♥ | cinco
Mamãe levantou, e descalça caminhou apressadamente até mim.
— O quê? Você ligou? Ele atendeu? — Me olhou tão esperançosa, isso me destruiu um pouco mais, isso me fez odiar meu pai um pouco mais… por que não bastava ele destruir a mulher que jurou proteger, ele tinha que me usar, eu era a sua arma, e estava apontada, pronta para disparar contra a pessoa que mais amava nesse mundo — Ellie, por Deus, por que não fala nada? — Suas mãos agarraram meus pulsos, então os sacudiram, como se tentasse me tirar de transe, queria eu estar assim, queria eu, não notar tanta esperança, ansiedade em seu olhar.
— A ligação foi atendida… — Resmunguei apenas, tentando adiar sua destruição o máximo possível. Não dizer, não era uma opção, mas eu ainda poderia adiar… Não era uma boa opção, mas eu estava assustava.
— O quê? Por que não me disse logo, por que ficou fazendo todo esse suspense, Ellie? Por Deus! — Mamãe se agitou, quase feliz, massageei minha têmpora, Deus, eu não podia fazer isso com ela, eu não podia lhe transformar mais deprimente do que era… que tipo de filha seria se o fizesse? — Ande Ellie, me conte, o que seu pai disse? Aconteceu alguma coisa no trabalho, não foi? Quando volta? Ligue novamente para ele, preciso ouvir sua voz.
— Mãe… — A chamei com um tom de voz mais firme que consegui, ela franziu o cenho, girei meu pulso, podendo pegar suas mãos, posteriormente passei meu braço em volta seu corpo magro, então a incentivei voltar a se sentar na cama de casal, e logo em seguida pude me sentar ao seu lado, sempre segurando a sua mão. Isso trás recordações doces, recordações da época em que ela me acalentava, em que ela me protegia de Deus e o mundo, em que ela vivia…
— Ellie… — Me chamou confusa, mas eu nada disse, apenas examinei o rosto abatido, cheio de marcações… transparecendo cansaço, dor e muito sofrimento… quando ela pararia de sofrer, meu Deus? Quando ela reagiria? Voltaria ser a mulher forte que se perdia em minhas lembranças? Tive vontade de chorar, e o mais engraçado não era pelo que estava acontecendo, era a incerteza que rodeava a minha mãe, a olhava e não via futuro ali, não via muita coisa boa… era apenas… uma mulher dependente… Seu vício? Um amor que já não existia mais… — Ellie, fale! — Insistiu, engoli seco, desviei meu olhar para o mais longe possível dela — Filha, está me assustando, aconteceu alguma coisa com seu pai? É grave? — Perguntou aflita, seus dedos esguios fecharam-se em meu queixo, dessa maneira, ela me forçou a olhá-la.
— Ele não vai voltar… — Resmunguei por fim, olhando no fundo dos seus olhos, ela piscou algumas vezes, forçou um riso.
— Não entendo, você… você disse que ele atendeu, que nada ruim aconteceu. — Balançou a cabeça em negação. Peguei suas mãos, as apertei, querendo consolá-la antes mesmo de lhe dar o golpe final.
— Realmente, nada aconteceu com ele… — Forcei um sorriso, encolhi os ombros — Ele apenas… se foi.
— O que está dizendo, Ellie?— Puxou suas mãos das minhas, me olhou com raiva — Fale, o que está dizendo! — Gritou, abaixei a cabeça — Ellie… — Gritou outra vez.
— Ele foi embora mamãe, nada aconteceu, ele apenas… — Me levantei, virei-me de costas para ela e massageei a têmpora, então voltei a olhá-la — Ele escolheu partir, mãe, ele…
— Cale-se! — Gritou.
— Mãe…
— Cale-se! — Voltou a gritar, levantando-se de sua cama, seguindo para longe de mim, então voltando outra vez em minha direção — Eu não admito que blasfeme contra o seu pai assim, está me ouvindo, Ellie? Não admito! Ele nunca faria isso, tem suas falhas… mas é um homem íntegro, de família… que nos ama.
