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Capítulo 1

Isla

Palavras não poderiam expressar a dor e o estrago que a sensação de vazio poderia realizar ao coração de um ser humano. Se é que podemos assim nomear os animais que andam sobre dois pés, porém raciocinam e reagem como lobos selvagens antes de serem domesticados pelo homem há milhares de anos atrás.

Eu poderia gritar aos quatro ventos como me sinto, poderia cuspir as injustiças que vejo a minha volta e quebrar meio mundo por pura revolta, medo e loucura. Mas não, abstenho-me do direito de expressar seja com palavras ou gestos, tudo o que afeta e intoxica cada célula que compõe a estrutura corporal chamada Isla Tibuco.

Fecho os olhos tanto em metáfora como literalmente, enquanto passo água do café pelo coador de pano tão desgastado pelo uso, que já apresenta alguns furinhos perceptíveis ao seu fundo.

Estou em um nível tão alto de cansaço e sono, uma vez que eu tinha que praticamente madrugar todos os dias para conseguir chegar ao colégio no horário a risca, pois o Honório Potossin era bem conhecido por ser inflexível quanto ao descumprimento de algumas regras e essa era mais sagrada entre todas, a pontualidade, que esqueci completamente que ainda segurava o bule quente nas mãos e acabei por encostar o mesmo no braço oposto em um momento de descuido.

-Ai, que droga! -resmunguei deixando o objetivo cair com um estrondo dentro da pia.

Água quente respingou para todos os lados fazendo com que parte da camisa do uniforme se manchasse. Gemi frustada como minha falta de jeito e subi em direção ao meu quarto para trocar a peça parcialmente molhada, pois eu sequer seria permitida a colocar os pés no portão da instituição mais elitista e arrogante do estado, do jeito que me encontrava no momento.

Quando finalmente estava devidamente pronta para mais um dia de tortura, conhecido por algumas pessoas como aula, no inferno, também conhecido como Honório Potossin, eu já havia cometido o erro e o desperdício de ter gastado um tempo muito maior do que de costume, e se não saísse imediatamente de casa, me atrasaria feio, não podendo entrar no primeiro horário da minha grade curricular.

E por falar nisso, lembro-me perfeitamente o motivo pelo qual não posso matar a primeira aula.

Derek Blake.

Professor de literatura do ensino médio do colégio, com seus cabelos cor de areia penteados perfeitamente para a direita, grandes olhos verdes emoldurados por seus inseparáveis óculos quadrados de grau, uma barba fechada que lhe conferia o aspecto de um gentleman perdido em uma era totalmente aleatória, e suas roupas impecavelmente bem alinhadas ao corpo másculo e definido de homem, o qual a idade ainda era um mistério para muitos, era motivo suficiente para que eu jogasse a mochila nas costas e saísse em disparada, sem ao menos tomar uma mísera xícara de café antes de deixar minha casa.

Minhas pernas tremiam e eu começava a sentir pequenas pontadas de cãibra nas panturrilhas quando consegui alcançar o ponto de ônibus no exato momento em que a condução que eu precisava, abria as portas para que os passageiros pudessem subir a bordo. Eu não poderia me dar ao luxo de sempre utilizar o transporte público, o dinheiro que ganhava com meu serviço era pouco, apenas cobria meus gastos e despesas básicas, porém a situação presente forçava-me a ter tal atitude. Eu estava atrasada demais para poder realizar o trajeto até a escola a pé, então era isso. Não tinha outro jeito.

Entre um sacolejo e outro durante o percurso, me vi questionando se ainda daria tempo de voltar atrás. Não, não dava. Isso porque quando menos notei, o ônibus já estava parado do outro lado da rua em frente ao colégio. Desci apressadamente e tentei não esbarrar em nenhum dos alunos que também adentravam os grandes portões do Honório Potossin, durante o caminho, desviei-me de todos que poderiam me trazer problemas logo pela manhã, antes mesmo de colocar os pés no primeiro corredor da instituição.

×××

Theodoro

Hoje o dia começou uma merda total. Para começar, Adolfo, nosso motorista, ficou doente e não poderia nos levar para o colégio. E por nos levar, refiro-me a mim e a praga, Stella minha irmãzinha do mal, metida a rainha das Tigress, líderes de torcida do time oficial de lacrosse do Honório Potossin.

