Capítulo 5
Brenn continuou a olhar em volta atentamente, completamente imerso em seus pensamentos.
- Você quer um café? perguntei, lembrando que ele havia dito que queria uma bebida.
- Não, obrigado. Só um copo de água. - Ele se movimentou pela sala, passando as mãos sobre os móveis e batendo os nós dos dedos nas prateleiras. Embora os móveis já estivessem lá quando cheguei, fiquei irritado com o fato de ele estar tomando todas essas liberdades quando eu era o inquilino na época.
Deixei-o sozinho na sala de estar e fui para a cozinha. Sua presença era incomum e a situação toda me cheirava mal: havia algo por baixo. Embora ele fosse um sujeito viscoso, nunca tinha sido um homem tão descarado. Ele certamente não entrou sorrateiramente em minha casa para pegar sabe-se lá o quê. Eu só precisava entender para onde ele estava indo.
Voltei com a garrafa e um copo. Brenn já havia se sentado à mesa.
Eu lhe servi um pouco de água e ele imediatamente tomou um grande gole. De repente, ele parecia nervoso. Ficou apertando a bainha da blusa e olhando em ziguezague, sem sequer encontrar o meu olhar. - Minha filha se casou no domingo. -
E daí? É quase uma da manhã.... você sabe que porra me importa!
- Parabéns! - Eu realmente não sabia o que dizer.
- Na verdade, é por isso que estou aqui. -
Para sua filha recém-casada? Para sua filha recém-casada? -
Parecia uma daquelas conversas absurdas em que os dois interlocutores diziam frases aleatórias que não tinham nenhuma relação entre si. Eu estava ficando confuso.
Não sabia para onde essa conversa incomum estava indo, mas a expressão dele revelava um certo nervosismo. O que quer que fosse que ele estava prestes a me contar, ele não estava gostando, ou, de qualquer forma, eu não teria gostado.
“Ela agitou a água em seu copo e bebeu novamente. - Agora que ela está casada, é melhor para ela continuar sua vida com o cônjuge, e é obviamente impossível que eles permaneçam na casa da família. -
Ah, agora está tudo claro, vermezinho, você não é mais nada. Está tudo muito claro.
Eu tive que me sentar. - E daí? - Eu não queria parecer desesperado, mas minha voz traiu minhas emoções. Eu estava com medo do que eu sabia que ouviria? Com certeza, eu estava!
-E é por isso que estou aqui no apartamento, Quinto. -
- Está tentando me dizer que vou ser despejado? -
O sorriso de plástico de Brenn apareceu em seu rosto novamente. Ela me encarou e acenou com a cabeça como se fosse o anúncio mais pacífico e alegre que poderia fazer. - Exatamente. Você entende... nós precisamos do apartamento. -
Não, eu não entendo, seu monte de esterco. Eu realmente não entendo! Merda!
- Mas eu já lhe paguei três meses adiantados. -
- Eu lhe pagarei de volta... incluindo o depósito, é claro. -
Eu estava perplexo. Não sabia nem mesmo o que responder. Em meu peito, senti uma pressão dolorosa e um medo crescente. Eu tinha quase certeza de que, ao esperar até aquela hora da noite, o golpe provavelmente não pararia em um simples despejo. - Quando? - era a única coisa que eu podia perguntar e que realmente me interessava no momento, pois eu teria que começar a procurar um lugar para ir novamente.
- Um pouco mais de uma semana. Você tem que sair no próximo domingo. -
Era quinta-feira à noite, ou melhor, sexta-feira, porque já passava da meia-noite. Eu tinha dez dias.
Soltei uma risada seca, talvez histérica. - O quê? -
Esse filho da mãe não vai me dar nem até o fim do mês?
Minha mente passou de um looping a um salto constante para as palavras do anúncio, como se meu cérebro não quisesse registrar o despejo iminente. Minha cabeça estava girando.
- As crianças estão em lua de mel. Eles ficarão fora por apenas três semanas, e há necessidade de algumas mudanças tanto no mobiliário quanto em melhorias de vários tipos. -
É por isso que você estava mexendo em tudo com essas mãos sujas, não é? Você já estava fazendo seus cálculos, seu desgraçado!
