Cap. 2
O poema nasce quando a vida te fode.
— Perina
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Passei a noite inteira procurando um apartamento novo, porque não queria permanecer no meu, depois de tudo que passei com a Natasha e Guilherme na tarde de ontem e estou tão cansado devido à falta de sono que minhas vistas estão embaçadas.
Hoje meu trabalho foi puxado, mas bati a meta de três dias seguidos podendo me dar ao luxo de não ir trabalhar amanhã e só retornar a empresa na terça e caso eu consiga alugar esse me mudo ainda hoje.
— Se Deus quiser esse apartamento será meu! — fiz minha prece pegando minha mochila e dando por encerrado meu dia — Ele é tão perto do trabalho que sai pelas portas da Digital Express e já estou na rua do endereço marcado no anúncio.
Caminhei um pouco e vi uma mulher andando de bicicleta feito uma doida.
— Ainda bem que está de capacete, se caísse nessa velocidade iria se machucar. — voltei a olhar para meu jornal à procura do tal número — Droga! Isso aqui é um 5?
Forcei minhas vistas até entender o minúsculo número e vi que faltam algumas casas até o meu destino. Continuei caminhando admirando a rua de mão dupla, repleta de casa e prédios de no máximo três andares, com suas fachadas de tijolinhos e portas imensas que assemelha ao cenário do filme: Um lugar chamado Notting hill. Sorrir, com a grande semelhança.
— Não vi um comércio alimentar nessa rua…
Parei e olhei para trás de modo a ter certeza e só tem um mercadinho, floricultura e uma loja mais para o final da rua que não faço ideia do que seja, mas daqui vejo que não é um restaurante.
— A rua é bem comprida, mas realmente não tem nada que venda comida!
Deixei meus devaneios de lado e voltei a caminhar, olhei o jornal com suas letrinhas miúdas mais uma vez e estou dois números antes do que estar no anúncio.
O prédio que será meu novo lar está logo adiante e a fachada é reformada. Manteve o estilo original, porém bem bonito, como se fosse uma construção nova. Tem dois canteiros de plantas na frente e a imensa porta com uma caixinha de correios no meio dela é preta com o umbral branco, assim como as imensas janelas dos três andares acima.
— Tomara que meu apartamento seja com as janelas para frente, porque idealizei tomando meu café da manhã admirando a rua.
Olhei mais uma vez para o jornal tentando identificar se o número na fachada do prédio é o mesmo,
— É esse! — apertei o número do interfone que dizia no anúncio.
— Alô! — a voz de um senhorinha foi emitida — Amora, se for você novamente vou te deixar na rua, menina.
— Vim pelo anúncio, me chamo Arthur e estou interessado em ver o apartamento.
— Oh, desculpa. — um barulho estranho foi emitido — Vou liberar sua entrada só um segundo.
— Tudo bem. — a porta foi destrancada e estava prestes a passar por ela quando uma mulher quase me atropelou ao entrar às pressas — Pode passar senhorita, fique a vontade!
Ironizei e fui totalmente ignorado.
Passando pelo umbral encontrei uma mulher bem baixinha, com seus cabelos que tem uma tintura indefinida e sua pele possui rugas devido à idade bem avançada.
— Só um segundo. — caminhou com rapidez para a idade que tem e foi até a entrada — Cadê essa delinquente?
— Se for uma mulher, passou por mim e subiu às pressas — delatei e vi a idosa revirar os olhos.
— Desculpa por isso. — disse que tudo bem — Vamos, o apartamento é lá em cima.
Começamos a subir os degraus e fiquei satisfeito, porque dentro também está tudo muito bem reformado. As escadas são de concreto, as paredes bege e os degraus, somente eles têm um revestimento de madeira bem envernizado.
— Então, Arthur, é esse seu nome? — questionou parando nos degraus do segundo andar.
— Sim! A senhora, é?
— Prazer, me chamo Abigail e sou a dona desse prédio.
— O prazer é todo meu. — apertei sua mão — Bom, gostaria de ver o apartamento e se for do meu agrado mudo-me ainda hoje ou no mais tardar, amanhã cedo.
— Claro, vem comigo.
Ela subiu com agilidade e sem reclamar. Quando estávamos nos últimos degraus para chegar no corredor, comunicou:
— Esse prédio é bem antigo e possui dois apartamentos por andar. — explicou apontando para ambos os lados — Só tenho esse disponível e serei sincera, sua vizinha de porta, é uma folgada.
Fiquei abismado com o tom que usou como se elas fossem próximas, quero dizer, mãe e filha devido a maneira como declarou.
— Não dê atenção a ela, se possível, mantenha a porta fechada.
— Eu ouvi, Abi! — uma voz feminina chamou nossa atenção.
Pelo tom dos cabelos creio ser a mulher que quase me derrubou na entrada. Ela parou no meio do corredor com as mãos na cintura como se estivesse chateada.
