♥ | seis
Sete dias, exatamente uma semana havia se passado desde que conversei com a suposta mulher daquele que se intitulava pai, não ousei tentar um novo contato, e ele tão pouco se deu o trabalho de ligar e dizer “eu estou vivo, só não quero mais vocês, nenhuma de vocês.” Confesso que os primeiros dias foram difíceis para mim, mal dormi tendo indícios da ansiedade que estava sob controle a um tempo. Lia, por mais que se esforçasse para ser compreensiva com nossa situação, ainda era uma adolescente, uma menina, assim vez e outra era difícil não se portar como tal, dessa maneira, discutimos feio duas vez em uma única semana o que era raro acontecer, claro havia nossos pequenos bate boca de manhã, no entanto, foram poucas às vezes que passamos disso, mas tentei ser paciente, tentei pensar em formas sábias de confrontá-la, e felizmente foi a melhor coisa que fiz, ela me ajudava tanto quanto podia, enquanto eu tentava por minha cabeça no lugar e lidar com Sérgio que ainda estava alheio a nossa situação, e a mamãe, que entrou em uma fase de isolamento, se recusava a sair do quarto para qualquer coisa, até mesmo para banho… às vezes que a vi o fazendo, foi por Lia e eu, juntas, a arrastar para o banheiro. Sua alimentação não poderia estar pior que nunca esteve, e por mais que a mostrasse para tomar seus remédios, algo em mim, sabia que eles já não eram sua rotina. Deus, eu não sabia o que fazer, como lidar… Havia tanta coisa caindo sobre mim, me soterrando nas incertezas, que eu sinceramente não sabia o quanto mais poderia suportar.
E para dar um toque especial a minha situação, as semanas de provas na faculdade estavam cada vez mais perto, assim como o pagamento da mensalidade dos livros obrigatórios, atividades dentre outras coisas, eu não ousava a acreditar que meu pai assumiria tal responsabilidade de onde quer que ele esteja, por que algo me leva a crer, que ele estava cansado disso, nos sustentar… Dessa forma, também havia algumas taxas do colégio de Lia, nossos materiais que mudavam a cada novo semestre, a compra do mês que estávamos quase sem, e dentre mil e uma responsabilidade financeira… eu não tinha tempo para pensar nos estudos, ainda assim, me forcei a continuar vindo, não aguentaria ficar em casa vendo mamãe afundar-se em sua tristeza profunda, e Lia… bem, não precisei forçá-la, na medida do possível, ela se dedicava perfeitamente aos estudos, como sempre fez, eu só esperava que ela se agarrasse a isso, e não sofresse tanto quanto minha mãe pela ausência de nosso pai… Pai… dizer isso me nauseia, me sufoca… como poderíamos considerá-lo como tal após nos deixar? Sei que casamentos não duram para sempre, sei que eventualmente é necessário seguir em uma direção diferente da qual está, mas p.uta que pariu, somos as suas filhas, quais ele as viu crescer, e ele simplesmente… desistiu de nós, e não foi corajoso o suficiente para nos encarar…
— Topa ir para minha casa? — Questionou Sérgio pela enésima vez só nessa semana, o que me irritou mais do que deveria. Sabia que ele não era merecedor da minha raiva, até porque sua insistência era plausível, já que essa acostumava ser uma rotina nossa, quando as semanas de provas se aproximavam, nos dedicamos a estudar com mais alguns amigos, mas como poderia ter cabeça para isso, além do mais, preciso arrumar um trabalho urgente, não posso ser ingênua o suficiente e esperar que meu pai volte, ou pior, esperar que um milagre dos céus caia sobre meu colo, eu preciso agir o quanto mais rápido, mesmo que isso me traga um desconforto absurdo… nunca em todos esses anos de vida, precisei trabalhar, mamãe sempre foi rigorosa nessa questão, falava que o que ela e o marido não tiveram por completo, Lia e eu, suas filhas teriam, o que nos levou a dedicar nosso tempo a apenas isso, a escola… agora aqui estávamos… e eu bem, aos vinte e três anos ponderando meu primeiro emprego, o que faria? Um estágio talvez? Não, definitivamente não, um estágio não me ajudaria em quase nada. Limparia chão? Serviria mesas? Eu não sabia… Mas eu precisava de algo que ajudasse a manter nossa casa…
— Não posso, tenho que ver algumas coisas agora… — Murmuro, caminhando ao seu lado pelo extenso pátio da faculdade, seguindo em direção a saída da universidade.