Ele tinha justamente que adoecer no início da semana? Não poderia, sei lá... ficar doente no final de semana, que era sua folga?

Agora para minha infelicidade, caiu sobre meu colo a tarefa de ser o novo motorista da casa e levar a praga comigo para o colégio. Mas tem um detalhe, eu detesto dirigir. Minha carteira de habilitação ficava mais ocupando espaço do que qualquer outra coisa, já que eu mal tocava em um volante há tempos.

-Anda logo, pirralha. Ou eu irei te deixar para trás. -gritei mal humorado ao destravar o alarme do carro.

-Já estou indo, babaca. -disse passando por mim e pisando em meu pé com suas botas de salto alto no processo.

Esse era outro motivo pelo qual meu dia estava uma bosta. Essa garota era uma verdadeira praga mimada.

-Filha da mãe. -rosnei irritado e bati a porta do carro arrancando logo em seguida.

×

-E aí, brother. Quando é que vai me apresentar a gatinha da sua irmã? Tô afim de chamar ela para sair e...

Matt me cumprimentou com a mesma abordagem idiota de sempre. Nem um bom dia decente esse infeliz sabia me dar quando nos encontrávamos nos portões do colégio.

-Que tal no dia de são nunca de tarde? Ou melhor, no dia em que eu quebrar sua cara até você cair no chão desacordado? -respondi sem expressar nenhuma emoção, o que era muito pior do que uma explosão no meu caso.

-Ei, calma aí, brother. Você sabe que eu só estava brincando. -ele levantou as mãos em sinal de rendição, antes de dar um tapinha ridículo em minhas costas.

-Que seja. -resmunguei ao fazer uma cesta com o copo vazio de capuccino que havia acabado de ingerir, na lixeira mais próxima.

-E você? Quando vai sair com a Celeste? Aquela garota está te dando o maior mole desde o início do ano e você não toma uma atitude. Daqui a pouco vão achar que você corta para outro lado, bro, se é que me entende.

-Primeiramente, aquela garota, é mais vulgar e oferecida que nota de um dólar. Está na boca do povo e em outros lugares também, se é que me entende. -arqueei uma sobrancelha. -Não quero nada com ela e nem com as outras amiguinhas iguais a ela.

-Por que? Você deveria tirar proveito disso, eu não entendo.

Matt questionou enquanto nos sentávamos em nossos acentos de costume, e o professor Blake aguardava parado junto a porta, a entrada de todos os alunos em sala de aula.

-...desculpe o atraso, senhor Blake. -uma garota pediu ao se esgueirar pela porta quando o mesmo estava fechando-a.

-Tudo bem, senhorita Tibuco. Entre e sente-se, por favor... -ele lhe deu passagem.

-Ei, estou falando com você! -Matt me chamou a atenção.

-Eu não sou surdo.

-E então? -ele debruçou sobre sua mesa se aproximando mais, afim de ouvir a resposta.

Ele não me deixaria em paz sobre o assunto assim como as demais pessoas desse colégio, que adoram tomar conta da vida alheia, então eu teria que inventar uma desculpa qualquer, que o fizesse largar do meu pé sobre isso.

-A verdade, Matt..

-Sim? -ele instigou para que eu prosseguisse e como excelente fofoqueiro que era, seria o responsável por espalhar as novidades em primeira mão para o nosso time de lacrosse.

E daí a notícia se alastraria como chamas de fogo em um terrível incêndio florestal, pelos corredores do Honório Potossin.

E depois dizem que as mulheres é que são as maiores fofoqueiras... Balela.

-É que eu já estou, digamos que, envolvido com uma pessoa. -menti na cara dura.

Tudo para me livrar dessa aporrinhação. -penso comigo mesmo enquanto resisto bravamente a ideia de revirar os olhos.

-Você o que? -ele praticamente berrou a última parte.

-Senhor Donavan, quer fazer o favor de se sentar adequadamente e controlar o ímpeto de agir de maneira incorreta dentro de uma sala de aula? -o senhor Blake o advertiu.

Ri de sua estupidez ao conseguir uma advertência antes que o primeiro horário de aula chegasse ao fim. Ele era um otário mesmo.

-Sim, senhor Blake, me desculpe. -ele respondeu ao se afundar em seu lugar.