— Mãe, por Deus… — Um riso nasalar me esvaiu.
— Não envolva Deus, nisso! Você não teve o mínimo de gratidão para ir até o trabalho de seu pai para ver o que aconteceu, mentiu para mim, falando que ligou, e agora isso? O que seu pai lhe fez além de promover tudo que tem hoje, Ellie? — Tive vontade de rir, o quão fodid.o é isso? Balanço a cabeça em negação.
— Eu ia até ele, mamãe, mas quando liguei de um número desconhecido, a ligação foi atendida! — Disse com seriedade, mantendo seu olhar raivoso, mas por trás de toda aquela raiva, incredulidade, eu sabia existir mais, ela entendia o que eu falava, só não queria aceitar o que estava diante de si.
— E o que ele falou exatamente? — Perguntou, o tom de sua voz já era um pouco mais manso, e seu semblante franzia… engoli seco o nó formado em minha garganta, desviei o olhar… — Ellie…
— Ele não vai voltar, mãe… — Resmunguei. Meu pai ter nos abandonado já era um baque suficiente, se ela soubesse existir uma outra mulher, não acreditava que ela aguentaria, sabia o quão duro seria.
— O papai não vai voltar? — A voz suave e um tanto amedrontada de minha irmã soou, a olhei assustada, surpresa com a sua presença, ela deveria estar lá embaixo… eu sabia que ela já não era tão uma menina, que precisava que eu colorisse o mundo a nossa volta para não destruir seu conto de fadas, mas ela ainda estava longe de ser uma mulher formada, nem eu mesma era…
— O que faz aqui, Lia? Não mandei fazer a janta? — Bravejei. Sabia que hora outra teria que lhe contar, teria que dizer o porquê de nosso pai não voltar, mas ela não precisava sentir a rejeição tão crua… talvez doesse menos se ela soubesse que ele apenas se foi…
— Papai não vai voltar?— Voltou a perguntar, sufoquei a vontade insana de gritar… não com ela é claro, nem mesmo com a minha mãe que insistia me acusar… eu só queria gritar, ver se de alguma forma, eu me sentia menos sufocada, desesperada como me encontro, desvio o olhar para minha mãe, ela mantém sua atenção em mim, ela espera uma resposta, assim como minha irmã mais nova.
— Preciso que volte para o que estava fazendo, Lia, então mais…
— Não! — Ela me interrompeu, a olhei enervada — Não sou mais criança, Ellie, então pare de me tratar como uma! — Bravejou, suspirei, Deus… não era para ser assim, não era para nós três estarmos assim, furiosas umas com as outras…
— Lia… — Cheguei mais perto dela, então deixei que minhas mãos apoiassem em seu ombro — Por favor, desça, prometo que te conto mais tarde — Prometo, ela parece ponderar, mas não se move — Sei que não é mais uma criança, uma menina, mas… você sempre será minha irmã mais nova, não importa o quão velha fique. — Afaguei seu rosto, ela se desmanchou da breve armadura raivosa.
— Promete que vai ficar tudo bem? — Inquiriu, o que poderia fazer além de assentir? Confirmar? Não havia certezas para nós, mas eu faria de tudo para ficarmos bem.
— Prometo… agora… — Indico a porta, ela força um sorriso, então me dá um abraço apertado, assim, segundos mais tarde parte. Fico olhando por um longo segundo para a porta, tentando formular um jeito menos chocante o que tenho para dizer.
— Ellie… — Mamãe me chama, eu a olho.
— Não foi o papai que atendeu — Resmungo, olhando no fundo de seus olhos, neles vejo um pouco mais de confusão e esperança — Foi uma mulher, dizia ser mulher dele, e que não era para eu ligar mais… — Digo, sentindo como se milhares de espinhos descessem por minha garganta, o cenho de minha mãe franze.
