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Incoerente

Carolina

Precisei segurar a respiração diante do corpo musculoso, as tatuagens feitas em tinta preta cobrindo cada pedaço da pele branca, os mamilos presos por duas pequenas argolas de aço. As mãos grandes e fortes apoiadas contra a madeira da porta, senti cada uma das batidas do meu coração retumbando contra os ouvidos admirando pelo canto do olho o maxilar trincado sem reações enquanto a agulha cortava a carne atravessando o fio finalizando um ponto, repetindo o processo mais sete vezes. Segui os conselhos dos professores sobre manter a expressão neutra a todo momento, buscando de alguma forma não transparecer o quanto estava afetada por ele. Quase gritei de alegria quando as portas foram abertas e após declarar que havia terminado, fui liberada, mesmo que para esperar do lado de fora. Respirar um pouco fora da órbita dele para clarear a mente, estava pronta para buscar alguma maneira de fugir, traçando planos mirabolantes de sair desse país.

Deveria imaginar que estava caindo direto em um precipício de problemas quando olhei para o relógio marcando o horário exato para sair do salão e ir para casa me arrumar, nenhum som podia ser ouvido de dentro do escritório mesmo estando encostada contra a parede ao lado. Abri as porta de madeira sem imaginar o resultado com apenas algumas gotas de coragem desejando chegar no hospital e pensar que tudo havia sido apenas um sonho, até mirar olhos verdes idênticos ao dele com cabelos mais longos e queixo um pouco mais fino. Percebi no mesmo momento serem irmãos apesar do outro aparentar ser mais novo, o sorriso cafajeste que se abriu em seus lábios bem desenhados arrancou de modo instantâneo o meu em troca, não pelo desejo do flerte, mas pela sensação de calma da qual precisava.

Foi rápido demais para perceber, vi o vermelho do sangue manchando a mesa mas antes que pudesse falar qualquer coisa uma mão quente e viscosa estava envolvendo meu pescoço, ao olhar para cima e encontrar a fúria dentro da floresta escura que se tornou suas íris fiquei sem reação. A madeira nas minhas costas pressionando as costelas roubando mais do folego, as batidas frenéticas persistentes, as lufadas de ar saindo pelas narinas dele, completamente furioso. E ao contrário de alguns anos atrás, senti a necessidade em provoca-lo, em responder.

De uma maneira incoerente esse homem consegue ressuscitar a adolescente que queria conhecer o mundo, de alguém que desejava apenas carinho, presa entre seus braços e a parede admiro os lábios grossos envoltos pela barba, sendo tomada de surpresa pela declaração impactante contra o meu coração carente e as sensações fortes do seu corpo contra o meu.

Não é um beijo, mas o reforço da sua declaração de pertencimento, os lábios macios tomam os meus causando uma loucura desenfreada dentro do meu coração carente, espalmo as mãos contra seu peitoral desnudo sentindo o calor que emana dele. Fico ainda mais perdida com as sensações quando em um suspiro a língua experiente invade tomando tudo o que deseja, explorando, guerreando com a minha, roubando a minha respiração e a força que ainda tinha nas pernas.

Não tenho nem ao menos uma chance contra o desejo que se acumula em meu baixo ventre, estou completamente sem folego quando sou erguida pelas coxas e seu olhar esverdeado encontra o meu. O maior pecado de Eva não foi ter provado do fruto doce do pecado, mas ter gostado. E por mais delirante que possa parecer, sinto como se estivesse em casa olhando para ele.

Sinto minha bunda contra a madeira da mesa, sua mão esquerda desce da minha tempora até meu queixo de maneira lenta, parece inofensivo e por um único momento esqueço tudo o que fez nesse dia. Desde matar a esposa grávida até trazer-me aqui contra a minha vontade. Estou presa dentro de uma bolha da qual sonhei ter... ou imagino ser real. Outro belo motivo para acordar desse sonho perverso que de alguma forma vai acabar me destruindo.

—Preciso ir para a faculdade. — Falo baixinho.

— É isso que tem a dizer?

— Sobre o que? — Ergo a sobrancelha.

— Para o chefe da máfia que matou a esposa grávida, te trouxe para casa e agora declara que você o pertence. — Faz uma pausa, retorcendo os lábios, mas de alguma forma sinto que o divirto. — É apenas isso que tem a dizer? Tenho que ir para a faculdade.

