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Alguns dias depois...
Celena Martins
Tudo está pesado e dolorido, cabeça, pálpebras, nada se move. Meus olhos e boca estão fechados com determinação, deixando-me cega e dolorida, está tão quente, sinto o meu corpo queimando. As palavras sussurradas estão cada vez mais distantes, a névoa me envolve mais uma vez, ela está me puxando. Sim!
Embora eu tente, não posso ficar com os meus olhos fechados, uma luz na escuridão está me chamando de volta, uma voz sussurrou dentro da minha mente, eu não quero voltar.
Sinto uma paz tão grande em meu coração, tudo está calmo, as vozes se foram e eu finalmente encontrei a paz que tanto desejava, meu corpo não está mais em chamas, toda a dor ficou para trás, levanto-me e caminho em direção à porta, sei que somente naquele lugar encontrarei os meus pais, a ansiedade toma conta de todo o meu ser, a cada passo dado ela ficava cada vez mais distante, desesperada começo a correr, mas novamente a névoa me envolve.
Tudo está em silêncio, estou muito cômoda e aquecida, sinto algo bem macio debaixo de mim. Que bom! Abro lentamente meus olhos, estou tranquila e serena, está muito claro, penso que estou no céu, estou feliz, todo o meu sofrimento finalmente acabou. Tento mexer meus membros, sinto algo pontiagudo perfurando minha pele. Fecho os olhos rapidamente.
— Será que no céu também sentimos dor? — Abro meus olhos de novo e o ambiente parece-me estranhamente familiar, meu coração dispara, meu ofuscado cérebro procura entre suas lembranças recentes, pouco a pouco, as imagens fragmentadas começam a me torturar, minha garganta se fecha instantaneamente assim que a maçaneta da porta chacoalha, em seguida a porta é aberta revelando uma poderosa figura masculina, altivo e arrogante, sinto todo o meu corpo estremecer assim que ele começa a caminhar em minha direção, toda a alegria de minutos atrás murcha em meus olhos, tento respirar devagar, mas sou inundada pelo aroma do seu perfume, ele para à minha frente, encarando-me, seu rosto impassível, ele se afunda em uma poltrona próxima, jogando o braço sobre o encosto, no mesmo instante sua voz ecoa no ambiente.
— Vejo que está melhor.
Com os olhos fixos no homem à minha frente, todo o meu corpo estremece, apavorada tento me levantar, mas sinto uma forte tontura. Ele se levanta e novamente começa a falar.
— Você ainda está muito fraca, esteve doente por alguns dias.
Ainda atordoada ao ouvir suas palavras, meus olhos vão ao encontro dos meus braços, que estão envolvidos por um tecido branco, só então, percebo que estou com uma medicação intravenosa em meu membro superior.
Sinto ele pegar em minha mandíbula me fazendo virar em sua direção, com a voz calma ele pergunta
— Qual é o seu nome?
Eu queria poder falar , mas nada sai dos meus lábios, somente fico o encarando. Sua expressão que antes era calma, logo se altera e sinto sua mão deslizando até à minha garganta, ele começa apertar o meu pescoço com tanta forca, a ponto de começar a me debater, ele está me sufocando, quando acho que tudo estava acabado ele retira sua mão, e caminha até um móvel que está ao lado, começo a tossir tentando recuperar o meu fôlego, mas logo meu coração começa a bate mais forte quando olho o objeto em suas mãos, ele pega em minhas pernas e as prende, com corrente grossa que é semelhante às algemas no início e a outra parte fixa em uma grade de metal contida próxima à janela, o ódio é visível através do seu olhar.
— Você ficará presa, assim não tentará mais dar fim a sua própria vida, e a sua sorte que ainda não está totalmente recuperada, da próxima vez que permanecer calada quando fizer uma pergunta a farei conhecer o inferno em vida.
Assim que ele termina de falar, caminha até à porta e deixa o cômodo.
Viro a cabeça para o lado, as lembranças dos momentos que passei ao lado dos meus pais invadem a minha mente, será que algum dia tudo isso terá fim?
Algum tempo depois...
Acordo sobressaltada, momentaneamente desorientada, minha bexiga está estourando, preciso fazer xixi. Tento mexer minhas pernas, meus olhos fixam na corrente em volta delas, antes que eu tenha qualquer outra reação, uma senhora corre para dentro do quarto, em seguida sua voz preenche no ambiente:
— Estou feliz que você acordou, Raio de Sol. — Embora confusa pela forma que ela me chama, sua voz é mansa e suave, me traz uma sensação tão boa. Ela se aproxima, pega uma de minhas pernas e retira a corrente em volta dela, percebo que não estou mais com o soro, ela me ajuda ir até uma porta, ao entrar no banheiro a mulher permanece na porta, mesmo envergonhada eu já não consigo aguentar a dor, então resolvo fazer minhas necessidades com ela me observando, assim que termino dou a descarga, aproximei-me da pia e noto que já tem outro espelho no lugar do que eu havia destruído, fico encarando meu reflexo no espelho, olho para os meus pulsos e ao levantar minhas mãos, a senhora logo caminha até onde estou e começa a falar.
— Filha, sei que não está sendo fácil, mas não deixe de lutar pela sua vida, mesmo que tudo pareça difícil, existe um motivo pelo qual Deus permitiu que você continuasse nesse mundo.
A cada palavra dita por ela, as vozes sussurram para que eu não acredite, que ela é amiga do homem ruim, mas algo dentro do meu coração me força a manter a minha sanidade, ao olhar nos olhos da mulher tudo que conseguia ver é a imagem da minha vovozinha que virou uma estrela, ela tem o sorriso em sua face semelhante ao da minha avó. Volto a realidade ao ouvir sua voz novamente.
— Vamos, vou ajudar você a tomar um banho, vai se sentir melhor.
Depois que tomo o banho, ela me dá uma camisola, deito-me após me trocar, pois estou tonta. A senhora por nome Nany se afasta e deixa o quarto, minutos depois, ela volta trazendo uma bandeja com comida, a minha barriga está doendo, sento-me e pego uma colher, ela me olha fixamente, termino de comer e estendo a bandeja para ela, queria agradecer pelo cuidado que ela está tendo para comigo, então esboço um sorriso. Ela coloca a bandeja em cima da poltrona, em seguida coloca a corrente em volta da minha outra perna.
Pega a bandeja e sai do quarto. Aproveito meu momento de lucidez e fico pensando nas palavras que ela falou minutos atrás, será o certo desistir de viver? Será que devo acreditar nas vozes, que não deixam de me atormentar?