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Um

Eu tinha um lema: O mundo era dos egoístas e oitenta por cento dessas pessoas eram homens.

      Sempre dizia isso às minhas irmãs. Elas riam e por vezes chamavam-me de tola, mas no fim das contas acreditavam que até tinha um pouco de verdade na frase. Se elas soubessem que não era só um pouco e sim tudo, será que ainda ririam? E se a Norman que sempre disse esse lema, me visse no meio de uma confusão sentimental, o que pensaria de mim? Que eu havia me tornado uma egoísta então?

Querida Tracy;

     Sobre você, eu realmente sinto muito. Sempre acreditei que Myrella iria te descartar uma hora e implorava ao destino que te desse forças para suportar a rejeição. Nunca confiei nessa mulher pela forma como você a descrevia, mas também não pensei que você se abalaria tanto por alguém. sinto por não ter ajudado antes. Eu sei, agora deve estar doendo, mas irá passar e estou aqui se precisar de um ombro amigo. 

     Fiquei surpresa ao saber que Derek irá se casar, visto que na última vez que nos encontramos, eu era uma possível pretendente. Céus, eu era uma criança! Ainda bem que me livrou naquela época e abriu ainda mais meus olhos para o mundo à nossa volta. Imagino que Tianne deva ser muito especial, pois acabou tecendo uma enorme amizade por você em um curto prazo e acredito que você deva zelar por isso. Talvez eu não saiba ao certo como funciona o amor, por nunca ter amado antes, mas tenho para mim que se ela está suprindo isso por você, respeitará qualquer decisão sua. Afinal, as mulheres são mais compreensivas do que os homens. Tenha calma, amiga, tudo acabará bem. Você é sábia o suficiente para se livrar desse desconforto. 

     Sobre mim, não sei ao certo o que está acontecendo, faz mais de um mês que conheço o imperador e uma semana que estou em Chogo. Nesse meio tempo eu me deparei com um homem diferente do que sempre via em outros, do que estou acostumada e isso me assusta. Nunca soube lidar com um sentimento e tudo o que acontece entre nós, me leva a desejá-lo. Talvez eu ainda não seja madura o suficiente para tudo o que vem ocorrendo, ou talvez eu nunca tenha sido. Isso também me assusta.Você acredita que após tanto insistir em não amar, eu possa estar me iludindo? Porque se estiver, me ajude. Eu não quero ser mais uma enganada e não quero me rebaixar. 

Não se esqueça de me dizer como anda sua situação, vou tentar ajudar como puder.

Norman Lilah Fleur, do Selo de Gogh realocada em Chogo.

— General? — encontrei o líder das tropas em meio ao corredor. O homem parecia ter um assunto importante a tratar com seus subordinados, ainda assim eu adorava conversar com o senhor Sasato e raramente o vi desde o momento em que cheguei ao império. Ele também demonstrou contentamento ao me olhar. Fez sinal para que os guardas seguissem seus caminhos com os diversos pergaminhos que seguravam e se aproximou, enquanto me dava o costumeiro meio sorriso dos chons. — Soube que partirá em breve.

Falei, impedindo que o homem fizesse sua reverência.

— Sim, minha senhora. — O general arrumou a postura para manter a cortesia durante suas palavras. Era engraçado vê-lo seguindo a etiqueta daquela forma, pois havíamos criado uma boa amizade, mas ele sempre queria manter sua educação evidente a quem olhasse para nós. — Recebemos novos recrutas e, como general, preciso estar presente no dia da seleção.

Era de costume do império levar os jovens de reinos aliados para serem treinados pelos grandes mestres. O império era uma das potências com mais soberania sobre esses ensinamentos e dominavam as artes das espadas melhor do que todos. Além também de serem tão habilidosos com golpes certeiros e mortais que atraíam os olhos cobiçosos de reis desesperados para terem homens sem coração e cheios de ódio em guerras.

— Ah! Entendo. O senhor pode falar normalmente comigo — acertei sua mão com o nó do leque que segurava. — Só estamos nós dois no corredor.

Sasato girou seus olhos pelo local e abriu um pouco mais seu curto sorriso, ao perceber que realmente estávamos a sós. Ele então relaxou seus ombros assumindo uma expressão de alívio, dando lugar ao meu bom amigo.

