CAPÍTULO 4
SOFIA SALAZAR
Três semanas se passaram e eu ainda não consegui um emprego. Nenhum. Nadinha de nada. Até porque ninguém quer contratar uma pessoa sem formação ou experiência na área especificada.
-Pff. -bufo pela décima vez ao tentar fazer com que o micro-ondas de Samuel funcione. -Que droga há com você, sua máquina estúpida? -gritei com o eletrodoméstico que apenas piscava aleatoriamente como se zombasse de minha incapacidade de utiliza-lo.
-Estúpido! É, é isso mesmo que você é. Um objeto estúpido que não serve a seu propósito. -eu disse para o micro-ondas enquanto cruzava os braços sobre o peito com certa raiva.
Veja bem, não é que eu não saiba como utilizar o eletrodoméstico em questão, é óbvio que sei. Não sou uma pessoa tão idiota e dondoca a ponto de não saber esquentar uma comida pronta. Mas, por incrível que pareça, estou tendo uma dificuldade épica para conseguir fazer com que esse aparelho idiota, que era muito diferente do que tinha na casa de meus pais, funcione de maneira decente.
A única coisa que fiz até agora foi liga-lo e nada mais que isso. Nenhum avanço foi feito até agora, estou a mais ou menos umas duas horas nessa guerra enquanto meu estômago ronca de fome dentro de mim. Depois de um dia inteiro andando para cima e para baixo distribuindo currículos pela cidade e recebendo várias negativas em resposta, estou morta de cansaço e parece que há um enorme buraco negro em meu estômago.
-Ai que ódio! -bato os pés no piso da cozinha em sinal de frustração. -O que será que eu fiz para merecer isso? -resmunguei já me levantando e ficando de pé.
-Alguém vai ter que me ajudar se eu não quiser desmaiar de fome. -murmuro para mim mesma e com o chaveiro em mãos, sigo rumo a saída.
Ao passar pelo corredor de meu apartamento não avisto uma alma caridosa sequer que pudesse ter compaixão de uma mulher humilhada por um micro-ondas, e que pudesse me dar uma forcinha. Eu é que não iria bater na porta de alguém e passar um vexame maior ainda do que o destino já estava me fazendo protagonizar. Não mesmo. Por isso fiz o trajeto até o elevador atenta a alguma movimentação diferente que indicasse que alguém estava saindo ou chegando em seu apartamento.
Mas ninguém apareceu, nem para dar uma voltinha atoa.
Desço até o saguão do prédio e caminho para o lugar que tenho certeza que irei encontrar a pessoa certa para situações como essa.
Lorena.
Eu e ela temos nos aproximado muito nesses últimos dias e desenvolvemos um relacionamento muito parecido com uma amizade. Eu gosto bastante de seu carisma e a áurea alegre que a rodeia como se fosse purpurina. Lorena é o tipo de garota elétrica, mas pé no chão que te faz se sentir bem, que te coloca para cima. Ainda acho que é muito cedo para chama-la de amiga e eu nem sei se ela gostaria desse tipo de intimidade, mas posso afirmar com certeza que ela é uma pessoa que eu gostaria de levar para sempre no coração.
Paro em frente a porta da copa onde os funcionários do edifício usavam para comer e descansar, e dou duas batidas fracas para chamar a atenção de Lorena que estava sentada em um pequeno banquinho conversando com um rapaz mais velho, de costas para a porta. Como eu já era meio que conhecida por ali por causa de minha proximidade constante de Lorena, o rapaz assim que me viu, se levantou e disse alguma coisa a ela apontando para onde eu estava.
-A que devo a honra de sua visita a essa hora, Sof? -ela parou a minha frente com as sobrancelhas perfeitamente arqueadas e um sorrisinho amistoso nos lábios.
-Ei, eu sei que está em horário de expediente, mas preciso de ajuda. Por favorzinho. -pedi fazendo cara de cachorro sem dono.
-Tá, tá, ok! Satisfeita? -ela respondeu por fim após alguns segundos pensando.
-Muito. -sorri empolgada.
-Se eu perder meu emprego a culpa será inteiramente sua. -disse rolando seus pequenos olhos verdes. -Me diz qual é o problema dessa vez. -ela questionou com riso na voz e me seguiu em direção ao elevador.
* * * *
Após minha explicação e algumas tentativas frustradas, Lorena finalmente também sucumbiu a derrota vergonhosa diante do eletrodoméstico.
