CAPÍTULO 3
SOFIA SALAZAR
Eu sei bem o que estou fazendo. Eu sou um furacão. -essas duas simples frases giravam em minha mente sem parar, como que para afirmar para mim mesma que eu tinha o controle da situação, que sabia a decisão que estava tomando.
Essa era uma das técnicas de autocontrole que havia aprendido durante o longo período que passei internada em uma clínica de reabilitação, tipo um AA mais intenso, só que para variados tipos de tratamentos de vícios, fora do país, quando todos os meus conhecidos na verdade pensavam que eu estava em alguma viagem de férias fora de época. Claro, eles não sabiam o verdadeiro motivo que me levou a sair do Brasil nessa época e talvez nunca saibam. Mas não faz diferença mesmo, eu não me importo. Ou pelo menos finjo que não.
Ainda mergulhada em pensamentos aleatórios, refletindo um pouco sobre o rumo que minha vida tem tomado até agora, fecho o zíper da última mala que estava sobre minha cama.
-Vai viajar? -a pergunta perfurou o silêncio do quarto feito um disparo de canhão e sobressaltando-me com o susto, dei um pulo sobre o lugar e acabei por acertar meu joelho na beirada da cama.
-Droga! -resmunguei baixinho ao me abaixar e esfregar o local da pancada.
-Você não respondeu a minha pergunta. -Itan insistiu desencostando-se do batente da porta do meu quarto, que por um lapso de memória eu havia esquecido de fechar e, se aproximou da cama examinando as quatro malas que estavam sobre a mesma.
-Talvez seja porque eu não sou obrigada a responder, já parou para pensar nisso? Ou você ainda tem a falsa ilusão de que o sol, a lua e as estrelas giram em torno de você ?
-Aonde pensa que vai dessa vez? Sofia, eu estou falando com você! -o idiota do meu irmão se enfiou na minha frente impedindo-me de seguir adiante.
-E eu estou deliberadamente te ignorando, não percebe? -rebati dando a volta por ele. -Outra coisa, eu não penso, eu realmente vou a algum lugar. Não que isso seja da sua conta ou da de alguém.
-Por que tem sempre que agir dessa maneira, hein? Como uma criança pirracenta. Só te fiz uma simples pergunta e você ao menos pode responde-la sem ser rude.
-Não, Itan. Você não fez só uma pergunta, você já chegou me julgando com toda essa pose de bom moço que você desfila para as pessoas verem. E eu já estou farta disso, de ser julgada e condenada pelas pessoas que mais deveriam me apoiar, mas que só sabem apontar o dedo ao invés disso. E olha que ninguém aqui nessa casa de moral para falar um A sequer um do outro. Mas não, o senhor sabe tudo aqui acha que pode me acusar de alguma coisa, quando nós dois sabemos que você está muito, muito longe de ser o ideal de exemplo. Então Itan, faça um grande favor a nós dois e saia por aquela porta e me deixe em paz. Eu não te devo satisfações da minha vida. Agora por favor, vá.
-Você está sendo muito egoísta e injusta, Sofia. Um dia ainda vai perceber o seu erro e espero que seja inteligente o suficiente para concerta-lo. -Itan jogou as palavras no ar e virou as costas indo embora como eu havia pedido.
Assim que me vi sozinha novamente, soltei o ar que nem percebi que estava prendendo e contive a vontade de desabar na cama e chorar incontrolavelmente. Era difícil, mas ninguém havia dito que seria fácil, não é mesmo?
O problema é que essas discussões, por mais frequentes que se tornassem, tinham o poder de acabar com meu estado físico e emocional. E isso não era nada bom.
* * * *
Mesmo com certa dificuldade, desci do táxi em frente ao prédio onde eu chamaria de meu novo lar daqui para frente com uma mochila nas costas, meu enorme e inseparável amigo Louis Vuitton, a mala é claro, não o fundador da empresa, e segui até o bagageiro do carro para pegar o restante das malas sozinha, já que o ignorante e mal educado do taxista não parecia nem um pouco inclinado a me ajudar na tarefa. Após pagar a corrida e retirar meus pertences do veículo, caminhei de modo meio atrapalhado sob meus saltos Louboutin até a recepção do edifício e parei próxima ao balcão para tomar uma respiração antes de continuar o restante do percurso.
-Boa noite, senhorita. Em que posso ajuda-la? -me virei para saber se era comigo que estavam falando e acabei dando dando de cara com um senhorzinho baixo, calvo e de aparência muita simpática me encarando com curiosidade.