Fecho os olhos incapaz de pensar quando está tão próximo, como em apenas algumas horas regredi tanto? Como estar ao redor dele pode fazer isso comigo?

—Por favor... — Murmuro.

Sinto a sua respiração pesada contra meus lábios é uma tentação, na realidade começo a acreditar que Nicklaus Mikhail é o próprio anjo caído. O toque dos seus dedos calejados contra a minha bochecha de uma maneira dócil arranca um suspiro sôfrego dos meus lábios. Como posso querer algo do qual sei ser ruim, mas de alguma forma estar cega para isso quando estou sendo colocada de frente para a farsa do paraíso. Esperava a agressividade do homem de olhos frios empunhando uma arma.

Mas a cada movimento sou iludida pela beleza que esconde a sua alma perversa, em cada toque sou seduzida pelo desejo em ter o proibido e a cada segundo tento controlar a criança interior necessitada de atenção.

—Mandarei um dos meus homens buscar as suas coisas. — Suas palavras saem no tom autoritário.

Ergo a cabeça para responder, abro os olhos e só encontro com o brinco de diamante que nem havia reparado no lóbulo, seu rosto está entre meu pescoço e ombro, a língua brincando suavemente em um movimento que faz a minha intimidade se contrair. Solto um gemido e escuto o que parece ser uma risada quando sinto a ponta do nariz acariciando minha pele exposta.

— No final do corredor as portas duplas, vá logo antes que mude de ideia.

E assim, tão rápido quanto a água fervente se transforma em vapor ele se afasta, sua voz comanda e como uma boa menina obedeço descendo da mesa sem lhe dar mais nenhum olhar, corro para fora. Meu coração parece estar prestes a explodir enquanto a minha mente grita.

Sigo as suas ordens, observando pela primeira vez o lugar de carpete vinho paredes de tons escuros sem vida, na verdade nada aqui parece indicar que existe um morador, nenhuma decoração, nenhuma foto. Apenas as paredes pintadas nesse tom entre cinza e preto, sendo mesclado com algumas rajadas brancas. No final do corredor as portas de madeira trabalhada com alguns detalhes chamando atenção. Olho para trás garantindo que ele não está por perto, fico sem jeito ao abrir as portas de uma vez atraindo olhares dos homens que estão sentados a mesa. Todos altos e fortes, uns bem vestidos outros com camisa social, pude contar ao menos dez antes que uma senhora com sorriso dócil e algumas rugas no canto do olho atraísse a minha atenção.

— Olá, criança. — Sua voz gentil arrancou meu sorriso.

— Olá.

Pelo canto do olho vejo um dos homens recebendo uma mensagem e trocando um olhar com a senhora, ele se ergue da mesa sendo acompanhado por outro que veste apenas uma camiseta.

— Eles não sentem muito o frio.

Como se lesse meus pensamentos ela responde dando uma batidinha no meu braço, enroscando contra o dela para sairmos do que parece ser a cozinha.

— Preciso ir buscar as minhas coisas e trocar de roupa.

Respondo um pouco apressada demais, engolindo em seco e orando para que ela não tenha notado o quanto quero sair dessa casa.

— Não se preocupe, os meninos foram buscar as suas coisas e eu vou te dar uma roupa linda para você ir a faculdade.

Antes que possa perceber acabo parando os meus passos contra o carpete, ela ergue a sobrancelha bem feita, os poucos fios brancos que saem da lateral da sua cabeça se prendem em um coque elegante sem sair do lugar, nem mesmo frizz. Somos quase da mesma altura tirando alguns centímetros pelo salto que ela usa.

— Homens quando se juntam falam mais do que mil mulheres.

Novamente ela responde minha pergunta silenciosa com uma risadinha, voltando a caminha comigo pelo corredor, passamos pela porta do escritório fazendo um frio subir pela minha espinha, reparo em uma sala de estar com uma lareira que não havia notado antes e então ao invés de subir as escadas dobramos no corredor ao lado da entrada. A decoração aqui é diferente, janelas vão do piso ao teto e alguns vasos estão dispostos entre a divisão de portas. Será que o quarto dele é em alguma dessas?

É tão incoerente como quero fugir e ao mesmo tempo saber mais sobre esse homem.

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