03
Nicolas Atebaly
Assim que Nany chega com minha maleta, começo a examinar a garota, enquanto ela me relata tudo que aconteceu quando a encontrou. Depois que pedi para ela trazer o roupão para a atrevida, Nany não a encontrou no quarto, portanto, seguiu até o banheiro, ao entrar no ambiente ficou estarrecida ao ver a garota de olhos fechados, em seguida a única parte exposta do corpo da mesma foi coberto pela água, desesperada ela se aproximou, puxando-a para fora da banheira, mesmo confusa pelo fato da água estar numa coloração avermelhada, Nany agiu rapidamente, olhou seus pulsos cortados e entendeu o motivo do líquido estar naquela cor, ela a colocou no chão e tentou reanimá-la, virando sua cabeça e o corpo para o lado para retirar a água do pulmão, tentou restabelecer a respiração da garota, vendo que não conseguiria, envolveu-a com uma toalha para a proteger do frio e seguiu para o meu quarto para pedir ajuda.
Enquanto ela relata, faço os procedimentos necessários, começo a massagem cardíaca até sua respiração se normalizar, em seguida estanco o sangue para conter a hemorragia, trato de me certificar que não haverá sequelas visíveis, sua pele ainda está pálida devido à perda de consciência e queda de temperatura. Saio dos meus devaneios, ao ouvir os batimentos cardíacos da atrevida, com todos os processos já feitos, vou aplicar um soro com gotejamento preciso para ajudá-la, Nany providenciou alguns cobertores que solicitei, deixando-a na temperatura ideal.
Terei que a observá-la nas próximas 72 horas, pois não sei ainda a quantidade de água que ela ingeriu e se no processo que Nany fez ela expeliu de fato todo o líquido para fora, então teremos que ter muito cuidado, pois pode acontecer ainda um afogamento seco.
Olho para garota, que está com uma expressão calma em sua face, é como se em meio a tudo que fez, ela estivesse muito feliz, respiro fundo, meus olhos percorreram seu rosto a curva das sobrancelhas, as pequenas sardas, seus cabelos mais parecem um raio de sol, ainda perdido em meus pensamentos vejo Nany adentrar o ambiente com alguns medicamentos, devido à maioria dos meus funcionários residirem na mansão tenho um pequeno consultório dentro da minha própria casa, assim caso aconteça algo com algum deles poderei fazer aqui mesmo os procedimentos cabíveis.
Deixo ela com a Raio de Sol, embora ainda não saiba nada sobre essa infeliz, a chamarei assim até que ela me revele seu verdadeiro nome. Caminho até meu quarto, visto uma calça de moletom e uma camiseta antes de ir para o meu escritório e resolver alguns assuntos que tenho pendentes, não só com a Yardie como tenho que checar com Estela os pacientes da semana, além de ser o chefe da maior e mais temida máfia do mundo, tive que manter as aparências perante a sociedade, embora o intuito em me tornar médico foi para utilizar meus conhecimentos nos interesses da máfia, acabei me tornando um dos médicos mais renomados de todo país. Por ser um médico especialista em dor, um profissional que realiza o tratamento principalmente nos casos de dor crônica, isso me tornou um dos homens mais ricos de Londres, por ser o melhor nessa especialização.
Ainda não são nem cinco da tarde, pego o celular e ligo para Estela, que atende com rapidez e prontidão, após receber as informações detalhadas sobre minha rotina da semana, sigo para o meu escritório, entre um documento e outro, acabo perdendo a noção do tempo e quando já estou me levantando para deixar o cômodo, de repente as portas se abrem e novamente Nany aparece em meu campo de visão com a mesma expressão de horas atrás, com a voz entrecortada pelo nervosismo começa a falar:
— A garota está ardendo em frente, tentei controlar sua temperatura dando o antitérmico, mas ela já está com mais de 40 graus e tendo convulsões febris.
Levanto-me de imediato e vou ao encontro dela. Atordoado, atravesso o corredor de acesso ao quarto da garota, ao me aproximar dela, dou uma olhada longa e severa, seu rosto pálido está banhando pelo suor, sua temperatura corporal está muito alta, alterações nos sinais vitais, peço a Nany para trazer as compressas para fazer aplicações na testa, axilas e peito, para controlar a febre.
Olho para o relógio em meu pulso já são quase meia-noite, Nany logo se pronuncia que ficaria com a garota, mas não posso deixá-la nesse estado, passarei a noite toda acordado vigiando a Raio de Sol, então após ter falado para ela ir dormir, resolvo ficar no quarto para manter a temperatura do corporal dela estável. As horas vão passando, troco o soro, colocando alguns medicamentos dentro dele, entorpecido pelo cansaço, recosto-me na poltrona, não sei ao certo a hora, mas acabo adormecendo.
Acordo sobressaltado ao ouvir uma voz que desperta uma sensação tão boa dentro de mim, como nunca tinha sentido antes, ainda atordoado me levanto e ao me aproximar da cama onde a Raio de Sol está, vejo-a se contorcendo como se tivesse sentindo dor, pego em suas mãos e vejo que está novamente com uma alta temperatura, ao me virar para pegar a compressa, novamente a voz que mais parece ser de um anjo ecoar no ambiente.
— Não! Não! Por favor, se afaste de mim. Mamãe! Papai! Por que vocês me deixaram, o homem mau vai matar a tia, me ajude por favor. Vocês não podem me deixar aqui, estou tão sozinha, por favor não me deixe, está quente muito quente eu não consigo respirar, me ajuda eu-eu- estou tão frac...
Vejo-a se contorcer ainda mais, como se algo realmente a estivesse torturando, o medo em sua expressão é visível, algumas lágrimas descem pela sua face. Saio do meu momento de devaneios quando um grito estrangulador sai entre seus lábios, ela começa estremecer, seus batimentos estão acelerados, vejo seus olhos se abrirem e ficarem fixos em minha direção, em seguida ao se fecharem fico petrificado ao vê-la, desfalecendo à minha frente.