Analisei seu corpo contido por um blusão e julgo que não tenha nada além dele, já que o tecido é fino e marca perfeitamente os seus pequenos seios.
— Vá pra dentro, menina! Vejo tudo daqui — olhou para baixo e entrou apressada — Viu, é disso que estou falando.
Estressada reclamou.
— Desculpa! — ela gritou — Já volto para conhecer meu novo vizinho.
A idosa alisou o rosto e me pediu desculpa pela segunda vez. Voltamos a caminhar e na porta do lado oposto da mulher do blusão, paramos.
— Bom, tome a chave e vá em frente. — me entregou um molhe com uma cinco ou seis — Estou sem óculos, faça esse favor para mim.
Me mostrou qual era a certa e explicou o macete para abri-la, porém o barulho me fez ranger os dentes.
— Não tive tempo de trocar a porta. — disse que tudo bem.
Ela terminou de escancara-la. O cheiro de casa fechada invadiu meu nariz e às pressas Abigail tratou de abrir as janelas.
Me convidou a entrar e comecei a vistoriar. O chão de madeira é notável que não é envernizado há décadas, porém está bem conservado. As paredes não sabem o que é uma mão de tinta há alguns anos. Passei pelo pequeno Hall e entrei na imensa sala.
— Veja como é espaçoso. — concordei.
Fiquei feliz pela cozinha, que além de ser americana e bem espaçosa, está totalmente reformada.
— Quanto custa a locação? — perguntei, por não dizer no anúncio.
— O valor é de trezentos dólares e se fizer reforma pode abater do aluguel, cobro baratinho, porque não é todo reformado como os demais dos andares abaixo. — esclareceu seguindo para uma porta — a cozinha, o banheiro e o último quarto do corredor foram reformados.
Fiquei pasmo que o banheiro de fato é bem bonito, o piso e azulejo foram trocados por um tom verde-escuro que ficou bom.
— O antigo vizinho tem uma namorada que não suportava a Amora.
— Por quê? Faz muito barulho? — perguntei, já que meu intuito é o silêncio.
— Não, nem é isso. — ela se aproximou — Essa menina é um amor, mas não diga a ela que te contei isso!
Sorri com a cara que fez e pedi mais explicações.
— Amora é uma boa menina, mas é espaçosa demais, não duvido que fará amizade contigo e logo estará aqui na sua casa vendo sua TV, comendo sua comida e bebendo seus chás.
— Chá?
— Ela é fanática por chá, às vezes compra uns diferentes e leva para que experimente, então se gosta de chá esconde os seus.
— Meu Deus, Abi! — tomamos um susto com ela parada no meio da sala — Não fale isso ao meu respeito vai assustar o novo inquilino.
— Que susto, menina! Quer me matar? — a idosa tem a mão no peito devido ao susto — Como entrou aqui sem fazer barulho?
— Morei aqui, sei como abrir a porta silenciosamente.
Admirei seu corpo novamente e o blusão permaneceu, mas acho que agora tem um sutiã escondendo seu seio arrebitado.
— Primeiramente, desculpa por passar por você e não ter me apresentado, estava quase fazendo xixi nas calças, porque ela não liberou minha entrada.
— Claro, você tem sua chave! — Abigail retrucou — O que faz aqui?
— Comprei seus remédios, sua ingrata! — entregou uma sacola cheia de medicamentos — Não fique sem jeito de pedir, sabe que comprarei se precisar.
— Não quero te privar de usar seu dinheiro! — aceitou os remédios e voltou sua atenção para mim — Esse é Arthur.
Estiquei minha mão para apertar a dela que sorriu amigavelmente quando nossas palmas se conectaram.
— Você é a Amora? — questionei.
— Isso. Espero que goste desse banheiro e da cozinha, fui eu quem reformei, assim como o quarto do fim do corredor .
— Sim, ficaram bons, na verdade, ainda não fui até o quarto, mas tem bom gosto e sei que ficou ótimo. — declarei sincero e ganhei outro sorriso — Quantos quartos tem esse apartamento?
— Dois, e para os que moram aqui no terceiro tem o privilégio de ter o terraço só para vocês, por não possuírem uma varanda, como os de baixo. — fiquei animado com a informação — Não subirei mais escadas, se quiser conhecer precisa sair pelo corredor e ir até o fim dele que lá tem uma escada a qual te levará para o andar de cima.
— Legal, com relação aos quartos, podemos vê-los? — disse que sim.
Abigail foi à frente seguindo por um corredor e a Amora se foi, fechando a porta silenciosamente sem sequer se despedir.
— Vejo que gostou dela. — fui surpreendido com a afirmação — Olha lá, hein! É avoada, mas tem um coração maravilhoso, menino.
— Não é nada disso, fiquei abismado como fechou a porta sem fazer barulho. — fui convincente em cada palavra e acho que consegui sair dessa situação constrangedora e convencê-la de que não achei minha nova vizinha muito bonita.
