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QUATRO

— Menina, o que você tem? — Sou desperta pela voz preocupada da Donana.

— Eu, nada. Por quê?

— Você está distante, Lara. Não ouviu uma palavra do que disse até agora. Oh, meu Deus! É por causa da Sara? Ela piorou?

— Não! Quer dizer, ela está bem!

— E então?

— Então nada, Donana. Estou bem aqui.

— Nesse caso, para de sonhar acordada e lava logo esses legumes. Não arranje complicações, menina! — ralha um pouco ríspida e faço o que me manda. Mas a Donana não está nem de longe errada. Depois daquele beijo, não consigo mais parar de pensar em Gael. Sempre que fecho os meus olhos, vejo nitidamente os seus cabelos escuros, com aquele corte moderno caindo sobre a sua testa, os olhos azuis de um tom tão claro, que mais parecem uma pedra de gelo, no meio das águas azuladas do oceano e o seu sorriso. Não consigo parar de ouvir a sua voz sussurrada me dizendo, boa noite. Confesso que mal preguei meus olhos, sem falar no sorriso bobo que tive que conter, para evitar as especulações de minha mãe e agora tem a Donana no meu pé.

Após lavar cada legume e de guardá-los em seus devidos lugares, me dediquei a limpar a cozinha. É a semana da faxina e antes que o meu horário termine, Donana faz a sua inspeção e a senhora Richter passa para confirmar todo o nosso trabalho. Mas especialmente hoje estou me dedicando ainda mais ao meu trabalho, pois é o dia do pagamento e quero sair a tempo de passar no mercado, para comprar algumas coisas para encher a nossa pequena dispensa. 

O céu já começa a mostrar alguns raios de nuvens alaranjadas, quando paro e aprecio o meu trabalho com orgulho. Olho para Donana de costas para mim, segurando a sua prancheta, verificando a dispensa e fazendo as suas anotações. Largo a espoja grossa no balde, me livro da água sua e depois de guardá-los no quarto da limpeza, faço o mesmo com a vassoura e o rodo, e vou ao encontro da minha amiga.

— Donana?

— Sim, querida!

— Eu já terminei com a faxina. Será que posso sair mais cedo hoje? Preciso fazer algumas compras no mercado. — Ela me olha rapidamente.

— Tem certeza de que não esqueceu de nada?

— Tenho. Está tudo brilhando e perfumado como me pediu. — Abro um sorriso maior que meu rosto. Ela larga a prancheta em cima do balcão e passa o olho nos quatro cantos do enorme cômodo.

— É, parece que está tudo em ordem — diz satisfeita. Um som de pigarro surge na cozinha e olhamos na direção do som, encontrando a senhorita Richter em pé no espaldar da porta. Seus dedos brincam com uma mecha dos cabelos dourados, enquanto seus olhos correm por cada pedaço do lugar. Automaticamente Donana e eu ficamos em posição, levando os braços para atrás do corpo e aguardamos que ela fale algo. Mas ela não diz nada, apenas olha meu trabalho impecável, até parar bem na minha frente e me olha nos olhos.

— Pretende sair mais cedo, barata de cozinha? — O tom debochado me faz fechar as mãos em punho, em minhas costas.

— Sim, senhorita! É que como terminei o meu serviço, gostaria de resolver umas coisas. — Sinto minha voz tremular e me pergunto, por quê Valentina estava ali? Ela não costuma vir a cozinha… nunca.

— E ia deixar o seu trabalho para a sua amiga fazer? Acha isso certo?

— Não, senhorita! Não acho certo e não deixei nada por fazer. Como ver, está tudo limpo. — Ela arqueia as sobrancelhas e gira um pouco o seu corpo para um lado e depois para o outro, observando o lugar outra vez. Depois se afasta e anda até o fogão a lenha. Abre a única panela em cima de dele e sorri. Olho para Donana e ela me olha, dando de ombros.

— Tem certeza? — indaga e quando se vira de frente, segura a panela e derrama todo o caldo de lentilhas pelo chão. — Acredito que você esqueceu esse canto aqui — diz com voz áspera e vem para minha frente. — Acho melhor limpar tudo direitinho, ou contarei para a minha mãe o quanto é preguiçosa. Sabe que ela não tolera trabalhos de preguiçosos, não é? — Engulo em seco, apertando minhas mãos fechadas em punho, sentindo a ardência das unhas em minha pele e me seguro para não avançar em cima dessa garota. Eu não entendo porque faz essas coisas comigo. O que eu fiz para ter tanta raiva assim de mim? — Me responda, barata nojenta! — exige.

— Me desculpe, senhorita! Farei o meu trabalho direito de agora em diante — sibilo sentindo um nó apertar a minha garganta com força. Donana corre e pega um pano e o esfregão e se põe ao meu lado.

— Eu ajudo você, Sara.

— Não! — Valentina ralha com rispidez, sem tirar os seus olhos dos meus. — Ela fará o trabalho dela sozinha. Pegue o pano! — ordena e sinto o meu sangue ferver no mesmo instante. Seguro o pano das mãos de Donana. — Agora se ajoelhe e comece a esfregar!

— Senhorita Richter…

— Volte para a contabilidade, Donana, ou quer ser demitida também? — Notei o olhar piedoso de Donana em cima de mim, mas permaneci encarando aquele traste humano, diante de mim. Donana obedeceu a sua ordem e ela voltou a exigir. — Já mandei, Sara, ajoelhe-se e comece a limpar o chão! — Obedeci sentindo uma lágrima escapar do meu olho e escorrer imediatamente pelo meu rosto e me pus a limpar o chão. — Isso, você precisa saber qual é o seu lugar nessa casa e quando eu tiver na piscina com as minhas amigas, não ouse pôr seus olhos sujos em cima de mim, e tão pouco nelas outra vez. Você é não digna — disse e saiu da cozinha, fazendo um som alto com os saltos batendo contra o piso.

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