— Então, precisa de ajuda com algo? — perguntou finalmente me dando a frase que eu queria ouvir. Foi minha vez de respirar, porém, de maneira angustiada. Ele deixou seu sorriso crescer ainda mais, entendendo-me com clareza. — A data?

— A data, os detalhes, convidados... — agitei as mãos no ar soltando as palavras com tanto desespero que ele quase gargalhou. — Eles perguntam o tempo todo, mas não vejo Tadaki há dias e não faço a menor ideia de quando marcar, do que fazer, além de quererem que eu escolha cores e tonalidades exatas. Eu não entendo o motivo de tudo isso ser necessário!

Me faltava ar para seguir e o general ergueu as mãos pedindo-me que parasse. Ele puxou o ar e soltou com tranquilidade, como se me ensinasse a respirar. Fazendo-me lembrar de seu conselho quando me acompanhou na primeira decisão dos preparativos: eles vão te enlouquecer, respirar fundo e contar até se sentir calma é uma opção maravilhosa.

Pensei em cada número ao recordar disso, enquanto os dizia em voz alta junto ao mover de lábios do general. Era um pequeno gesto de amizade que já conseguia me tranquilizar quase que por completo e quando ele percebeu que a calma já estava começando a me invadir, me deu o braço dizendo:

— Vou te ajudar, fique tranquila. E deixarei tudo explicado a você, antes de partir. Não a deixarei tão perdida… não muito.

Sua brincadeira no fim da frase me deu um pouco de energia, consegui sorrir mesmo que o nervosismo não me deixasse tão livre. Era bom poder ter alguém para me auxiliar naquela questão, já que minha família estava longe e eu não entendia basicamente nada do que me era questionado. Sasato não me disse o que sua família fazia antes, mas eu suspeitava que tinha algo relacionado a casamentos. Mesmo que ele tivesse trabalhado em campos de colheitas, ele deveria ter um bom conhecimento das grandes festas. Conhecimento que eu não tinha.

A pior parte de um casamento para uma garota que nunca o quis, era ter que escolher cada detalhe durante horas de debates sobre cores e flores. Eu detestava aqueles assuntos. Nunca havia prestado atenção durante as explicações de minha mãe e suas damas. Vivia fazendo moldes de papel durante as aulas que para mim não serviam de nada, mas no fim, entendi o quanto eram importantes. Eu não estaria perdida e desesperada se entendesse ao menos uma vírgula do que me era dito sobre aquilo tudo. Por sorte, o general de Chogo tinha um gosto peculiar por decorações e sempre que tinha um tempo livre cochichava em meus ouvidos o melhor estilo de casamento para alguém como eu. Sasato havia se tornado um amigo tão forte que já estávamos acostumados a conversar na falta de Tadaki e mesmo que o general tivesse muitos afazeres que nos impediam de ver um ao outro e nos obrigassem a conversar por uma de minhas damas, ainda assim era possível sentir sua amizade.

O primeiro passo para o casamento seria decidir a data e isso era algo que deveria ser discutido diretamente com o imperador. No entanto, o pai da nação tinha tantas tarefas que acabei deixando passar diversas vezes aquela questão. Mas alguns decoradores vinham correndo minutos depois para apertar minha paciência com a mesma pergunta:

“Vocês já viram a data correta?”

Para me deixar ainda mais empolgada, a rainha de Gogh decidiu não visitar sua filha até que ela tivesse a maldita data marcada, uma extensa lista de convidados e pelo menos dois padrinhos prontos para nossa cerimônia. Acreditei que ainda estava com medo de uma fuga, pois para ela ter sua princesa fujona noiva, era um grande feito. Um verdadeiro milagre.

No fim das contas, Sasato era a única pessoa que não me via como um prêmio para Tadaki e me tratava igual qualquer amigo trata o outro. Por mais que fosse trinta anos mais velho, o homem tinha um pensamento evoluído e sonhava acordado com o futuro do império, tendo eu e seu senhor cuidando de tudo. "Será a maior liderança que alguém já viu". Ele dizia com orgulho e isso me enchia de alegria, esperança e força de vontade. Se as pessoas soubessem o que pequenas palavras podem fazer para nós, tomariam cuidado com cada uma e só diriam coisas motivadoras. Isso se o mundo não fosse egoísta.

