussurrar. — E agora?

— Eu não faço ideia, nunca prestei atenção nos cortejos — confessei, fazendo-o sorrir de um jeito mais aberto. Ele pensou por um instante tentando encontrar algo para seguirmos dali e quando achou, deu um estalo com a língua.

— Que tal um jantar? A terceira filha do trono, me acompanharia em um como primeiro encontro? — O imperador me deu seu doce sorriso sem graça e eu assenti. — Perfeito! Preciso ir, mas te vejo mais tarde então.

— Você vai protegê-los, não? — perguntei ao me recordar da preocupação do imperador no início. — Perrie é sensível demais e sei que ama Mariko, ele não suportaria uma decepção tão grande.

— Mariko também não — disse-me ele tomando seu rumo para a saída. — Eu não costumo me arrepender de uma decisão e não vou retroceder nessa, mesmo que precise casar minha irmã antes de nós dois.

Garantiu-me ele, usando minhas próprias palavras. Tadaki abriu as portas do quarto e colocou as mãos para trás das costas antes de cruzar a saída.

— Senhoritas. — O imperador cumprimentou as moças, delatando-me a presença de duas damas de companhia ali. — Juro que não ocorreu nada.

A voz de Tadaki saiu completamente descontraída, fazendo-me rir. Ele me lançou um último olhar para piscar sutilmente e partir. Levou alguns segundos para que eu me lembrasse que no meio de um assunto tão delicado e uma revigorada em nossa relação, acabei deixando de mencionar sobre a maldita data do casamento. Porém, ao menos, seria algo a mais para discutirmos no jantar.

Seria nosso primeiro encontro de verdade e o primeiro que eu estava indo por livre e espontânea vontade. Pior ainda, já me sentia nervosa e ansiosa.

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