Corrompida
Beatrice Costello
Qual o intuito de começar tudo isso, se não, aliviar a mente de todos os grilhões que me prendiam? Poder encontrar o perdão de Giacomo, perdoar a mim mesma por algum dia ter acreditado que poderia ser realmente feliz.
Um verdadeiro jogo de xadrez formado dentro da mente pronto para agir a cada escolha e em cada curva possível.
Um jogo perigoso, visto que o xadrez humano gera mortes.
Escutar a música repetidas vezes em um loop enlouquecedor só me deixa mais acordada enquanto a mente tenta se perder no significado das palavras. Talvez essa seja a diferença, aceitei o monstro que habita em mim como uma segunda camada, como o ar que respiro.
A cada dor de cada mordida, em cada surra os pensamentos foram se formando por dentro, tomando um espaço que acreditei algum dia que era bom.
O espaço adestrado desde o nascimento a ser condescendente, paciente, amorosa e obediente agora é só um espaço oco e escuro, os desejos de suicídio que tive foram sendo tomados pelo desejo insano de consumir cada grito e cada gemido de dor.
Com fogo, sangue e a loucura intrínseca aos solitários de alma, minha mente dominada por todas as ideias fluindo em um esquema perfeito, as peças de xadrez se movimentando cada vez que levantava o taco para bater no bastardo outra vez e outra vez.
Resolvi cobrir sua boca quando as palavras começaram a acertar as cicatrizes abertas dentro da alma, suas acusações por ser uma má esposa, por ser uma puta de uma família ruim. A indignidade de carregar um herdeiro Sartori.
Uma brincadeira infame em que a cada movimento arranca um sorriso em meio ao caos do sangue espalhado pelo ambiente pequeno que costumava ser a minha cela.
Meu ouvido direito pedia descanso do som incessante e mesmo com a dor deixei levar pela música penetrando, quando se perde a cabeça você se sente livre ou vivo?!
Não era o momento de conter a dor, não quando meu demônio precisa cantar, quando minha mente precisa sentir o sangue esquentando. Observei seus olhos tremendo, sua respiração fora de compasso e o suor na testa instigando o pior em mim, algo que nunca imaginei que seria possível como um sonho distante se realizando, agora.
Levantei o machado decepando o tornozelo deixando apenas um toco no lugar, seus grunhidos se reverberando pelo local com isolamento misturando-se com a música. Soltei o machado na mesa escutando um breve suspiro de alívio, o que ele não sabe é que o inferno é aqui, foi ele que me ensinou isso. Peguei um pano caminhando até o seu pequeno armário achei o ácido que precisava e voltei pressionando o pano com ácido no que restara do tornozelo.
Eu sou o seu carrasco, seu dono, seu inferno.
Minha mente perturbada trouxe de volta as palavras infelizes, a memória é uma vadia repugnante.
Usei a mesma bola vermelha que era obrigada a usar, a visão trazendo um prazer tão distorcido. É isso que sou agora? Uma versão dele?
Um algoz como Stefano tem sido em todos esses anos.
Levantei observando a obra como um todo, teria sido mais difícil sem a ajuda do meu irmão para prendê-lo nessa haste de açougue, convencer ele foi complicado, mas valeu a pena o gosto de retribuir todo o seu amor é só meu.
E essa vai ser minha memória mais prazerosa.
Cada ‘eu te amo’ sendo retribuído a sua própria maneira, usando o momento para vingar cada criança que ele estuprou na minha frente e cada filho que arrancou de mim.
Peguei o bastão metálico balançando de um pé para o outro sentindo a música comandar meus movimentos, quando o grave chegou ao ápice girei os quadris e o atingi nas costelas ouvindo o som dos ossos se quebrando, como uma melodia suave.
Balancei a cabeça observando qual seria o próximo ponto e de repente não fazia mais sentido, nada fazia sentido, nada além de um pedaço de carne reduzido ao nada. Apesar do prazer infiltrado, a sensação de finalmente saciar esse pequeno desejo voraz de sangue, sendo consumido pela vontade de vê-lo em pedaços, como todos os pedaços que fizera de mim.
Com um cutelo comecei os cortes, seus olhos revirando com a dor, os gemidos preenchendo o espaço e a baba escorrendo pela bola vermelha, o sangue respingando por todo o quarto, soltei o cutelo e peguei uma faca, atingindo seu abdômen e abrindo de uma ponta a outra as vísceras caindo no chão o prazer de matar se tornando uma parte da minha alma, seus olhos perdendo a vida.
Comecei por eles, aquela parte que um dia iludiu o pequeno mundo de fantasia me fazendo acreditar que poderia ser feliz dentro da máfia, enfiei a faca em cada um dos seus olhos coloquei cada um em uma pequena caixa, andei até o outro lado do cômodo puxando o tambor metálico posicionado apenas para isso, seus pés jogados no outro lado do quarto foram arremessados como uma bola de basquete, apanhei as vísceras jogando dentro do tambor.
Sem nenhum pingo de compaixão ou piedade pelo morto.
— Com o cutelo vai demorar muito – Soltei em voz alta para o cadáver na minha frente.
Levei a faca e o cutelo para a mesa pegando o machado, fazendo a preparação de arremesso e lá se vai uma coxa prestes a ser despedaçada.
E nesse ritual estripar cada pedaço do corpo expulsei cada lembrança dolorosa, cada machucado nem mesmo se tudo der errado esse pequeno momento sempre vai ser a minha vitória.
Peguei o galão de gasolina jogando dentro do tambor, subi em um banquinho e desatei as mãos presas adicionando ao pequeno churrasco, sua cabeça ao fundo sem olhos vindo na minha direção arrancou uma risada. Me afastei o suficiente para apoiar o corpo cansado na porta pegando sua carteira de cigarros e o isqueiro.
Assim que joguei o isqueiro aceso em direção a gasolina, traguei meu primeiro e único cigarro.
Sentindo todas as mentiras sendo queimadas pelo fogo junto ao homem que um dia foi meu marido, os olhos azuis intensos prometendo e jurando um amor inexistente a cada surra, obrigando a minha mente por um único momento pensar ser culpada das suas maldades.
Eu estou perdendo a minha sanidade?
Me perdendo da realidade?
O cigarro acabou, e as chamas continuam consumindo todo o combustível, o cheiro da carne queimada deve ter se fixado na minha pele.