— Você tem namorada? — concordei no automático, mas em seguida neguei — Afinal, tem ou não?
— Não, me separei ontem depois que…
— Traição? — sem jeito concordei — Sinto muito.
— Tudo bem, já passou. — pedi que continuasse e entramos no primeiro — Nossa ele é grande!
— Sim, o segundo é uma suíte, ele era o quarto da Amora, mas quando os vizinhos da frente se mudaram ela ficou com o apartamento deles e aqui foi alugado para um rapaz bem educado, mas a namorada ameaçou de matar a Amora, e tive que pedir o apartamento.
— Ah! Então ele saiu daqui há pouco tempo? — negou — Como não?
— Tem um ano que está vazio, não alugo para rapazes, muito menos para os comprometidos, porque viu como ela fica, os vizinhos de baixo são como eu e Charles meu marido, quero dizer, de idades avançadas e todos adoram a Amora, mas com esse antigo locatário foi uma brigalhada feia e entre qualquer vizinho e ela! Bom, acho que dá pra saber a minha decisão.
Concordei imaginando a tal briga com facas e tesouras afiadas.
— É por esse motivo que não alugo para rapazes. — acrescentou tirando-me dos meus devaneios.
— Oh! Então não poderei alugar?
— Se quiser, sim, pois preciso do dinheiro para meus remédios, tem uns 4 meses que ela vem comprando para mim e não quero privá-la do seu suado dinheiro.
— Entendo! Bom, vou alugar e me mudo amanhã mesmo, porque vou pintar a sala, o quarto e darei uma envernizada no chão antes de trazer meus móveis. — comuniquei idealizando a cor para as paredes da sala — com relação a Amora, pode ficar despreocupada, trabalho tanto que só chego em casa para dormir e como me garantiu que não é barulhenta é ainda melhor.
— Que maravilha, então deixe-me te mostrar as chaves da porta principal, e de tudo aqui no apartamento.
Passamos uns quarenta minutos conversando e quando se foi abri todas as janelas e procurei no maps as lojas de alvenaria do bairro. Achei o que queria e fui atrás do que precisava para a pintura da sala e do quarto de hóspedes que usarei como escritório.
— Amanhã não irei trabalhar, assim consigo me mudar e passar meu fim de semana organizando tudo. — murmurei passando pela porta barulhenta indo atrás de materiais para as melhorias.
A noite já tinha caído quando dei a última mão de tinta na sala, o quarto já estava finalizado, limpei o chão para dar a primeira camada de verniz. Ao finalizar fiquei no corredor para deixar secar bem antes de passar a segunda.
Meu telefone tocou e vi ser Romeu. Atendi despreocupado enquanto seguia para a escada no final do corredor.
— Oi, como vão as coisas, Romeu?
— Fui demitido, chefe! Não conhece nenhum restaurante ou pub que precise de garçom? — puxei pela memória e nada me vem à mente.
— Não tenho, mas posso procurar saber. Vou ligar para uns contatos e te falo.
Ele ficou em silêncio e sei que lá vem o mesmo discurso.
— Deveria abrir um restaurante novamente, saiba, desde que fechou nunca mais trabalhei em um lugar tão bom quanto o Baratie. — acabei rindo das suas palavras — Sério, deveria tentar, sua comida é ótima, você tem um ótimo carisma, chefe.
— Já tive minha experiência nesse ramo e sabe muito bem que isso não vai acontecer, mas verei se consigo algo para você. — trocamos mais algumas palavras e desliguei.
A porta para o terraço está trancada e desapontado voltei para meu apartamento. Olhei as horas que pontualmente marcavam oito da noite.
Tentando matar o tempo mandei mensagem para uns amigos que possuem Pub ou barzinho, na procura de algo para Romeu e nenhum tinha vaga.
Sai dos meus devaneios com a vizinha cantando.
— As paredes são finas, consigo ouvir perfeitamente como se cantasse na minha frente. — murmurei fechando minha porta.
Iniciei a última mão de verniz e quando finalizei sabia que tinha que ir para casa, porque não teria como dormir aqui sem ao menos ter uma roupa de cama.
— Estou quase indo para um hotel. — exclamei segundos antes de ouvir um toque suave na minha porta — Já vou.
Puxei a porta devagar e o barulho irritante ecoou pela casa vazia.
— Quer jantar? — a pergunta me pegou desprevenida — Não sou boa na cozinha, mas dá para sobreviver, afinal, ainda estou viva e isso é um bom sinal.
Olhei minha nova vizinha que é incrivelmente encantadora com suas sobrancelhas grossas bem feitas e seu sorriso gigante que estreita seus olhos castanhos escuros.
Amora é muito bonita e julgo que não é uma boa ideia ficar tão próximo dela, afinal nunca mais namorarei na vida e com uma mulher linda dessas me rondando não levarei muito tempo para ganhar outro par de chifres.