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♥ | três

Massageei minha têmpora, sentindo-a latejar, extremamente esgotada pelo dia decorrido, pela noite mal dormida. Mais um dia, uma noite… sendo um pouco mais específica, já se passou mais de vinte e quatro horas, e papai não voltou, nem sequer ligou ou deixou uma mensagem explicando seu sumiço, liguei inúmeras vezes do telefone fixo de casa, mas por mais que seu celular chamasse, nunca foi atendido.

 

Mamãe se encontrava desolada, ela acreditava fielmente que algo lhe havia acontecido, Lia indiferente, e eu não sabia como ao certo me sentia ou pensava… Mas uma coisa é certa, era normal que papai passasse a noite fora, no entanto, também era comum que ele voltasse na manhã seguinte alegando ter ficado preso no trabalho, mas isso não havia acontecido… me levando a ficar quase a noite passada inteira consolando mamãe, prometendo que assim que saísse da faculdade, daria um jeito de ir até à usina onde papai trabalhava para ver o que havia acontecido, como faria isso? Não tinha noção, mas tinha a certeza de que não puxaria meu namorado para isso, como mamãe havia implorado nesta manhã.

 

 

— Hey? — Sérgio empurrou sutilmente meu ombro com o seu, o olhei com o cenho levemente franzido — O que aconteceu? — Questiona, franziu o semblante — Está distante outra vez, essa não é você…

 

 

— E quem seria eu? — Forço um sorriso, arqueio a sobrancelha, tentando não transparecer mais minha confusão.

 

 

— Você é centrada, seus estudos são tudo para você… — Ele está certo, meus estudos são tudo para mim, dedico-me cem por cento a ele, por que acredito com tudo de mim que é através dele que mudarei a minha vida, que conseguirei oferecer uma vida digna para mamãe e Lia… amo meu pai, mas sinceramente, faz muito tem tempo que parei de vislumbrar um futuro com ele, e acredito que em seu presente, já não haja espaço para nós.

 

 

 

— Você realmente me conhece… — Lhe ofereço um sorriso, aninho a palma de minha mão na sua, sobre a alça de sua cadeira, Sérgio sorri, mas não é um sorriso aberto, satisfeito que conheço tão bem, é outro que conheço melhor ainda, esse anuncia que não consegui tirar seu foco de minha desconcentração.

 

 

— Conheço, e é por isso que sei que algo aconteceu, o que está te preocupando tanto, meu bem? — Questiona de forma branda, amorosa. Meu coração aquiesce por seu carinho, sempre aquiesce, chego a ponderar me abrir, mas logo volto em mim, não posso deixar que ele seja engolido pelos problemas de minha família, não posso deixar que conheça esse nosso lado todo torto.

 

 

— Nada importante…

 

 

— Mas que está tomando toda sua atenção — Me interrompe, mantendo seu olhar preocupado no meu — Aconteceu algo com a sua mãe? — Questiona, me fazendo arregalar os olhos.

 

 

— Não, não… ela está, bem… — Minha voz falha, desvio meu olhar ao professor sentado em sua mesa checando algo no computador a sua frente, esperando que copiemos algumas anotações feitas por ele na lousa. Suspiro profundamente, voltando minha atenção para o meu namorado — Meu pai está fora á dois dias… não atende nossas ligações, não dá nenhum sinal de que esteja bem… — Segredo-lhe, Sérgio assente.

 

 

— Isso é realmente preocupante — Comenta — Seu pai tem meu número? — Questiona, eu nego, nunca que passaria seu número a qualquer um de minha família, por mais que desejasse que um dia eles se relacionassem mais, hoje, e não muito em breve seria o dia ideal — Que tal ligarmos para o seu pai com o meu número? Talvez ele atenda. — Sugere, meu estômago embrulha com o plano dele, por que visivelmente, ele julga que meu pai não está nos atendendo de propósito, eu nem posso defendê-lo, pois sei que, se existia alguém que conseguisse agir tão baixo, esse alguém era Mauro, mais conhecido como meu pai.