— Tudo bem, você pode combinar as cores de Gogh e Chogo — disse ele chegando quase no fim daquela discussão. Tamborilei os dedos no queixo com os cotovelos sobre a mesa e o corpo largado no assento, cogitei sua ideia.

— As cores do império são vermelho, preto e branco — falei em voz alta durante os pensamentos e o homem assentiu. — As cores de Gogh são azuis e pretas. Nesse caso só teríamos que acrescentar o azul.

— Quatro cores. — Ele pareceu não gostar, deixou um suspiro escapar e pigarreou. — Poderíamos usar cores claras, tonalidades rosadas, por exemplo. Acredito que combina muito com a princesa. — As últimas palavras me fizeram olhar em sua direção rapidamente, com as sobrancelhas franzidas e os olhos chamuscando de raiva. Outro pigarro, escapou dele. — Tudo bem, sem rosa, mas precisa me explicar esse ódio gratuito pela cor.

— Essa é uma boa e longa história — sorri comigo mesma ao informá-lo e o homem se endireitou em sua cadeira. Sasato parecia um enorme armário vestido para guerra, era cômico vê-lo com seu traje de general enquanto falava de casamentos e rebeldias infantis, mas ele era uma das poucas pessoas que entendia minhas indagações e parecia precisar saber como tudo aconteceu. Molhei a garganta com um pouco da água que jazia em cima da mesa em minha frente e então iniciei a história. — Não sei se em todos os reinos são assim, mas em Gogh as cores são muito importantes. O azul, por exemplo, é da família real, pois representa a estabilidade. É um símbolo de lealdade, fé, sabedoria, confiança e inteligência, os principais quesitos para um rei.

Os olhos do general brilharam e olharam para meus ombros rapidamente se focando na tonalidade de meu manto. Sim, o azul era minha cor favorita exatamente por conta de toda aquela explicação e raramente eu estava vestida com outra tonalidade. Isso claro, se minha mãe não mandasse uma de suas damas me vestirem ou pior, rasgarem minhas peças por raiva. Então com aquele simples olhar do general, soube que ele havia entendido a razão de minha preferência.

— Já o preto é mais utilizado pelos soldados. Uma cor forte que induz o poder, a elegância e o mistério, além de cair muito bem com a descrição para um cargo que precisa ser cauteloso — continuei. Para que ele pudesse entrar um pouco nos costumes de meu reino e entender minha ignorância com certas tonalidades, ele teria que saber o básico e as principais cores eram o maior motivo de tudo. Talvez ele já soubesse de todas as explicações, talvez em Chogo funcionasse daquela forma também, mas era bom explicar à fundo, então segui. — O dourado fica para os comerciantes devido ao ouro, a cor do sucesso e triunfo. Traz prosperidade, luxo e mostra qualidade. Cada cor tem um propósito específico. No entanto, tudo isso é apenas importante para os homens. As mulheres se preocupam com seus cabelos, vestidos e sapatos caros, não que tenha problema nessas coisas, mas não consigo ver como algo realmente necessário. — O homem apenas assentiu e eu respirei um pouco aliviada de contar aquilo a alguém que não fosse me achar tola. — Elas acreditam firmemente que não é possível ser delicada usando cores tão fortes e importantes, então preferem usar roupas claras e coloridas como um grande jardim.

— E o rosa é o que mais se destaca. — Ele Interveio já interligando tudo no fim das contas.

— Rosa, roxo e seus subtons acabam sendo tão explorados para demonstrar delicadeza e classe que se tornam enjoativos para mim — expliquei melhor. Sasato já entendia bem meu ponto de vista, pois afirmava compreensão com a cabeça. — Eu nunca pensei que andar parecendo um canteiro de flores fosse bonito, principalmente após entender que tudo isso era para agradar um homem. Porque para mim as pessoas tinham que ver a verdade de todos e não o que você quer ser para agradar alguém. Nunca vi graça em nada disso e acredito que tenha me tornado uma pessoa dura demais com as outras por conta dessa pressão enorme.