-Ahn... Acho que não será necessário, eu estou bem. Sério, só estou tomando um fôlego antes de encarar o resto do caminho. Eu deveria ter pensado em vir com um calçado mais adequado se estava planejando carregar tanta coisa -eu sorri tentando retribuir a cordialidade.
-Você é nova por aqui. Não me lembro de já tê-lo vista alguma vez. Está de mudança, menina?
-Estou sim. Aluguei um apartamento, o 207.
-Ah sei, o apartamento do menino Samuel. Ele é um bom rapaz. -ele comentou. -É uma pena que não possa passar tanto tempo aqui na cidade, porque ele estuda em outro estado e essas coisas. Mas pelo menos agora teremos uma nova moradora pelo que vejo. Ora, até esqueci de me apresentar, sou Edmundo, mas pode me chamar de Ed como todos. E você menina bonita, como se chama?
-Eu sou a Sofia, Ed, e é um grande prazer conhece-lo.
-O prazer é todo meu.
-Aqui estão alguns papéis e documentos que o Samuel pediu que eu entregasse aqui na portaria. Ele me disse que já estava tudo acertado por aqui e minha entrada liberada.
-Está tudo certinho. -disse conferindo os papéis recebidos. -Você já tem as chaves ou precisa de uma reserva?
-Não, eu já tenho uma. -respondi balançando o chaveiro no alto.
-Então é só isso por enquanto. Seja bem-vinda, menina Sofia.
-Obrigada, Ed.
-Vou pedir que alguém a ajude com as malas. -ele se apressou prestativo.
-Não precisa se incomodar. -respondi um tanto sem graça.
-Deixe de bobagem, menina. -ele desdenhou com gesto de mão no ar. -Lorena, por favor, ajude Sofia a levar seus pertences para o andar dela. -Edmundo disse a uma moça que passava por perto.
-É para já, Ed. -ela piscou para ele. -Posso? -perguntou se dirigindo a mim.
-Ah, claro. Obrigada. -agradeci seguindo-a em direção ao elevador.
Enquanto os andares iam subindo pude observar Lorena pelos cantos dos olhos por alguns instantes. Ela era jovem, possuía um belo rosto quadrado, pequenos olhos de uma tonalidade de verde impressionante e mantinha os cabelo ruivos presos em um rabo de cavalo alto e firme, sem deixar um fio sequer fora do lugar.
-Você trabalha a muito tempo aqui, hum... Lorena, né? -puxei assunto.
-Isso mesmo. -ela concordou. -Digamos que eu trabalho aqui há bom tempo. Vou completar dois anos como funcionária da casa no final desse mês. -ela respondeu sem se incomodar.
-E você gosta daqui? Gosta do que faz? -perguntei de repente em uma súbita vontade de conversar mais com a garota.
Lorena parecia ser uma boa pessoa, então porque não puxar conversa com ela? Talvez no futuro até possamos ser colegas ou amigas. Já que eu irei precisar realmente de me entrosar com as pessoas daqui, para não ficar parecendo o lobo solitário que na maioria das vezes eu o sou.
-Desculpe a pergunta. Fui pessoal de mais? -questionei sem saber se tinha ultrapassado algum limite.
-Relaxa, sem problemas. -nós duas descemos no meu andar. -E respondendo a sua pergunta, eu meio que gosto do meu serviço, não é o ideal e nem meu sonho de consumo, mas paga as contas, sabe? Um dia eu não vou mais precisar trabalhar aqui, irei concluir meus estudos e montar meu próprio consultório de ortodontia. -ela esboçou um sorriso tímido quando paramos em frente a porta do apartamento. -É apenas um sonho por enquanto, porém acredito que um dia eu vá realiza-lo. -ela deu de ombros.
-Eu acredito com certeza que você irá realizar todos os seus sonhos, Lorena. -eu disse com sinceridade enquanto destrancava a fechadura.
E eu não estava mentindo, Lorena tinha aquele brilho peculiar de determinação e persistência no olhar, que somente poucas pessoas possuíam, que me fazia acreditar , bem como o mundo a sua volta, que ela era capaz de alcançar qualquer objetivo e sonho que almejasse. E por um pequeno momento eu a invejei. Eu também queria aquilo para mim, queria ser tão obstinada quanto ela e sentir que era capaz de... Ser alguém na vida.
E eu seria. Prometi a mim mesma naquele instante. Custe o que custar eu farei de tudo daqui para frente para ser alguém diferente, para ser alguém de quem minha família poderia se orgulhar assim como meus irmãos.