 

 

— É, podemos fazer isso… — Sorrio — Vamos só esperar essa aula acabar, falta pouco. — Sérgio assente, aperta minha mão, leva próximo aos seus lábios e deposita um beijo sutil ali, deixo que minha cabeça deite em seu ombro, assim a aula passa, e eu ma.l a acompanho.

 

 

***

 

 

Massageio minha têmpora, enquanto ouço o barulho da ligação sendo efetuada, sob o olhar um tanto que ansioso de Sérgio, ele me dá “joinhas”, um tipo de motivação, eu só consigo forçar um sorriso. O telefone de meu pai chama inúmeras vezes, mas ninguém atende, confesso que estou ficando mais preocupada, um pouco mais culpada, acreditando que meu pai não havia apenas nos deixados, como uma parte obscura de mim, pondera, mas que algo real, grave pode ter acontecido… não é novidade que muitos homens negros trabalhadores têm morrido ultimamente nas ruas brasileiras, nas mãos da autoridade que os deveria defender, por que uma coisa eu tinha certeza, por mais que meu pai tivesse um carácter meio torto, ele é trabalhador…

 

 

— Nada? — Questiona Sérgio ao me ver tirando o aparelho da orelha, assinto.

 

 

— Nada. — Respondo, ele suspira, torcendo levemente a boca, estico o celular em sua direção, ele nega.

 

 

— Tente mais uma vez… — Franzo o cenho, desanimada — Vamos, querida, não perdemos nada se tentar novamente. — Me impulsiona, faço novamente, sem qualquer confiança de que vou ser atendida, e é nesse instante que a ligação é aceita, meu coração espanca minha caixa torácica.

 

 

— Pai, sou eu, Ellie, onde está? — Falo em um fôlego só, me sentindo profundamente aliviada — Aconteceu alguma coisa? Pai, não vai falar nada? — Nada é dito, mas ouço a respiração dele daqui, Sérgio me olha confuso, preocupado, questionando o que acontece, balanço a cabeça em negação, não tendo uma resposta. Começo a andar em círculos — Pai, por Deus, fale alguma coisa, estou ouvindo a sua respiração…

 

 

— Não é o seu pai, querida… — Uma voz pomposa, feminina ecoa, pisco várias vezes… por que estou surpresa? Por que sinto que sei quem é? 

 

 

— Quem é? Cadê o meu pai? Aconteceu alguma coisa? — A encho de perguntas, mesmo que meu íntimo grite para que eu apenas encerre essa ligação.

 

 

— O que poderia acontecer com meu marido, queridinha? — Faz uma pausa enorme, eu ainda estou digerindo o “marido”, quando ela conclui — Ah, sim, ele se dar conta da família medíocre que tinha? Aconteceu, não se preocupe, daria uma melhor a ele.

 

 

— O que quer dizer? Quem é você? — O tom de minha voz soa mais ríspido, mais alto, Sérgio tenta se aproximar, mas levanto minha mão, pedindo sem palavras para que não se aproxime de mim — Passe para meu pai, agora! — Demando de maneira estridente, autoritária.

 

 

— Já disse quem sou… e tenho a sensação de que entendeu muito bem o que disse, dizendo isso, peço que pare de ligar para Mauro, se ele não a atendeu… você sabe o que significa, certo? — Um riso ridiculamente triunfante lhe desprende, e segundos depois a ligação é encerrada. Mas permaneço com o celular em minha orelha, estou em choque, não consigo pensar muito bem, tão pouco afastar o celular de mim, então de modo súbito, sem controle um riso me escapa… 

 

Há algo engraçado nisso? Não, definitivamente, não! 

Sei o porquê estou rindo? Não!

Mas rio. Sérgio me olha confuso, seus lábios movem-se em perguntas, e mais perguntas… não as respondo, eu apenas rio, até que afundo minha face na curva do pescoço de meu namorado e o riso é transformado em um choro amargurado…

 

Não choro pelo visível abandono, não lamento pelas palavras duras que ouvi, não choro por não fazer a mínima ideia de como serão as coisas daqui para frente, estou chorando por que não sei como posso falar para minha mãe que ele por fim, cumpriu o que vinha ameaçando a tempos, deixá-la.

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