— Então você realmente nunca quis se casar. — Mesmo que fosse uma afirmação, neguei. Ele suspirou antes de seguir, como se a pergunta que viria fosse extremamente delicada, mas toda aquela conversa era afinal. — Por que agora?

Outra vez alguém havia me feito aquele questionamento e para ser franca, eu também não entendia. Havia coisas que eu realmente não concordava, mais coisas do que qualquer um poderia imaginar e ainda assim, eu estava ali. Era estranho, difícil de explicar e me fazia até duvidar de mim mesma, das minhas escolhas de antes, pois se eu nunca quis agradar ninguém e estava em meio a um acordo com o imperador, como conseguiríamos viver durante os anos que se seguiria? Ele ainda tentava me conquistar e mesmo vendo que eu não conseguia sentir o que ele sentia, eu estava ali usando a boa vontade de alguém para ter o que queria.

— Porquê… — Nada, eu realmente não tinha uma resposta certa, uma que não fosse tão ambiciosa quanto o poder. Mesmo que tudo aquilo tivesse começado exatamente por causa dele, não poderia ser minha única razão para aceitar algo tão absurdo. — Ambição, eu acho.

— Ou — ele chamou minha atenção então, fazendo com que meus olhos se cravassem em suas irises escuras e cheias de questões, como minha cabeça também estava — Alteza, já pensou que esteja gostando realmente do imperador?

Todas as vezes que cogitei aquilo, minha mente reagia por impulso. Era como se uma onda de temores e negações percorresse cada centímetro do meu interior para me impedir de ir além, fazendo com que eu sempre acabasse apagando aquela questão. Era fato que me sentia atraída de alguma forma pelo imperador, mas gostar da maneira como todos imaginavam seria impossível. Era muito cedo para dizer aquilo e uma paixão repentina seria tão imatura.

— Isso seria perigoso. — Eu dizia por fim para mim mesma, após tanto pensar e foi a resposta que Sasato recebeu.

— Por qual motivo? — tornou ele a questionar e dessa vez eu apenas arqueei os ombros.

Outro suspiro emanou do general. Por mais que eu não quisesse falar daquilo, ele era sábio o bastante para me ajudar. Então seria bom ouvi-lo, ainda que algo dentro de mim gritasse para que eu saísse correndo e me implorasse para evitar qualquer assunto que me fizesse acreditar em amor, eu precisava entender o que estava acontecendo ali e se era possível sentir algo por alguém em tão pouco tempo. Algo que não se resumisse em conquistas por territórios.

— Sabe, princesa — iniciou ele. Porém antes de seguir, o homem sorveu uma exagerada quantidade do seu chá, o qual minha dama acabara de servir. — Eu nunca vi aquele garoto sorrir tanto. Mesmo que tente esconder perto das pessoas, quando ele te vê, até seus olhos brilham de alegria e as linhas do rosto aparecem sutilmente.

Não consegui esconder meu próprio riso, pois Sasato tinha razão. Tadaki sempre sorria discretamente quando estávamos em público e tinha até um sorriso mais descontraído quando estávamos a sós. Por diversas vezes ele tentava não fazer, mas parecia mais forte do que sua vontade de ocultar aquilo. O imperador era uma pessoa realmente fechada com as outras, parecia não ser comum esboçar qualquer reação diante de alguém e sempre que o viam dar aquele sorriso ensaiado, ficavam admirados. Eu não tinha tanta convivência com esse Tadaki que todos conheciam, então achava normal sua expressão. No entanto, bastava olhar as pessoas ao redor dele por alguns segundos para entender que não havia nada de normal naquilo.

Isso me fazia cogitar que havia sido o pai do imperador quem o tornara uma pessoa tão fechada. Eu já tinha uma confirmação de Tadaki sobre como Tzuki havia sido com os filhos, que era um pai terrível. Ainda assim, eu não conseguia ver uma pessoa transformar outra em alguém tão intocável daquela forma, pois era assim que todos viam o rapaz. Talvez eu estivesse chegado àquela conclusão por ter um pai carinhoso, mas o que o antigo imperador havia feito com o filho me intrigava. Como seria sua forma de ensinar alguém?