— Tem que ver algumas coisas? — Repetiu o que eu disse, então parou abruptamente, me parando no mesmo segundo, o olhei de forma impaciente.
— O quê? Aconteceu alguma coisa? — Questionei, como se o problema estivesse nele, não em mim, que ironia.
— Hey, Ellie, Sérgio… depois acertamos o horário para estudarmos, não posso pegar DP esse semestre. — Luca, um amigo em comum nosso passou acenando, forcei um sorriso e acenei, meu namorado deu um tapinha no ombro dele, então Luca continuou a seguir seu caminho, e Sérgio me puxou para o lado, tirando-nos do caminho da breve multidão de alunos.
— Sérgio, o que está fazendo? — Questiono irritadamente, ele não diz nada por vários segundos, até entrarmos na pequena praça da faculdade, assim, seu olhar me examina, com uma visível preocupação estampada em sua face.
— O que está acontecendo, Ellie? — Pergunta com uma carranca, bufo, forçando um riso.
— Eu que deveria fazer essa pergunta, não? Você me puxou do nada, como um doido! — Afastei de sua mão, ele não se aproximou outra vez, apenas suspirou profundamente, passando os dedos nos fios curtos de seu cabelo.
— Meu bem… — O tom de sua voz suaviza, e suas mãos fecham em meu rosto como concha, nosso olhar se encontra, pisco algumas vezes, antes de deixar minhas paredes invisíveis caírem, meu coração se aperta, a culpa me envolve… ele não merece isso, na verdade, ele merece mais do que uma mulher como eu… mulher, eu nem me considero isso meu Deus, sou uma bagunça por completo — Só quero te ajudar, sei que algo está te incomodando… — Resmunga, aproximando um pouco mais, acariciando a minha face, abaixo a cabeça, não sei mais como omitir, não sei mais como mascarar o quão f.odida estou com toda essa situação, suspiro profundamente.
— Meu pai se separou de minha mãe… — Murmuro, sentindo o nó em minha garganta descer dolorosamente — Sei que não sou mais uma criança para… você sabe, fazer birra, chorar… mas tem sido… — Movimento minhas mãos, sinalizando minha confusão, forcei um riso — Não queria dizer nada, mas… — Encolhi os ombros — Droga, estou uma merd.a. — Murmuro, afundando minha cabeça contra o seu peito, sinto sua mão deslizar sobre minha face, pescoço, até parar em minha cabeça, assim ele a aperta contra seu peito, de certa forma, me sinto protegida, amparada.
Sendo várias polegadas mais alto do que eu, e tendo uma estrutura corporal que é digna a rotina constante e intensa em seus exercícios, é como se fosse meu abrigo humano, isso me aquiesce de inúmeras formas, de certa forma, embora nesse momento eu precise de muitas coisas, para mim basta isso por hora…
Não posso cogitar compartilhar todas as minhas aflições, mas eu posso me abrigar nele, posso aceitar seu acolhimento, e eu o faço!
— Sinto muito por isso, querida… sinto mesmo. — Afaga minhas costas, beija o topo de minha cabeça, eu suspiro.
— Sei que sim… obrigada por isso. — Passo meus braços à sua volta, me aninhando um pouco mais contra ele, sentindo seu peito movimentar por conta da respiração, e as batidas ritmadas de seu coração… Deus, seria egoísmo querer que não existisse mais nada além disso? Nós?
— Desculpa por pressioná-la, eu só… pensei que não que estivesse me evitando por sei lá… não me amar mais. — Confessa, um riso fraco me escapa, eu me afasto.