Nem cinco minutos se passaram quando senti Matt me cutucar com a ponta da caneta, enquanto o professor Blake escrevia na lousa digital, de costas para a turma.

-Como você pode esconder uma coisa dessas do seu melhor amigo? -ele indagou perplexo.

-E quem disse que você é o meu melhor amigo? -perguntei irônico.

-É claro que sou, Coben. -ele bufou pelo nariz contrariado. -Mas voltando ao foco do assunto. Quem é a garota? Eu a conheço? É daqui do colégio? Estuda na nossa turma ou é alguma novinha? Eu ou algum dos caras do time já pegou a tal belezinha?

Matt e sua incrível capacidade de disparar o maior número de perguntas estúpidas por segundo, não calava a boca e eu já estava vendo a hora em que o cretino nos faria ser expulsos da aula do professor Blake. E eu não poderia levar bomba em literatura nem por nota e muito menos por falta, ou seria afastado do time pelo restante da temporada, e isso com certeza estava fora de cogitação. Era impensável conceber a ideia de que eu, o capitão número um dos Tigers estivesse de fora em plena uma das temporadas mais importantes do ano.

-Cara, cala a boca ou daqui a pouco vamos estar os dois na direção levando uma bela de uma suspensão por culpa sua. -ralhei com o garoto que não sabia o momento certo de guardar sua enorme língua dentro daquele buraco que chamava de boca.

-Então me diga logo quem é a gracinha que você está traçando, meu amigo.

-Eu já disse, Matt. Você provavelmente não a conhece e...

-Não importa. Eu quero saber o nome. Ora, vamos! Diga logo o nome. Se você não disser, vou pensar que está inventando uma namorada invisível apenas para se livrar das possíveis dúvidas que possam surgir. -ele jogou a indireta no ar.

Certamente estava apenas esperando a hora certa de fazê-lo.

-Eu não queria trazer o assunto à tona, para que não se espalhasse por aí. -iniciei a encenação. -É um lance muito recente e ela não se sente muito preparada para encarar ser o novo centro das rodas de fofoca do colégio, entende? -comecei a explicar tentando ganhar tempo para bolar alguma ideia mirabolante de última hora.

-Não, não entendo. Ser o centro é o que todas as garotas desse lugar desejam, ainda mais se for acompanhado do sobrenome Coben e vestir o uniforme de capitão do time. Mas, prossiga. -ele parecia ou estava fingindo muito bem, estar confuso.

-Façamos o seguinte. Eu andei pensando muito nos últimos dias e está na hora de sairmos da sombra.

-E? -ele perguntou, expectativa brilhava em seus olhos castanhos claros.

-Eu pretendo apresenta-la a todos na festa de pré-estréia do terceiro jogo.

-Isso é sexta-feira agora. -ele afirmou pensativo.

-Até que você sabe utilizar bem o calendário, Donavan. -eu debochei.

-Você vai ficar fazendo suspense a semana inteira, Theo? Droga, isso não é justo! -ele murmurou indignado.

-Ah, deixe de ser um frangote chorão, Matt. Parece até a garota do blogue, louco para twitar as últimas novidades.

Dei a cartada final. Dessa vez ele não iria insistir. Pelo menos não, se não quisesse ser taxado de fofoqueiro. Por mais que ele já fosse um.

-Você está certo, Coben. Na festa a gente descobre quem é a senhorita mistério que você tanto esconde a sete chaves. Ela deve ser muito bonita para que você esconda o jogo por tanto tempo.

-Isso você vai ter que descobrir junto de todos na festa, meu caro Donavan. -eu disse com um meio sorriso dissimulado no rosto e me virei para a frente.

Pronto. Agora a merda já estava feita. A vaca tinha ido para o brejo, assim como meu tempo estava perseguindo-a bem de perto. Louco para escapar por entre meus dedos.

Oficialmente ferrado, eu tinha menos de quatro dias para arranjar uma garota que não trouxesse nenhum tipo de complicação para mim e que aceitasse ser minha namorada falsa sem qualquer tipo de envolvimento amoroso. Mas o problema era, quem poderia ocupar esse cargo?

Estava na hora de começar a procura e escolher rapidamente, a vítima perfeita para essa grande farsa.

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