Senti meu peito ferver de raiva e angústia. Senti um peso implantado em meu peito, tão opressivo que era difícil respirar. Peguei a garrafa de água e tomei um gole, sem me importar com a etiqueta que tinha de manter na frente do meu senhorio. Sinceramente, eu não estava nem aí para Brenn naquele momento. Na verdade, eu tinha que agradecer por ainda não tê-lo expulsado de casa com um soco na testa. - Então, o que eu deveria fazer? -
“Bem, como ainda não tínhamos feito um contrato... não sei, Quinto. -
Não sei... ele diz “não sei”... e, enquanto isso, quem daqui a pouco mais de uma semana estará dormindo debaixo de uma ponte sou eu!
- Não estipulamos nenhum contrato porque ela me disse que o assinaria no final do mês... porque primeiro ela queria me obrigar a fazer um período de teste para ver se eu estava em forma e era sério o suficiente para poder pagar por esse lugar. Eu estava... eu estava convencido de que... de que... Minha garganta ficou seca. Convencido de quê? Que eu ficaria lá para sempre? Esse era realmente meu lar? Meu lugar feliz? Meu canto do paraíso?
Merda! Sempre e somente merda!
Eu estava arruinado. Eu estava fodido.
Eu tinha que encontrar uma solução. E rápido. Ou eu encontrava outro lugar imediatamente ou teria de voltar para casa. E a última opção estava fora de cogitação.
Fiz uma careta quando um calafrio percorreu minha espinha. Meus pais nunca me levariam de volta para casa. Eles mal me mandaram uma saudação de Natal. Até se esqueceram do meu aniversário. Ou talvez quisessem esquecê-lo de propósito.
Fiquei olhando para ele sem esconder minha preocupação. Teria sido um desperdício de esforço, pois nunca tive uma cara de pôquer.
Brenn se levantou da mesa com compostura. Ele não parecia nem um pouco chateado. Ele não se importava se tinha me colocado na merda para me jogar fora. - Ainda bem, então, não é? É melhor não ter assinado o contrato de locação... você sabe, teria sido uma grande confusão demiti-lo com um contrato de locação em vigor. -
Isto não pode acabar assim. Não, droga. Não!
Estendi a mão para o outro lado da mesa e olhei para meus dedos. Eles estavam tremendo tanto que saltaram.
“Uma semana”, repeti lentamente.
-Dez dias, para ser exato. -
“Ah, sim... já estou sentindo a diferença desses três dias”, respondi de forma ácida e sarcástica.
- Desejo-lhe boa sorte, Quinto. - Ele colocou uma mão em meu ombro e correu para a porta como uma barata no semáforo.
Boa sorte... ele me dá boa sorte depois de jogar essa bomba em mim.
Levantei-me de repente, como uma mola. - Sr. Brenn, você não pode fazer isso comigo. Uma semana... dez dias, tanto faz... ainda é muito pouco para encontrar um lugar para ficar aqui em Detroit”, gritei, com a voz embargada pela agitação. Agarrei seu ombro, mas ele se soltou do meu aperto.
- Não é problema meu. - Ele nem sequer se virou. Apertou a maçaneta e, ao abrir a porta, parou por um momento para me lembrar do prazo: - Dez dias. Até o próximo domingo, Quintus. Nem um dia a mais. Não se esqueça. - E ele saiu. Deixando-me em um estado de completa e total confusão.
Fiquei parado por minutos intermináveis, deixando as engrenagens do meu cérebro processarem alguma coisa. Tudo o que eu conseguia pensar era que logo me encontraria no meio de uma rua.
Tentei pegar o copo sujo para levá-lo à cozinha, mas minha mão tremia tanto que ele escorregou de mim e caiu desastrosamente no chão, explodindo em mil pedaços.
Era como se aquele copo refletisse minhas emoções. De repente, me senti perdido, com o coração cheio de preocupações, sem um lugar real para chamar de lar, sozinho e abandonado até mesmo por minha própria família.
Tudo está bem. Tudo está bem. Tudo ficará bem. Não se preocupe, Samuel... tudo vai ficar bem!