— Por isso tenho certeza que ele a ama. — Sasato continuou. Ele tinha convicção em seus olhos com aquelas palavras e também do que iria dizer a seguir, a expressão em seu rosto era muito semelhante ao olhar do imperador no dia em que me pediu permissão para conquistar-me. Parecia impossível tirar a atenção dessa forma de assuntos serem abordados. — Você é engenhosa, sabe o que quer e tem ideias incríveis. Sem contar que tem uma inteligência admirável, isso não podemos negar — disse arqueando as sobrancelhas, fazendo-me sorrir outra vez. — Então se ambos já estão no meio disso por uma aliança, você não acredita que possa fazer algo maior se tiverem uma ligação mais forte? Um sentimento de verdade?

Sasato não sabia de nosso acordo, mas parecia ter suas suspeitas e isso me deixou ainda mais receosa comigo mesma. Se estava óbvio para alguém que não conseguimos nos unir por um sentimento e sim por poder, então o egoísmo pairando sobre aquela situação era real. Eu sempre havia fugido de alianças para não acabar subjugada e no fim, me encurralei em uma por estar me beneficiando também. Subjugando alguém como todos faziam…

— O que te assusta? — Ele perguntou ao perceber que eu mesma não conseguiria responder as outras questões.

— Sempre tive medo de não ser ouvida depois de casada — falei.

— E eu tinha medo de morrer. Na verdade, tenho até hoje, mas isso nunca me impediu de estar na linha de frente. — Sasato riu de si e eu franzi a sobrancelha completamente espantada, afinal ele era o primeiro general do império. — Porém amo esse lugar, amei Akia e amo Tadaki. Então todas as vezes que preciso estar na linha de frente de uma guerra, eu penso nesses amores e o medo de morrer se fortalece e me torna mais forte também. Porque se eu morrer lá, o inimigo vem e meus amores se vão comigo. Os que restam pelo menos. — Dessa vez ele fixou o olhar no meu para dar ênfase à frase. — Nunca deixamos de temer algo, mas é você quem decide se o medo vai lhe atrapalhar ou lhe tornar mais forte.

— E se me atrapalhar? E se tudo der errado? E se eu…

— E se, talvez, quem sabe, porém, mas… — interrompeu-me ele. — Você está sempre tentando prever o futuro e acaba fazendo tudo por impulso. Nunca saberá o que terá ou será se não tentar. — Outra vez ele suspirou, enquanto eu sorvia cada conselho. — Penso em me levantar amanhã para fazer uma caminhada, mas antes tomarei um bom chá.

O homem passou a organizar os tecidos que estavam espalhados em cima da mesa enquanto refletia consigo mesmo. Parecia falar para dentro de si, ainda que seu tom de voz viesse até mim. Em um instante após dizer sua primeira colocação, ele parou e agitou uma mão no ar.

— Ah! Não, não, não. Quando estava vindo para cá acabei molhando meus pés em uma poça, então talvez eu acorde gripado e precise ficar um tempo de repouso. — A princípio demonstrei confusão na troca repentina de assunto, fazendo o homem sorrir abertamente dessa vez. — Viu o que fiz? Eu apenas supus duas situações que podem acontecer amanhã. Porque a vida é isso, princesa. Um enorme achismo e morrer é a única certeza que temos do futuro, mas você tem tanto medo dele, das coisas que talvez aconteçam que está deixando de aproveitar o presente e seu presente é o mestre Amino.

Sasato observou o efeito de suas palavras em mim por alguns segundos enquanto suas mãos ainda organizavam os tecidos em cima da mesa. Meus dedos trabalhavam nas franjas das toalhas desde o início daquela conversa e minha mente processava cada um de seus conselhos, no fim de tudo, ele tinha razão, eu sempre questionava demais as coisas, tinha tanto medo de ser rebaixada ao matrimônio que acabava sempre correndo dos momentos e isso havia deixado de ser divertido há muito tempo. Então era fato que eu realmente havia me tornado egoísta e pior ainda, paranóica. Uma grande e egoísta paranóica.

