02
• Jéssica Narrando •
Aqui estamos nós, no aeroporto de Londres com o destino: Brasil.
Eu não tô preparada para voltar, porém eu preciso estar com meus amigos nesse momento difícil. Eles sempre estiveram comigo quando precisei, agora chegou minha hora de retribuir.
As crianças estavam bem agitadas, correndo de um lado para o outro, trombando nas pessoas e me deixando louca.
— Alice para de correr! — peço pela vigésima vez.
— Por que mamãe? — pergunta ainda correndo atrás do Alex.
Se eu falar “Para de correr” é a mesma coisa de dizer “CORRE MAIS”
Será que eu falo grego com essas crianças? Qual a dificuldade em simplesmente obedecer a porra da minha ordem?
— Se vocês dois não sentarem agora, vão ficar de castigo! — digo perdendo a paciência que eu não tenho.
— Relaxa amor, você está muito tensa. — Cadu diz acariciando minhas mãos — Está suando e tremendo.
Realmente, eu estou no limite da minha ansiedade. Sinto que a qualquer momento vou ter uma crise aqui.
Sim, eu sofro de ansiedade. Uma das inúmeras feridas que aquele dia me deixou.
E não, não é aquela ansiedade pra quê de certo, pra que as coisas aconteçam. Não é aquele ansiedade esperando pra tal coisa acontecer.
Minha ansiedade me impede de dormir, minha doce ansiedade me impede de realizar meu sonhos mais loucos. Minha ansiedade me impede de viver como os outros.
Sentir demais, me deixa louca. Me deixa noites sem dormir pensando no que eu poderia ter feito a uns quatro anos atrás.
Ter ansiedade é ver o mundo de um jeito estranho, é estar bem e uma hora pra outra querer se isolar.
Ter ansiedade, depressão ou qualquer outro transtorno me faz sentir sozinha até quando estou cheia de gente ao meu redor.
Ter ansiedade e depressão juntas me fazem sentir que nunca sou boa o suficiente, me faz sentir como se nunca fosse ser boa pra ninguém, afinal não sou boa nem para mim mesma.
Minha ansiedade mata, mata aos pouquinhos. Mata cada vez que me dizem que eu tenho que ser feliz, que eu tenho que me importar menos, que eu tenho que seguir em frente.
Minha ansiedade não mata, o que mata é não entenderem que por fora eu sou a pessoa mais feliz do mundo, mas por dentro eu já morri a anos.
— Não sei se quero voltar... Na verdade, eu não queria, mas eu sinto que preciso estar com eles nesse momento. — digo apertando minhas mãos.
— Realmente, você precisa e você vai ficar com eles nesse momento! Eles são seus melhores amigos e sempre, mesmo estando longe, sempre estiveram com você. Aconteça o que acontecer, eu vou estar aqui com você, princesa. — diz segurando minhas mãos que estavam vermelhas pois eu estava apertando elas com muita força. Eu nem sabia que estava apertando com tanta força assim.
— Eu sou sua princesa! — Alice diz emburrada.
— As duas são minhas princesas.
— Não, eu quelo ser única! — diz com a mão na cintura.
Olhei incrédula pra ela, mas que menina abusada.
— Você é única, minha princesinha.
— Obrigada, papai. — diz abraçando o Cadu.
Respiro fundo e olho aquela cena.
Eu sempre disse para a Alice e o Alex que o Cadu não é pai deles! O Alex entendeu muito bem, pois são raras as vezes que ele chama o Cadu de pai, são raras, mas às vezes ele chama. A Alice chega até a brigar comigo dizendo que não quer outro pai, ela quer apenas o Cadu. Eu sei que eles sentem falta de uma presença paterna ao lado deles, mas o pai deles é um idiota que fodeu com a minha vida, e que infelizmente eu amei, às vezes, eu me arrependo de não ter contato sobre a gravidez, mas quando eu lembro de tudo que eu passei, esse arrependimento passa rapidinho.
Encarei Cadu que estava com a Alice em sua perna direita e Alex em sua esquerda e os três estavam numa conversa super animada.
A chamada para nosso vôo foi anunciada e sem demorar fomos até o mesmo.
Era a primeira vez que as crianças iriam viajar e nem preciso dizer que elas estavam super animadas e encantadas com tudo.
Nos acomodamos nos nossos lugares. Respirei fundo e fechei um pouco meus olhos.
Agora não dá mais pra voltar atrás, eu estou voltando para o Brasil! Estou voltando para o lugar que me fez sofrer e que eu tive a maior perda da minha vida. Estou voltando para o lugar que me destruiu.