Eu me acostumei a dizer a mim mesmo que tudo estava bem, mesmo quando me sentia sufocado, mesmo quando as preocupações amarravam minha garganta e não me deixavam respirar.
Aprendi a mentir até para mim mesmo só para encontrar um momento de paz, de descanso.
Tornei-me bom em fingir, em ignorar, em fechar os olhos e seguir em frente, em tapar os ouvidos e assobiar para não ouvir os gritos dos meus medos. E agora, tudo ao meu redor estava explodindo, entrando em colapso.
Minhas pernas ficaram cada vez mais fracas e, em um instante, eu estava no chão, batendo no chão com os joelhos.
Eu estava tremendo. Fazia muito tempo que eu não tremia daquele jeito.
Você precisa sair daqui. Não queremos mais ver você.
Você falhou conosco.
Você é apenas um problema. Você é apenas um constrangimento.
As vozes de meus pais soaram altas e claras em minha mente. Ela havia ressurgido, aproveitando-se de minha fraqueza, lembrando-me mais uma vez do desprezo deles e do motivo pelo qual me levaram para tão longe de casa, sem remorso.
Cerrei os dentes e fechei as têmporas em punhos. - Chega! Chega! - Eu não queria mais ouvir isso. Não queria mais sofrer. Estava cansado de me sentir constantemente mal, fora do lugar.
Você é a vergonha de toda a família.
É melhor você desaparecer. É melhor você sumir daqui.
Não gostamos de você.
Era melhor que eu nunca tivesse nascido.
Não, eu não podia ir para casa. Eu não tinha casa. Não tinha um lugar que pudesse ser definido como tal. Eu não tinha.
E agora eu não tinha nem mesmo a chance de recomeçar, de tentar me dar uma nova chance.
Como eu poderia encontrar uma nova acomodação em um prazo tão curto? Levei meses para encontrar aquele apartamento. Detroit não era Nova York, mas era igualmente lotada.
Você é uma vergonha. Uma desgraça.
Não podemos nem olhar para você.
O que fizemos de errado para merecer uma filha como você?
Deslizei para o chão, batendo no chão com meus punhos. Um soluço escapou de meus lábios, seguido por outro, depois outro.
Desatei a chorar e não consegui mais me conter. Fazia muito tempo que eu não fazia isso, desde que me desestruturei. Eu havia guardado todos os pedaços de mim por tanto tempo que aquelas lágrimas tinham o peso de mil lágrimas reprimidas.
Eu era como aquele vidro: quebrando, perdido, para ser jogado fora.
Nós não gostamos de você. Você está arrependida.
Você é apenas uma prostituta.
Delinquente. Violenta.
Cobri minha boca com uma mão, tentando abafar meus soluços. - Pare com isso... por favor... pare com isso! -
Eu só queria um lugar para chamar de lar, um lugar para voltar, para ser importante e amado.
Eu só queria começar a viver novamente, sorrir.
Eu não havia dormido nada. Nem mesmo por um minuto. Alternei horas de choro histérico com horas de olhar fixo e horas de busca louca e desesperada. No final, saí com olheiras em uma das mãos, um lenço na outra e um maldito jornal entre os dentes.
Nada. Detroit parecia ser a cidade dos aluguéis impossíveis, do tipo que uma garota pobre como eu não poderia pagar nem mesmo com uma hipoteca.
Bati minha cabeça contra a escrivaninha. Uma, duas e até uma terceira vez.
- Samuel, está tudo bem? - A mão de Beth pousou gentilmente em meu ombro, levantei a cabeça da escrivaninha com a bochecha pressionada contra ela e apenas assenti.
Está tudo bem. Está tudo muito bem. Tudo está malditamente e repugnantemente bem. Certo, não é?
Eve acariciou gentilmente minha nuca, afastando uma mecha de cabelo do meu rosto. - Tem certeza de que está bem? Você tem olheiras assustadoras e olhos vermelhos também. - Eles pareciam muito preocupados comigo.
Provavelmente era a primeira vez que alguém, além do Adam, se preocupava tanto comigo. Meus pais sempre foram duas figuras pequenas em minha vida e, depois do que eu fiz, eles ficaram ainda menos. Eles se esconderam. E eram muito bons nisso.