-Infelizmente não vou poder ajuda-la dessa vez, Sofia. Nem eu estou acostumada com uma máquina tão moderna quanto essa, então não sei dizer como funciona o mecanismo da mesma. -Lorena encolheu os ombros com desânimo.
-Tudo bem, não faz mal. -suspirei resignada seguindo até a sala e me jogando sobre o sofá.
-Ei, Sof, tive uma ideia! -Lorena berrou da cozinha. -Porque não usa o forno? Dá para fazer uma lasanha rapidinho.
-Mas eu não sei fazer lasanha, garota.
O que há com Lorena? Ela era doida ou que para achar que eu sabia cozinhar um tipo de comida dessas? Ela deve estar muito chapada se está pensando isso. Rá rá, coitadinha, está muito iludida.
-Eu te ajudo. Agora levanta essa bunda do sofá e venha me ajudar com isso.
Ela esticou a cabeça no corredor me chamando para sumir em direção a cozinha logo em seguida.
-Você tem os ingredientes necessários para a receita? -ela indagou enquanto batia portas e abria gavetas dos armários.
-Acho que sim. Já estou indo, Lo.
Poucos segundos depois e eu já estava ao seu lado a auxiliando a encontrar tudo o que seria usado para preparar a tal lasanha.
-Bom, não é muito difícil. É só até pegar a prática, depois disso é moleza. -piscou para mim. -Mas vou te quebrar um galho e adiantar tudinho, aí você só vai ter que vigiar o tempo no forno, ok?
Balancei a cabeça em concordância e senti uma leve tontura me atingir. Tentei disfarçar a careta e segui para perto do fogão onde Lorena preparava os alimentos.
-Mas não vá se acostumando com essa mordomia não, hein moça? -ela empurrou meu quadril com uma batidinha dada pelo seu. -É só por hoje.
-Claro, obrigada Lolozinha do meu coração.
Nós rimos e colocamos a mão na massa. Com Lorena me instruindo, fui separando alguns itens sobre a pia enquanto ela tratava de montar as camadas da lasanha sobre o pirex. Trinta minutos depois tínhamos acabado e eu me sentia um pouco mais fraca e exausta do que no início da tarefa.
-Prontinho. Agora é só levar ao forno e cronometrar o tempo. Depois é comer.
-Muito obrigada, Lorena. Você salvou a minha vida. -a abracei.
-Ah, que isso! Larga de drama Sofia. Você se sairia muito bem sozinha... Ou não, né? -ela gargalhou. -Então, eu preciso ir. -disse indo para a sala.
-Mas já? Nem vai comer um pedacinho ? Eu não aguento aquilo tudo sozinha não, se é isso que está insinuando. -eu brinquei.
-Boba. Eu tenho que ir mesmo, o bairro onde moro é meio perigoso a essa hora e eu preciso aproveitar a carona do Rodrigo.
-Sabe que pode dormir aqui sempre que precisar, não sabe? -perguntei.
-Claro, você já disse isso dezenas de vezes. Mas tem... Certas coisas que precisam da minha atenção em casa. Mesmo assim agradeço pelo convite. -ela ajeitou o rabo de cavalo no alto se dirigindo até a porta. -Você dá conta daqui para frente?
-Dou sim, senhora. -simulei uma continência.
-Sabe usar o fogão não é, Sofia?
-Mas é claro que sim.
-Estou indo nessa então. Boa noite, Sof.
-Boa noite, garota. Cuidado na volta, hein?!
-Pode deixar, mamãe. -ela respondeu já sumindo no final do corredor e entrando no elevador em seguida.
Após trancar a porta da sala, retorno a cozinha e coloco o pirex no forno ligado e fogo um pouco de arroz para acompanhar a lasanha. Enquanto os dois levavam o tempo ao fogo que necessitavam, resolvi que estava na hora de tirar a roupa suada que havia usado o dia inteiro e entrar no banho no minuto seguinte.
A água estava tão boa que eu quase adormeci com o corpo mole de exaustão ainda debaixo do chuveiro. Assim que terminei de tomar meu banho, fechei o registro e me enfiei na primeira toalha que vi pela frente. Fui até o quarto e separei um conjunto de pijama para vestir. Com os membros pesados e com uma terrível sonolência, me vesti a passos de tartaruga sentada sobre a cama. Não sei e não faço a mínima ideia do que aconteceu a seguir, mas a última coisa de que me lembro foi de ver o teto do quarto girar e minha visão escurecer completamente.
E depois disso, mais nada.