— Como não poderia te amar, Sérgio? — Nosso olhar se encontra, ele encolhe os ombros — Você é todo assim — Aponto para ele, ele franze o cenho, confuso, me adianto em explicar — Você é perfeito para mim, sério… tem umas manias irritantes, que às vezes me deixa louca — Faço uma careta, ele ri — Mas julgo que se não as tivesse, não seria perfeito, não o amaria tanto quanto amo… — Toco sua face, ele sorri afetado, eu sorrio. Sérgio é a parte mais certa que tenho, é a constância em minha vida inconstante, temo que essa nova guinada em minha vida nos afaste, porque é nítido, que essas os acontecimentos presentes, são apenas o início de tudo, há um longo caminho que preciso percorrer, e não estou disposta a compartilhar com ele. Eu não posso fazer isso!
— O que posso fazer para ajudar? Me fale, que faço… — Ele suplica como se estivesse me pedindo ajuda, e não a oferecendo, eu sorrio outra vez.
— Apenas me dê um tempo, eu preciso… organizar tudo isso sabe, mamãe, Lia… — Murmuro um tanto quanto cansada, ele cede, assentindo…
— Ok, mas você que pode contar comigo, não sabe? — Questiona da forma costumeira prestativa, eu sorrio, assentindo.
— Apenas me dê mais um abraço… — Ele sela nossos lábios em um selinho rápido, então aninho-me outra vez contra ele, que não demora muito para me apertar mais contra si. Dessa maneira, ficamos assim até que me forcei a afastar, alegando precisar partir… ele não me parou, dei graças a Deus por isso, e segui para o centro da cidade, eu precisava urgentemente de um trabalho.
***
Passei quase toda a tarde no centro e ali por perto, ponderei as mais diversas vagas, desde minha área às mais distantes, mas todas tinha duas coisas em comum, ou pagava pouco de mais, ou desejavam que ficasse por um período maior, o famoso tempo integral… Eu sabia que não estava em posição de escolher, mas não queria aceitar algo e permanecer na mesma situação, eu precisava de ao menos um salário mínimo e benefícios básicos, que pudesse entrar após a faculdade, assim, continuei a procurar. Fui em mercados, onde uma senhora atenciosa disse que geralmente precisavam, e eles, bom, dizia que no momento não estava contratando, mas que quando precisasse ligariam… de alguma forma, eu senti que aquilo nunca aconteceria.
— Vai ser difícil você encontrar qualquer trabalho em tempo parcial com um salário inteiro… — Uma das recepcionistas que me atendeu em um dos vários escritórios de advocacia me alertou, ousei ponderar que talvez conseguisse algo como assistente jurídica, já que estava na metade do meu terceiro período, mas estava enganada, é claro.
Torci a boca, frustrada. O que faria com meio salário mínimo quando as taxas do meu curso somada a várias outras coisas davam mais que o dobro disso?
— Mas tenho que continuar a tentar… — Forço um sorriso, ela assente com um semblante penoso, incrédulo, suspirei — Hum, mas obrigada por… você sabe. — Ela assente, pego minha bolsa descansando em uma das cadeiras da recepção, então me preparo para ir embora.
Não demora muito para que eu siga em direção a porta de saída, pela qual passei alguns minutos…
— Hey… — A voz da recepcionista chamou minha atenção, viro-me para ela, na esperança boba de que sua pena tenha atingido níveis altos e ela poder me arrumar algo ali. Ela vem em minha direção, a aguardo — Você me parece bastante… agitada, realmente precisando de algo, então… Eu não sei ao certo do que se trata, mas tenho uma amiga que estava dizendo que haveria uma grande seleção essa semana para mulheres em uma empresa internacional que chegou a cidade… dê uma olhada, talvez haja algo que possa ser encaixada… — Ela encolheu os ombros e me ofereceu um sorriso complacente.
— Claro, com certeza — Resmunguei eufórica — Você tem um número, talvez o endereço? — Perguntei não conseguindo me conter, eu sabia que deveria agir com mais cautela, me poupar de mais uma decepção, mas esse fiapo de luz diante tantos nãos, eu precisava me apegar a isso, eu precisava crer… e não só isso, eu precisava que desse certo.
— Pior que não, mas se esperar um minutinho, creio que possa conseguir. O que acha? Está com pressa? — Questionou, parecendo um pouco mais ansiosa que eu, sorri.
— Não, definitivamente não! Posso esperar. — Suspirei, voltando para o banco onde estava, enquanto a recepcionista digitava algo em seu celular.
Que dê certo…
Que dê certo… mentalizei.
Preciso que dê certo.