— Você nem chegou a falar com ele? — Questionou, neguei — Então como pode presumir algo assim, Ellie, poderia ser uma brincadeira de mal gosto, talvez seu pai perdeu o celular, talvez… — Ela se cala, eu suplico internamente para que sua ficha caia, porque pior do que saber a verdade, é não aceitá-la…
— Se foi isso que aconteceu, por que ele não volta mamãe? Por que ele… por que ele não está aqui se explicando? — Interpelo — Onde ele está, mãe?
— Eu não sei, eu não sei… — Ela grita, eu não me movo, não tenho uma reação — Mas você deveria saber, você deveria ter feito o que pedi, ter ido atrás dele. — Me acusa, apontando com o dedo indicador, eu nego, balanço a cabeça em negação.
— Não mãe, eu não deveria… ele não deveria partir assim, ele não deveria ter nos trocado por… — Me calo, eu não preciso piorar as coisas, suspiro — A culpa não é minha, é dele, e quanto mais rápido aceitar, será melhor para todas. — Viro-me, não aguentando ficar ali nem por mais um segundo, eu sabia que ela não queria dizer tantas coisas, que ela não queria estar tão vulnerável, mas eu saber disso, não significa que machuque menos, que eu não me sinta levemente desapontada com a mulher que por um longo tempo, admirei. Ela não me para, ela não diz nada… assim, sigo para longe, sigo para um lugar onde eu possa deixar lágrimas descerem por minha face, onde eu possa ser apenas a filha abandonada, não a rocha firme que nesse momento a minha família ou o que sobrou dele, precisa que eu seja.
♥♥♥
Cutuquei minha comida com o garfo, sem nenhum pouco de apetite, implorando por minha cama… mas eu não podia simplesmente me esconder, deixar Lia de lado, ela precisava de respostas, mas mais do que resposta, ela precisava ver que tudo estava sob controle, mesmo que isso não fosse uma verdade.
Havia tanta coisa em minha mente, tantas questões que precisava ponderar… Nós estávamos sem estrutura, literalmente… por que por mais que odiasse, meu pai era essa estrutura, nós dependíamos quase cem por cento dele, e agora, bem… estávamos com uma mão na frente e outra atrás… Sei que tudo é recente demais, que preciso por um momento, desacelerar a minha mente, mas eu não consigo… como poderia? Céus, havia uma lista de despesas exorbitantes, mamãe recebia um salário do governo que mal dava para seus remédios… e para ajudar, essa casa onde moramos não é nossa, tão pouco de um familiar, logo… no fim do mês o dono dela viria para recolher o aluguel… Massageio minha têmpora, suspiro profundamente. Pensa, Ellie, pensa…
— Por que ele se foi? — A voz de minha irmã soou, ela estava sentada na minha frente, na pequena mesa de quatro lugares no canto da sala bem próxima à cozinha, levanto o olhar para ela… não há dor, tristeza em seu olhar, ela parece apenas… decepcionada e levemente assustada com o que pode nos aguardar.
— Casamentos acabam todos os dias, Lia… — Resmungo encolhendo os ombros.
— Eu sei, só… não tinha só a mamãe aqui, como ficamos? — Inquire, meus lábios tremem.
— Eu estou aqui, nós vamos ficar bem… — Forço um sorriso, estico a mão por cima da mesa, esperando que ela junte a sua com a minha… sei que não é o que ela quer ouvir, mas Deus, é a resposta que tenho. Sua mão finalmente encontra a minha, a aperto — Nós vamos ficar bem… — Murmuro outra vez.
— Eu confio em você… — Me ofereceu um dos seus sorrisos gentil, confiante… Retornei-lhe um meio sorriso, enquanto internamente eu repetia… Nós vamos ficar bem…
Dizem que quando repetimos algo várias vezes, acontece… bem, eu espero que quem quer que tenha dito isso, tenha razão.