Imprudencia
Carolina
De alguma maneira distorcida queria poder dizer que nada disso faz sentido, mas ao beliscar a perna pela milésima vez em menos de dez minutos sentindo a dor percorrendo a carne nem ao menos consigo entender como sai da rotina costumeira em receber insultos e humilhações daquelas mulheres para estar dentro da sala de aula pensando em uma forma de driblar os homens estranhos.
Aquela conversa estranha retornando a minha mente a todo momento junto com o beijo quente.
As janelas e as vidraçarias deixam exposto todo o gramado da entrada em uma visão de época, a fonte no meio junto do portão de ferro fundido trabalhado no que parece ser o brasão da família. Ao redor árvores altas porem podadas o jardim bem cuidado, parecendo um palácio bem no meio do inverno.
“As pessoas devem admirar essa mansão” — Acabo falando sem querer
“Apenas um suicida se atreveria a vir tão longe sem autorização.”
A senhora apenas apontou com a cabeça a direção do banheiro, quando sai em cima da cama tinha uma muda das minhas roupas: calça jeans, sapato surrado e uma camiseta junto do moletom. Fiquei preocupada sem entender como poderiam ter pego os meus pertences até cair na realidade de estar dentro da casa de um dos homens da máfia. O mesmo que matou uma mulher grávida na minha frente.
Sonhei várias vezes em encontrar com boas pessoas, construir amizades, perdi as esperanças quando por ser bolsista mesmo que parcial na faculdade comecei a ser maltratada. Depois de algumas semanas os rapazes começaram a vir falar comigo, felizmente antes que algo ruim pudesse acontecer escutei os cochichos sobre eles planejarem fazer algo comigo.
Então não tenho alguém que possa realmente recorrer o que é um sério problema considerando que preciso dar um jeito de ir embora. A maioria das minhas atitudes é um reflexo do que recebo, mesmo buscando manter a fé em dias melhores.
Aquele homem de belos olhos tem uma maldade animalesca dentro de si e de alguma forma não me assusta, mas me atrai como um girassol se virando em busca do sol. É aqui que a realidade estapeia a minha cara mais uma vez, pois, ele não é uma boa pessoa, não mesmo. Fugir definitivamente é a melhor opção.
Inspiro profundamente com essa decisão em mente, observo enquanto o professor de farmacologia fala outra vez sobre os resultados das drogas intravenosas. Concentrada faço as minhas anotações colocando uma nota no alto da página do caderno preocupada por ter passado a maior parte da explicação perdida em pensamentos.
Quando a aula finalmente termina, sou a primeira a sair da sala no amplo corredor em que os alunos começam a sair das aulas vejo o olhar de um homem careca o reconheço como um dos que me trouxe no carro. Seu olhar observa cada um dos meus movimentos, puxo o ar com força e viro os pés na direção contrária. Entrando pelo mar de estudantes curvo um pouco as costas para conseguir ficar alguns centímetros menor e ter facilidade em escapar, desvio de alguns conhecidos das classes de monitoria. Só passo a me sentir segura quando finalmente chego na saída obsoleta da faculdade.
O lugar escuro tem um gramado mal aparado, porém já precisei vir por aqui durante o dia já que é o caminho mais rápido em direção ao metrô. Começo a atravessar o campo, apressada para alcançar a rua isolada mais a frente e ter alguma vantagem, preciso ao menos pegar meus documentos.
Sinto o frio subindo pela coluna a sensação de estar sendo observada faz com que praticamente comece a correr na direção da rua. Quando finalmente entro no beco que leva a entrada do metrô uma sombra bloqueia a saída. Viro a cabeça para trás encontrando com um homem mal vestido o sorriso torto de poucos dentes e o olhar vidrado como se tivesse usado alguma droga me deixa ainda mais assustada.
“Acha que vai para onde, garotinha? — Sua voz deixa claro que está embriagado”.
“Eu.. — Engulo a saliva para conseguir falar em meio ao nervosismo. — So tenho o dinheiro da passagem comigo”.
“Quem disse que queremos dinheiro?”.
Fico assustada com a outra voz percebendo agora que o outro homem está perto, a pouca luz dos postes ilumina seus dentes prateados em um sorriso psicótico. Sinto o coração palpitando com força sem conseguir ver uma maneira de sair. Desesperada tento correr mas logo sou agarrada pelo homem maior.
“ME SOLTA, POR FAVOR ME SOLTA. — Grito desesperada”.
Suas risadas penetram dentro da minha mente deixando-me ainda mais desesperada enquanto as mãos começam a puxar a mochila.
“SOCORRO — Grito. —SOCORRO”.
“Cala a boca vadia!”
O tapa atinge com força suficiente para arrancar sangue dos meus lábios, sinto as lágrimas escorrendo com força enquanto tenho a roupa sendo puxada mesmo me debatendo não tenho força o suficiente para conseguir sair do meio desses dois homens. Sou jogada no chão com brutalidade recebendo um chute que arranca o meu folego.
“Nós não vamos dividir, dê meia volta e você sai vivo”.
Não sei quem foi louco o suficiente para entrar nesse beco mas quero encontrar a minha voz para pedir que me ajude.
“Você não pode dividir algo que é meu”.
A voz raivosa soa como um trovão reconheço o timbre como uma pontada de esperança no peito, apoio a mão direita no chão e ergo o rosto vendo a face angelical completamente corrompida pela escuridão, seu olhar encontra o meu e de algum modo mesmo vendo a crueldade sinto que estou protegida. Ele está aqui por mim.
“Vá para o carro Carolina. — Sua ordem não deixa espaço para argumentar”.
“Preciso de ajuda para levantar. —Murmuro tão baixo que acreditei não ter escutado”.
Fecho os olhos com força, escuto o som de algo batendo e quando um toque vem ao meu braço grito.
“Calma garota, vou te levar para o carro do chefe. — Abro os olhos encontrando com o careca”.
Nicklaus está impassível com a fúria queimando de uma maneira diabólica fazendo todos os meus ossos estremecerem, quando olho para trás vejo alguns homens segurando os que estavam tentando me abusar. Paramos na frente dele, sua mão enorme encosta contra o meu queixo a prata dos anéis frio causando um arrepio enquanto analisa o ferimento na minha boca.
Seus olhos verdes contém promessas obscuras que não desejo raciocinar sobre, mas rapidamente se perde quando acena para o careca. Esse volta a me levar, no final do beco quatro carros dispostos em volta de um carro de luxo com dois lugares, ele abre a porta do passageiro e espera até que entre. Mas antes de fechar a porta ainda escuto gritos desesperados saindo da escuridão.