— Senhor Sasato. — Minhas perguntas continuavam martelando em minha cabeça, pois desde minha descoberta sobre a vida geral do general, eu só sabia questionar toda sua situação. O homem olhou em meus olhos, com o sorriso mais sereno que já vira. — Quantos anos tinha quando se apaixonou por ela?

Ele deixou seu sorriso tomar conta de toda sua enrugada face. Era como se estivesse perguntando a uma criança se ela queria tirar os sapatos para andar descalça na grama. Isso deixou o rosto do primeiro general incrivelmente mais jovem, o amor que ele ainda sentia pela mãe do imperador tinha esse efeito divino sobre o homem, pois bastava se recordar de algo dela para assumir aquela feição apaixonada e admirada. Era como um espelho do que eu já havia visto em outra pessoa.

— Eu acredito que fui um menino bobo com meus treze anos — falou então, ainda tentando recordar o exato momento. Aquela alegria que ele estava emanando era contagiante. — Eu estudava com meu tio próximo à casa dela e passava diariamente pela estrada de terra atrás dos estábulos onde ela costumava brincar enquanto sua mãe cuidava dos animais. Era a criança mais bonita que meus olhos já viram.

— Você passou a brincar com ela? — questionei e o homem sorriu debochando da pergunta.

— Foi amor à primeira vista. — Sasato tinha os olhos presos a janela em sua frente, completamente envolvido pelo passado. — Então corria sempre após as aulas para não a perder, mas nunca tentei dizer uma palavra. Eu só ficava ali, a observando colher frutas, pentear os cabelos ou correr pelo cercado com os braços abertos como se fosse um lindo pássaro.

Pousei os cotovelos sobre a mesa e o queixo em minhas mãos fechadas em punho. Sempre achei linda a forma como as pessoas descreviam seus amores, achava cruel o final das histórias onde eles nunca acabavam juntos, pois em uma sociedade como a nossa, o destino de um jovem é decidido por seus pais. Mas de todas as histórias aquela era a mais triste que tive contato e por essa razão seria a mais bonita em seu início.

— Eu achava tão estranho alguém dizer que se apaixonou assim — confessei, então o homem se focou em mim. Em seu olhar era claro que ele se perguntava o porquê e eu apenas dei de ombros.

— É a forma pura de sentir algo. Claro que um amor construído é lindo, mas se for à primeira vista, parece magia. — O general tornou a vagar por suas lembranças. — Um dia, eu escorreguei do salgueiro que subia para sentar e observá-la. Ela correu em minha direção provavelmente por conta de meu grito, então me disse: eu esperava que fosse descer para brincar andando como alguém comum faria, mas preferiu virar uma bolinha.

Eu sorri ao entender aquilo. Akia sabia que lhe observavam e aguardava que essa criança tivesse coragem de se apresentar. Sasato tinha um sorriso tão grande em seu rosto, mas as bochechas estavam coradas como deveriam estar no dia.

— Tudo começou ali — continuou. — Tudo aconteceu ali. Naqueles estábulos.

O homem assumiu um olhar devastado e sombrio. Havia se recordado do pior dia da vida de sua amada e eu me lembrei da carta mencionada por Tadaki sobre o ocorrido.

— Eu sinto muito...

— Sabe Norman. — Sasato agitou a cabeça para afastar o sentimento daquela lembrança tentando voltar a sorrir sutilmente. — Você teve vantagem no lugar de muitas mulheres e sorte também, pois a maioria tem o mesmo destino de Akia. Eu sei que se apaixonar por alguém que não conhece é estranho, a própria paixão se torna quando não a conhecemos. Mas diferente de Akia, o homem que ama você não pode ser tocado pela maldade sem sair punido. — Ele se levantou, havia acabado seus tecidos e pelo tempo que estávamos ali, deveria ter deveres pela frente. Sasato ajeitou suas roupas amarrotadas pela postura anterior e me reverenciou dizendo no fim. — Qualquer um irá pensar um milhão de vezes antes de se aproximar desse perigo e se você já chegou tão longe por mera prepotência, porque não deixar acontecer? Não estou dizendo para sair falando que já está apaixonada, mas deixe-o entrar em seu coração.

Levantei também para reverenciar brevemente o general e o vi seguir seu caminho de encontro aos seus afazeres.

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