Eu sei que não ia dá pra ficar fugindo pra sempre, uma hora ou outra eu teria que voltar, e eu deveria ter me preparado pra isso, mas bom... Eu não me preparei e agora estou aqui morrendo de medo do que me espera no Brasil.
Ajeitei as crianças e o avião decolou.
— Olha mamãe as nuvens — Alex diz encantado.
— Você viu filho, que linda!
— Eu quelo tocar a nuvem... — diz inocente.
— Não dá, meu amor. — digo acariciando seus cabelinhos.
Em poucos minutos Alice e Alex já estavam dormindo.
E eu estava com os pensamentos numa confusão do caramba.
Cadu acaricia minhas mãos e me dá um sorriso acolhedor.
— Você tá nervosa? — pergunta me encarando.
— Não. Por que estaria? — tento me fazer de durona.
— Por nada amor, mas você ficou quatro anos fora, é normal que fique um pouco nervosa... — suspira.
— Estou tranquila... Será que as crianças vão se adaptar bem? — mudo de assunto.
— Claro! Eles são espertos e se adaptam rapidamente, quanto a isso não se preocupe...
— Você tá certo, como sempre — digo balançando minha cabeça e rindo.
Ficamos rindo e conversando por mais algum tempo, até que apoiei minha cabeça no vidro e dei uma cochilada.
~
Acordo com alguém me beijando e me balançando, abro os olhos e como sempre as crianças já estão animadas.
Eles acordam ligados no 220 e ficam assim por todo o dia. Eu fico doidinha com os dois.
— Chegamos, mamãe! — Alice diz animada.
— Acorda, dorminhoca! - Alex me balança.
— Oi. amores da minha vida. Já chegamos?! — pergunto me espreguiçando.
— Sim, já estamos te chamando a algum tempo, mas seu sono é pesado demais. — Cadu resmunga.
Me levantei ainda sonolenta e peguei Alex no colo, enquanto Cadu pegou a Alice.
Descemos do avião e enfim pisei em solo brasileiro. NEM ACREDITO!
Brasil, cheguei!
Sinto um frio na barriga absurdo, meu coração parece uma escola de samba.
Até o ar daqui é diferente, meu Deus!
Saudades do sol do Rio de Janeiro. Logo cedo e já estava aquele solzão ardido e bem quente.
Rapidamente Cadu arrumou um Uber para a gente, iríamos ficar em um hotel por enquanto. Até resolvermos nossa vida aqui no Brasil.
Enquanto o Uber ia em direção ao hotel que ficaríamos meus pensamentos não me davam trégua um segundo se quer.
Estou com medo, medo de encarar o Matheus novamente, não sei como vou reagir ao vê-lo depois de tanto tempo. Não sei como ele vai reagir, eu praticamente fugi dele a quatro anos atrás.
E quando ele descobrir sobre Alice e Alex? Vai me odiar ainda mais? Eu privei dele quatro anos da vida dos nossos filhos. Mas ele também precisa entender que foi melhor assim, se eu não tivesse ido embora talvez meus filhos não estariam aqui comigo hoje. Só de pensar isso eu ja fico louca e tenho vontade de voltar correndo para Londres, aonde eu estava segura e tentando seguir em frente, tentando ser feliz.
Aqui no Brasil, eu não estou segura, Matheus tem muitos inimigos e eu temo sim pela vida dos meus filhos, meus bens mais preciosos. O que eu passei quando fui sequestrada só eu sei, e eu não quero nunca mais passar por isso ou algo parecido. Foi horrível.
E querendo ou não, são marcas que vão ficar pra sempre em mim, na minha mente, em meu corpo. Eu nunca vou poder me esquecer, até porque eu perdi meu primeiro filho e fui abusada de todas as formas e maneiras possíveis, tanto físicas, quanto psicológicas. Eu tenho sequelas desse dia até hoje.
E como isso não bastasse, o homem que dizia me amar, o homem que eu amava também fez da minha vida um inferno, ao ponto de eu nem querer existir mais.
Eu cheguei a pedir a morte por não suportar mais tamanha dor, mas graças a Deus, ele me deu forças para que eu conseguisse fugir e tentar uma nova vida em outro lugar.
E agora estou aqui novamente, aonde fui do céu ao inferno, aonde amei e fui amada, aonde tiraram tudo de mim até minha vontade de viver.
“Quem riu da minha ida, vai chorar com a minha volta!”