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CAPÍTULO 4

RAUL

Existem quatro coisas responsáveis por manter um avião no ar, a tração dos motores, o peso da gravidade, a sustentação provocada pelo

movimento e o arrasto devido ao atrito com o ar e turbulências.

E infelizmente, a paisagem que estou vendo me preocupa, as nuvens estão sobrecarregadas e as rajadas de vento me obrigaram a voar mais baixo.

— CACETE!

Xingo alto, alarmando meu copiloto.

— O que foi? — Não o olho, mas sinto toda a tensão em sua voz.

— Vá checar as garotas, mande apertar os cintos e segurar firme. Não faça alarde, mas vamos enfrentar uma turbulência braba dentre os próximos minutos. 

Ele suspira alto, parecendo amedrontado pelas minhas palavras e avisos e me dá mais uma vez a certeza da sua total inexperiência.

— Agora, Júlio! — Falo um pouco alterado, irritado pela situação inusitada. 

Quando chequei o clima mais cedo, não havia sinal algum de tempestade, mas faz alguns minutos que o radar apitou indicando a brusca mudança e me deixou alarmado. Estou sobrevoando o mar mediterrâneo e não tem nada além de água lá embaixo, minha sorte é que estamos sobrevoando durante o dia e a minha visão é clara sobre o que tenho a frente.  Falta quase duas horas para chegarmos em Valência e temo que a situação piore.

Observo de canto de olho Júlio deixar a cabine e rogo para não fazer tanto alarde, sua expressão de pânico pode deixá-las assustadas e causar uma comoção desnecessária.

Checo mais uma vez o transpônder e o Tcas, meu amigo fez bem em comprar um jatinho bem equipado, apesar desses itens só serem obrigatórios em aeronaves comerciais e com mais de dezenove assentos, eles estão me sendo úteis agora, mostrando com clareza o mapa da área e mantendo minha comunicação com outros aviões próximos, também consigo checar a nossa altitude e velocidade.

Eu já estive em situações difíceis durante um vôo, lá no Brasil as tempestades costumam aparecer do nada e é comum nos voos domésticos, no entanto, o território é conhecido por mim e posso achar escapatórias em segundos. Trabalhar em outro continente é diferente, apesar de ter cruzado o continente europeu muitas vezes durante os últimos meses, sobrevoar o mar mediterrâneo em uma forte tempestade pode ser uma tarefa árdua até para o mais experiente piloto, estou tranquilo apesar de tudo, não domino ou tenho decorado cada ilha dos arredores, mas sei da minha capacidade.

Eu sou bom, porra!

E é por isso que afasto os pensamentos negativos, não sou nenhum menino na sua primeira viagem, muito pelo contrário, sei exatamente o que fazer. Por isso que quando o radar volta a apitar mostrando uma mudança na velocidade do vento tendo me preparar aumentando a velocidade, uma rajada considerada mediana se choca conosco segundos depois e uma turbulência faz a aeronave balançar.

Não permito que a aeronave mude de rota, busco manter o controle e segurar firme até que aos poucos tudo volta a normalizar.

O agente da base aérea começa a me chamar pelo rádio, exigindo a minha comunicação e posição. Respiro aliviado, informando que estamos bem e ele me alerta sobre uma fonte tempestade pela frente como eu já suspeitava. Após desligar, chamo Júlio pelo microfone de volta para a cabine, aproveitando para falar palavras tranquilizadoras as duas mulheres lá atrás.

Meu copiloto invade a cabine respirando um pouco pesado, pousando a mão sobre o peito e me olhando assustado.

— Tudo bem? — Pergunto.

— Sim, senhor. Foi apenas um susto. — Responde, sentando de volta ao seu lugar ao meu lado. Arqueio uma sobrancelha, tentando entender onde raios Théo achou o rapaz.

— Você escolheu uma profissão que te apavora, por quê? — Falo, curioso sobre o rapaz.

Sua respiração retoma a normalidade aos poucos e ele me olha, colocando os fones de volta ao ouvido.

— Era um sonho de criança, meu pai era piloto militar. Aeronáutica espanhola.

Balanço a cabeça, ponderando suas palavras. No fundo, eu entendia, quando criança sonhava em ser como meu pai.

— Onde ele está?

Sua expressão imediata é de confusão, mas espero até que compreenda.

— Meu pai morreu quando eu tinha quinze anos.

— Sinto muito.

— Tudo bem, estou realmente honrado em ser seu copiloto. Meu pai gostaria de você.

Assinto, não sabendo o que responder.

— Obrigado. — Digo por fim. — Como estão as garotas? — Pergunto.

— A garotinha está chorando nos braços da mãe, a coitadinha se assustou, mas a senhorita Mourão está cuidando em tranquilizar as duas.

Assinto mais uma vez, gostoso em saber como Pâmela não é nada do que imaginei.

Uma chuva torrencial passa a cair, e fecho a cara, voltando a minha expressão séria e preocupada, gotas grossas e trovões começam a formar um novo cenário bem na minha frente, um bem mais complicado.

— Se segure, vou precisar de você. Mantenha a calma. — Falo para ele.

Volto a ligar o microfone e passo a falar com as mulheres.

— Meninas, preciso que vocês se mantenham em seus lugares a todo momento. Não retirem o cinto, estão entendendo? Fiquem em seus lugares.

Aumento um pouco mais a velocidade, assim o aeroplano não sofrerá alterações na sua direção.

Tento me comunicar com a base, mas o rádio apresenta falhas e não consigo estabelecer comunicação.

Um barulho alto de trovão assusta meu copiloto e me faz rosnar, isso é indicativo que as coisas vão ficar mais complicadas. Não desacelero, o correto é que faça justamente o oposto.

Outra corrente nos acerta, bem mais forte que a anterior e enfrentamos mais uma turbulência.

— Tesoura de vento. — Júlio murmura.

— Sim, porra! Não identifiquei essa antes do tempo.

Passo a ficar tenso, nunca lidei com um windshear antes, essas correntes apresentam mais periculosidade durante a descida ou partida do vôo, mas isso é relativo desde que a forte corrente de vento pode ocorrer em qualquer período do vôo.

O barulho da chuva e trovão me deixam mais ligado, despertando o pior em mim.

— Fala com a base, pergunta se temos algum lugar para aterrissar.

— O quê?

— Faça o que digo!

Ele acata, pegando o rádio e tentando obter resposta. Meu maxilar está trancado, um filme passando pela minha cabeça.

O avião volta a balançar e tento fazer com que fico intacto, mantendo a mesma rota.

— Ninguém responde, caralho. — Júlio diz, falando o seu primeiro palavrão na minha frente e fixo surpreso por alguns segundos.

Mas não tenho muito tempo para tentar quebrar o clima tenso com uma piada sobre isso, outra tesoura de vento nos atinge e temo que essa esteja em seu nível máximo, estamos sendo puxados para baixo e com a velocidade sendo reduzida mesmo que eu esteja acelerando no máximo.  O forte vento interfere nas asas e vejo um pedaço voando, me fazendo praguejar alto.

— Vamos ter que aterrissar! — Grito para meu copiloto.

— Não temos pra onde ir. — Grita de volta.

E busco com o olhar alguma saída, tentando encontrar algum ponto de terra.

— Ali. — Aponto e levo sua atenção.

— Parece uma ilha. — Diz, um pouco alto devido a toda a turbulência.

— Sim, é a nossa única saída. — Respondo na mesma altura.

Continuo a outra contra o vento, mudando nosso trajeto para esquerda, onde a pequena olha se encontra. A mudança de trajeto junto da velocidade das correntes de vento faz com que outro pedaço da asa se parta, um alerta no painel informa que o motor também apresenta danos e as turbinas começam a falhar.

Então, não diminuo a velocidade. Levando o avião para forçar uma aterrissagem de risco, não estamos mais sobre influência do vento, apesar da chuva forte, estou abaixando para pousar e lutando para conseguir fazer com todos os danos que a aeronave sofreu.

Um alarme começa a apitar e identifico o fogo em uma das turbinas, os airbags são liberados e o impacto me faz ficar zonzo, me fazendo perder a consciência e o controle.

Tudo que posso sentir é que estamos caindo...

— Duque. — Júlio grita, parecendo desesperado e o vejo assumir o controle antes de apagar.

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